Do Luxemburgo a Portugal de motorizada. Viagem de portugueses já começou
Nada mais, nada menos do que 2.000 quilómetros. A 50 km/h. Durante seis dias. O local de partida: Luxemburgo. O destino: Portugal. Esta é a odisseia de um grupo de amigos que partilham a paixão pelas motorizadas.
Diogo Castro, António e José Mota partiram este sábado de Pétange em direção a Portugal, com motorizadas 50cc. A primeira paragem é Orleães, em França. © Créditos: António Pires
Parece uma piada de 1 de abril, Dia das Mentiras. Mas não é. Pelas 8 horas da manhã deste sábado, quando a chuva era constante e a temperatura rondava os sete graus, já Diogo Castro tinha chegado ao ponto de encontro. Ao parar a sua mota, uma Famel XF-17 Super de 82 ou 84, vermelha e preta, naquela bomba de gasolina em Pétange, a primeira coisa que disse foi: "Estou mesmo nervoso".
Não era caso para menos. Afinal, estava prestes a iniciar uma viagem de cerca de 2.000 quilómetros, durante seis dias, com 27 horas de estrada pela frente, a uma velocidade de 50 km/h. Tudo por estradas nacionais, atravessando França e Espanha, até chegar a Portugal.
Diogo, 34 anos, foi o primeiro do grupo a chegar. Vestia um casaco e umas calças refletoras de cor amarela. No capacete preto trazia uma câmara de ação e uns óculos estilo motocross. Estava acompanhado pela mulher, os filhos e alguns amigos que quiseram despedir-se e desejar boa sorte para a viagem. "Que pancada, agora é que caí na realidade… Se soubesse o que estou a sentir agora, se calhar pensava duas vezes!", brincou.
A mota está completamente equipada. Na frente, autocolantes de bandeiras de vários países, Luxemburgo, França, Espanha, Portugal, Bélgica e Alemanha. Na parte de trás, a bagagem e a matrícula portuguesa. No meio do volante, o suporte para o telemóvel que mostra o GPS e uma bolsa com uma foto dos filhos, um terço e um coração de papel com a frase: "Pai, gosto muito de ti".
Enquanto espera pelos outros viajantes, o português, natural de Póvoa de Lanhoso e residente em Pétange, recorda como surgiu a ideia. "Temos um grupo de pessoas que andam de motorizada. Então um dia juntámo-nos e eu disse que era porreiro ir do Luxemburgo até Portugal. Eles disseram que era só marcar o dia", conta. Os amigos são José Mota, que vinha a caminho de Beaufort, a nordeste do Luxemburgo, com o filho António, e Manuel Valentim, de Soleuvre, comuna de Sanem, que devido a um imprevisto só se vai juntar ao grupo amanhã.
Uma câmara de ação no capacete
Os companheiros de viagem já se conhecem há cerca de três anos, através dos grupos de motorizadas na internet. Planearam sair este sábado do Luxemburgo para chegar a Portugal na próxima quinta-feira, dia 6 de abril, se tudo correr bem. "Estamos a contar fazer a viagem em seis dias. Contamos a chegar à aldeia do José, em Celeirós, Sabrosa, na quinta-feira e dormimos lá", explica Diogo.
Neste primeiro dia, o objetivo é chegar a Orleães, em França, percorrendo cerca de 400 quilómetros. O tempo é que parece não querer ajudar na partida. "O que me preocupa mais é a chuva, porque o piso é mais escorregadio, não temos tanta aderência e a visibilidade é menor". Ainda assim, Diogo tem confiança de que irá correr tudo bem: "O nosso objetivo é chegar lá abaixo juntos. E que não haja acidentes. É a concretização de um sonho e do nosso desafio".
Durante a viagem, o português quer gravar alguns vídeos para o seu canal do YouTube e é por essa razão que leva uma câmara de ação no capacete. E, como não levam um carro de apoio, tiveram de tomar todas as precauções. "Como em França tem havido muitas greves, vamos levar um reservatório de gasolina. Cada um leva material de desgaste e ferramentas. Levo também um saco com a roupa interior para todos os dias e uma camisinha para a Páscoa", revelou, com uma gargalhada.
