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Regresso às aulas em Esch-sur-Alzette

Um dia de “nervos” para as crianças portuguesas da maior escola primária do país

O regresso às aulas no Luxemburgo arrancou esta segunda-feira, com centenas de escolas primárias a reabrirem as portas a 46.870 alunos. Na terça, foi a vez dos alunos do sétimo ano do liceu, com os restantes alunos do secundário (41.063) a regressarem às aulas esta quarta-feira. O CONTACTO acompanhou o primeiro dia de aulas dos alunos portugueses na maior escola primária do país, em Esch-sur-Alzette. Um dia de “nervos” e ansiedade para a maioria das crianças.

Esta segunda-feira, 46.870 alunos do ensino fundamental regressaram às aulas. A escola do Brill, em Esch, tem 800 alunos, e a maio ria são portugueses

Esta segunda-feira, 46.870 alunos do ensino fundamental regressaram às aulas. A escola do Brill, em Esch, tem 800 alunos, e a maio ria são portugueses © Créditos: Marc Wilwert

O regresso às aulas no Luxemburgo arrancou esta segunda-feira, com centenas de escolas primárias a reabrirem as portas a 46.870 alunos. Na terça, foi a vez dos alunos do sétimo ano do liceu, com os restantes alunos do secundário (41.063) a regressarem às aulas esta quarta-feira. O CONTACTO acompanhou o primeiro dia de aulas dos alunos portugueses na maior escola primária do país, em Esch-sur-Alzette. Um dia de “nervos” e ansiedade para a maioria das crianças.

“Não quero, não quero. Eu fico aqui!”, chora desalmadamente um menino português, enquanto a mãe tenta arrastá-lo escada acima em direcção à sala de aula. Foi asim que começou o primeiro dia de aulas do menino, esta segunda-feira, na maior escola primária do Luxemburgo, a escola do Brill, em Esch-sur-Alzette.

A escola fundamental do Brill, maioritariamente frequentada por portugueses, tem cinco edifícios, um complexo desportivo e uma piscina para cerca de 800 alunos.

“Entre os nossos alunos, 94% são estrangeiros e desses, 80% são portugueses. De resto são jugoslavos, cabo-verdianos, italianos e alguns chineses”, diz ao CONTACTO o director da escola do Brill, Marc Pierrard.

Esta é a maior escola primária do Luxemburgo. “Temos cerca de 800 alunos do precoce ao sexto ano. São muitos alunos, porque há muita gente que procura esta escola. Há uma grande comunidade portuguesa em Esch e normalmente aqui é o primeiro sítio onde chegam. Depois alguns partem para outras cidades, daí o movimento que temos aqui”, explica o director.

Fátima Marques está há 15 anos no Luxemburgo. Tem duas meninas na escola, uma no primeiro ano e outra no segundo. Diz que as filhas estavam ansiosas na noite anterior ao regresso às aulas.

Maria Santos, Fátima Marques, Vera Moreira e uma amiga e a filha mais velha levaram as crianças à escola do Brill

Maria Santos, Fátima Marques, Vera Moreira e uma amiga e a filha mais velha levaram as crianças à escola do Brill © Créditos: Tania Bettega

Este ano, segundo os números do Ministério da Educação, há menos alunos inscritos nas escolas públicas e mais nas privadas (ver artigo ao lado), mas na escola do Brill não há alterações.

“Temos mais ou menos os mesmos alunos. Os pais, na sua maioria, não têm condições para pagar uma escola privada e para nós não houve grandes mudanças em relação aos números anunciados pelo Ministério da Educação”, diz o director da escola.

Tal como a maioria dos portugueses, Maria Santos tem a filha numa escola pública, a do Brill. No ano passado frequentava o pré-escolar naquela escola e este ano vai para a primeira classe. Faz parte dos 80% de alunos portugueses do estabelecimento e dos 46.870 alunos do ensino fundamental luxemburguês, e também não dormiu bem na véspera do primeiro dia de aulas.

“Nos últimos dias estava ansiosa e queria vir à escola. Já ontem estava um bocado menos, mas agora está mais bem-disposta. A ansiedade era porque ia ter uma professora nova. Mas hoje já a conheceu e como a professora fala português, a minha filha ficou mais tranquila. Viu também alguns colegas do ano anterior e está contente”, explica Maria Santos, orgulhosa pela facilidade com que a filha se adaptou ao Luxemburgo.

“Estamos no Luxemburgo há seis anos. Ela nasceu em Portugal e veio para cá quando tinha um ano. Está bem integrada na escola e fala luxemburguês”, acrescenta.

ESCOLA VAI TER DUAS TURMAS DE ACOLHIMENTO

Todos os anos há crianças estrangeiras que chegam à escola do Brill e que precisam de acompanhamento especial. Léa Schirtz é professora de uma das duas turmas de acolhimento e na segunda-feira andava de sala em sala, juntamente com outro professor, para identificar os casos especiais.

