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Vive num apartamento sem registo de morada? Saiba o que diz a lei

Sem a regularização da situação de trabalho, é quase impossível encontrar casa no Luxemburgo. E sem uma residência permanente, é quase impossível encontrar trabalho. A solução para estas pessoas é viverem em alojamentos ilegais. A fiscalização está nas mãos dos burgomestres.

Uma pensão ilegal em Schifflange foi encerrada em julho do ano passado.

Uma pensão ilegal em Schifflange foi encerrada em julho do ano passado. © Créditos: Gerry Huberty

Jornalista

Já não é surpresa para ninguém. O facto de muitas pessoas que chegam ao Luxemburgo à procura de trabalho e de uma nova vida se confrontarem com o ciclo vicioso da habitação. Sem a regularização da situação de trabalho, é quase impossível encontrar alojamento; sem uma residência permanente, é quase impossível encontrar trabalho. A solução: encontrar um sítio temporário, normalmente um quarto ou um estúdio, por vezes com valores bem acima da média e, na maior parte dos casos, sem a possibilidade de registar a morada na respetiva comuna, por se tratarem de alojamentos ilegais.

Se para alguns isto pode ser uma escolha de conveniência, para organizar a sua vida até mudarem de casa, com melhores condições e em situação legal, para outros pode significar uma dor de cabeça na organização do seu dia a dia.

Por exemplo, casais com filhos que vivem num apartamento numa certa comuna, mas têm morada fictícia noutro município, são obrigados a inscrever as crianças numa escola da comuna em que estão oficialmente resgistados. Ou seja, há casos em que a família vive numa cidade, os filhos estudam noutra e, ainda pior, os pais trabalham numa terceira e quarta comuna. São horas de viagens de carro ou transportes públicos, a acordar bem cedo dia após dia.

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Além disso, o facto de uma pessoa estar registada numa comuna que não é aquela em que realmente reside, pode causar-lhe igualmente problemas na questão da correspondência. Cartas, sejam pessoais ou profissionais, que deveriam chegar à sua casa, vão antes para a morada fictícia que está noutra cidade.O desvio destas cartas para a verdadeira morada pode custar até 25 euros.

Como se isso não bastasse, há também vários casos de pessoas que aceitam pagar para ter uma morada fictícia. E proprietários que se aproveitam disso para fazer um negócio à parte. Assim como existem agências que compactuam com este jogo de favores.

Até aqui, nada de novo. Estas situações arrastam-se há anos no Grão-Ducado. Mas o que é que diz a lei luxemburguesa sobre estes alojamentos ilegais?

Em 20 de dezembro de 2019 foi implementada uma lei sobre os critérios de saúde, higiene, segurança e habitabilidade para habitações e quartos arrendados ou postos à disposição para habitação. O documento define o cumprimento mínimo desses critérios para que os alojamentos sejam considerados aptos para fins residenciais.

Assim, as habitações e quartos arrendados devem respeitar:

  • Critérios de saúde e higiene, incluindo requisitos relativos à superfície, humidade, ventilação, a nocividade das paredes e do ar e a saúde geral dos moradores;

  • Critérios de segurança, incluindo requisitos de acesso, estabilidade, eletricidade, aquecimento, gás e prevenção de incêndios de uma habitação ou divisão;

  • Critérios de habitabilidade, incluindo requisitos relacionados com a altura dos quartos de uma habitação ou divisão e com as instalações básicas que devem ter.

O documento define, por exemplo, que a superfície de um quarto não pode ser inferior a nove metros quadrados por ocupante.

Burgomestre pode inspecionar habitações

A lei prevê ainda que qualquer proprietário ou agente imobiliário que arrende ou disponibilize um ou mais quartos é obrigado a declará-los previamente ao burgomestre da comuna, indicando o número máximo de pessoas que aí podem ser alojadas e anexando uma planta das instalações.