Um "bichinho" de família
Pelas 8h20, chegavam mais dois viajantes à bomba de gasolina. José Mota, de 42 anos, e o filho António, de 17, tinham saído de Beaufort às 7h e percorreram cerca de 60 quilómetros, durante pouco mais de uma hora, até Pétange. José, com um fato impermeável verde, conduzia uma Famel XF21 vermelha, de matrícula luxemburguesa, e António, de impermeável azul, seguia numa Famel Z3 preta, com matrícula portuguesa.
"Já estou aqui com um problema", reclama José, tirando as botas e mostrando as meias completamente encharcadas da chuva. Nada que não se resolva. O homem de Celeirós pega numa revista, mete-a no chão a fazer de tapete e começa a tirar as meias. Troca por umas novas e secas. Por cima, mete uns sacos, que prende às canelas com fita-cola. Agora sim, está pronto para a viagem. Mas, primeiro, fuma um cigarro e vai buscar um café.
O filho também vai bebendo o seu café, aquecendo o estômago antes da viagem fria. Tal como o pai, António tem uma paixão pelas motorizadas. O nome de família não engana. "A história do bichinho pelas motas começou há dois anos, quando fizemos a Nacional 2 em Portugal. A partir daí, fiquei com o vício", recorda. No verão do ano passado, foram até à pista em Nuremberga, na Alemanha. Foi lá que decidiram planear esta viagem até Portugal. "Quisemos fazer uma coisa diferente, sem carro de apoio, mesmo à aventureiros".
António começou a andar de mota quando o pai comprou uma Famel KS 50 e a trouxe para o Luxemburgo. "Às vezes dava umas voltinhas. Aprendi a meter as mudanças e a conduzir. Foi aí que começou a surgir o vício". Depois comprou a sua própria mota, uma Derbi 50, e agora até tem duas, que está a construir. Tudo motorizadas 50cc. "Uma vez compramos uma 125 e não nos agradou. Uma 50 aguenta-se muito melhor. É o barulho, o cheiro e a força. Há quem diga que as 50 não andam nada, mas numa subida sobem muito melhor do que uma 125", garante.
O jovem, que nasceu no Luxemburgo, está a tirar o diploma em carroçaria e bate-chapas. Durante três anos, vai à escola e ao mesmo tempo trabalha na sua área. Esta será a sua primeira grande viagem, depois de ter percorrido a N2, mas não está assustado. "Não se pode ter medo. É cabeça livre e sempre a andar, a ouvir o barulho das motas. Quem der o berro, deu o berro". Na mota leva uma reserva de óleo, ferramentas e "alguma roupinha". Mais um ursinho de peluche com um coração, que a namorada lhe deu.
Quando já estão quase prontos para partir, às 9h, José lembra-se: "Ainda tenho de meter a gasosa". Aproveita e muda também o óleo, patrocinado pelo salão da amiga Ana Nails. Enquanto vai preparando a motorizada, relembra como surgiu a iniciativa. "Foi uma toleima dos quatro. Já tinha esta ideia há muitos anos. Fizemos a Nacional 2, de Chaves a Faro, em 2021. Depois fomos a Nuremberga e de resto foram só voltas pequenas". Apesar dos pés molhados e frios, não está nervoso. "Nada de stress. Sou aventureiro. Até onde for, é até onde a gente vai. Se avariar, avariou".
O grupo está pronto para se fazer à estrada. São 400 quilómetros até Orleães, mas vão fazer uma pausa a cada 60km, a cada hora de viagem. Se tudo corre bem, devem demora cerca de 7 horas e chegar por volta das 19h. Depois, é tudo de improviso. "Não temos nada marcado. Não sabemos onde vamos comer nem onde vamos dormir. Gosto de conhecer e estar com as pessoas. São coisas que ficam para sempre", afirma José, que já está no Luxemburgo há 23 anos.
Se o tempo ajudar, os aventureiros devem chegar a Portugal na quinta-feira. O amigo Manuel junta-se a eles amanhã, em Orleães. E outro amigo de Paris também se vai encontrar com o grupo ainda este sábado. Ali na bomba de gasolina, é tempo das despedidas. Diogo, José e António ligam os motores e colocam o capacete. Posam para a fotografia antes de arrancar. Voltarão ao Grão-Ducado depois da Páscoa, de avião, enquanto as motas vêm juntas num transporte. Agora, começa a aventura. E dizem eles que já têm outras planeadas.