“Cada ano temos sempre alunos portugueses, mas também de Cabo Verde e de outros países. Normalmente temos uma dúzia de alunos por classe, mas o ideal é oito. Mas para lá chegar vamos de sala em sala ver as crianças que acabaram de chegar. Depois fazemos um teste da língua materna e também testes em diferentes línguas. Avaliamos ainda a matemática para ver o nível das crianças. Depois disso podemos então reagrupar as crianças segundo o nível de conhecimento e a idade, por forma a facilitar o trabalho”, explica Léa Schirtz.

Marc Pierrard, à direita, é o director da escola primária do Brill. Léa Schirtz e o colega ao centro são os dois professores das turmas de acolhimento

Marc Pierrard, à direita, é o director da escola primária do Brill. Léa Schirtz e o colega ao centro são os dois professores das turmas de acolhimento © Créditos: Tania Bettega

“Quanto à língua, se a criança que acaba de chegar for para o segundo ano, começamos com o alemão, porque até ao segundo ano a língua é o alemão. Mas no terceiro ano, e pensando na fase posterior do liceu, começamos com o francês. Se a criança conseguir seguir as aulas em francês, podemos introduzir depois o alemão. Já para o luxemburguês, que é preciso também aprender um pouco, as aulas são uma ou duas vezes por semana, dependendo do grupo”, conclui Léa Schirtz.

MAUS RESULTADOS E FALTA DE SEGURANÇA

A escola primária do Brill existe há 103 anos. Apesar das recentes obras de requalificação levadas a cabo pela autarquia de Esch, há problemas estruturais que continuam por resolver. Falta de segurança, maus resultados escolares e portões abertos depois das aulas são algumas das queixas.

“A escola do Brill é boa por um lado, mas por outro não. A minha filha mais velha, que tem agora 24 anos, também andou aqui. No tempo dela, mas também em anos mais recentes, havia mais segurança do que agora. À hora da saída nem todos os pais podem estar aqui no portão e não há polícia. Estamos sempre com medo que as crianças saiam e não haja ninguém, porque os professores não as vêm trazer ao portão. São crianças ainda pequenas e se não estiver cá ninguém, quando saem pela rua fora a gente não sabe se alguém as pode apanhar. Portanto, é preciso ter sempre aqui alguém, porque isto ultimamente está um perigo”, queixa-se Fátima Marques, mãe de duas alunas.

Confrontado com esta questão, o director Marc Pierrard promete uma resposta conjunta, envolvendo a autarquia de Esch e o Ministério da Educação.

“Há três anos começámos um projecto de desenvolvimento escolar que vai até 2020, juntamente a autarquia de Esch e o Ministério da Educação. Temos especialistas do estrangeiro, porque não os temos no Luxemburgo, que vêm à escola ver tudo, que acompanham a política da comuna, o bairro e também os pais para ver onde está o problema e encontrar os meios para contrariá-los. Todos os trimestres temos cá representantes da autarquia, do Ministério e inspectores que fiscalizam a qualidade escolar. Temos de trabalhar juntos para encontrarmos uma solução para mudar esta ideia de uma escola abandonada”, explica Marc Pierrard, apontando os maus resultados escolares como outro grande desafio a ultrapassar.

“A nossa escola está numa situação especial. Ela é a maior do país e além disso não há muita mistura com luxemburgueses, porque a maioria dos alunos é estrangeira. Com isso não tem sido fácil obter grandes resultados escolares com este programa luxemburguês baseado no domínio das três línguas. Isto é muito duro para uma população emigrante, em que os pais nem sempre podem ajudar os filhos com os trabalhos de casa, e em que não existe aquele automatismo de ver os canais de televisão em alemão, que creio ser importante e uma ajuda para as crianças. Sem isso é mais difícil”, lamenta o responsável da escola.

“Muitos dos nossos alunos falam em casa uma mistura de línguas e não têm verdadeiramente uma base do português para a partir daí poder aprender outra língua. Isto é um problema difícil e já conhecido, e foi por isso que decidimos avançar com o projecto de desenvolvimento escolar. Estou confiante sobre o futuro, depois deste acordo com a comuna e o ministério”, acrescenta Marc Pierrard.

Quanto à abertura dos portões depois das aulas e o uso do pátio da escola por outras pessoas, o director diz que não há alternativa.

“Durante as aulas, a escola está sempre fechada. Depois disso, há jovens que vêm para aqui jogar a bola ou que fazem disto um lugar de encontro. Alguns até trazem cães, o que pode ser perigoso. Mas muitas destas pessoas, que são aqui do bairro, não têm alternativa. A culpa é destes jovens? A comuna deveria encontrar alternativas? Há que pensar nisso”, conclui o director da escola primário do Brill, que vai contar, já em Outubro, com um centro de recursos informáticos e pedagógicos, uma sala com computadores e uma biblioteca onde os professores podem encontrar material de apoio para levar a cabo os seus projectos.

Henrique de Burgo