A inspeção destes imóveis cabe, de acordo com a lei, aos autarcas. "Sem prejuízo dos poderes e competências dos inspetores médicos e da Polícia Grã-Ducal, o burgomestre é competente para inspecionar o referido alojamento e os quartos para verificar o cumprimento dos critérios estabelecidos", pode ler-se no artigo 4° do documento.

Nos casos em que o burgomestre não tem acesso a determinada habitação ou quarto - e se a existência de "condições sanitárias defeituosas ou violações das condições legais de segurança" puder ser confirmada com base em "provas sérias" - a inspeção está condicionada ao acordo explícito do presidente do tribunal distrital.

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A lei acrescenta ainda que o autarca tem o direito de solicitar diretamente a assistência da polícia e de agentes da Direção da Saúde para a executar a fiscalização. Nesses casos, o burgomestre deve informar o agente, o proprietário ou a pessoa que o substitui. O responsável pelo alojamento tem o direito de estar presente durante a visita.

O documento estipula que uma inspeção deve ter lugar entre as 8 e as 18 horas. Além disso, o agente ou proprietário do alojamento deve ser informado pelo menos um dia antes. Este, por sua vez, "deve informar sem demora o ocupante em causa".

Durante o controlo, é feito um relatório, mencionando os nomes das pessoas que entraram nas instalações em questão, os motivos, o local e a data da inspeção. Uma cópia deve ser entregue ao agente ou proprietário.

Proprietário pode ter prazo para regularizar situação

Após a inspeção, o burgomestre pode, por decreto, ordenar ao proprietário ou à pessoa, singular ou coletiva, responsável pelo incumprimento dos requisitos, que cumpra os critérios definidos na lei num prazo que ele próprio determinará. Em último caso, o autarca pode mesmo ordenar o encerramento do edifício ou da habitação em causa.

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No caso de uma decisão de encerramento, cabe ao agente ou ao proprietário providenciar o realojamento dos moradores. Na sua falta, o burgomestre "providenciará para o efeito em nome e a expensas" do responsável da habitação. A lei acrescenta que os custos associados ao realojamento incluem os custos de remoção, os honorários do oficial de justiça e quaisquer custos de arrendamento resultantes.

O realojamento dos moradores afetados pelo encerramento da habitação deverá ser suportado pelo proprietário ou agente durante um período máximo de três meses.

Multa e pena de prisão para os infratores

As violações das regras fixadas pela lei são puníveis com uma multa de 251 a 125 mil euros, com uma pena de prisão de oito dias a cinco anos ou com ambas as penas.

Estas situações de alojamento ilegal têm vindo a ser denunciadas. Em julho do ano passado, um edifício na comuna de Schifflange, em que viviam seis agregados familiares, com um total de 13 pessoas, em condições ilegais e altamente exploratórias, foi encerrado pelo município porque não cumpria nenhum dos requisitos para que fosse considerado apto para fins residenciais.

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Os inquilinos, que estavam registados noutras comunas, foram então realojados temporariamente durante um máximo de três meses até que encontrassem uma nova habitação. A Comuna disse aos moradores que não tinham de se preocupar com caução nem taxas de agência e só teriam de pagar a renda da nova casa.

Esta semana, o Contacto contou o caso de Indira Mota, uma jovem luso-cabo-verdiana de 28 anos que receia que o edifício onde habita, em Junglinster, também seja encerrado até ao verão, pelo mesmo motivo.

Aquele edifício tem, segundo Indira, 19 estúdios a arrendar. São mobiliados e, em alguns casos, servem de apartamentos para casais ou mesmo famílias com crianças. A portuguesa estima que ali vivam mais de 30 pessoas.

O edifício não cumpre todos os requisitos necessários para que seja considerado apto para fins residenciais, de acordo com a lei. Por esse motivo, nenhum dos moradores pode estar registado na Comuna de Junglinster. O município já está a par da situação, assim como a assistência social. A proprietária foi notificada para que o imóvel reúna as condições legais, caso contrário a Comuna terá de intervir e o edifício pode ser encerrado até ao verão.