Tocava piano na igreja em Cabo-Verde e foi assassinado em Bragança
Luis Giovani dos Santos Rodrigues tinha 21 anos e chegara a Portugal há menos de dois meses para estudar. Natural de Mosteiros, na ilha do Fogo, em Cabo-Verde, tocava piano na Igreja desde criança, juntamente com dois amigos com quem havia formado uma banda de música tradicional cabo-verdiana. Foi espancado e morto nas ruas de bragança. A polícia identificou dois suspeitos.
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Era o primeiro dia de janeiro mas nem todas as pessoas do mundo celebravam com o mesmo entusiasmo a chegada de 2020. Em Portugal, na cidade do Porto, com vista para a ponte D. Luis, na zona da Sé, uma família de cabo-verdianos reencontra-se pela primeira vez em mais de doze anos, consequência de uma tragédia. Luis Giovani Rodrigues, jovem cabo-verdiano de 21 anos, acabou por perder a vida na madrugada do dia 31, depois de um internamento de dez dias, consequência de um espancamento em grupo, nas ruas de Bragança.
“Ele conseguiu unir os primos todos aqui. E eu nem cheguei a vê-lo”, conta Reinaldo Rodrigues ao Contacto, que abriu as portas de sua casa aos nove primos e aos amigos que iam chegando, sem motivos para festejar. Giovani, que havia sido transferido para o Hospital de Santo António há dez dias, quando a sua condição se agravou, não resistiu aos ferimentos.
Reinaldo ficou como contacto oficial para informações sobre o estado de saúde de Giovani enquanto esteve estava internado no hospital, no Porto, tendo sido o ponto de comunicação com os outros rapazes que também foram alvo de agressões, bem como todos os amigos e familiares. “Tem sido uma loucura, o telefone não pára”, desabafa no intervalo que faz para ir ferver água para fazer chá.
Luis Giovani dos Santos Rodrigues tinha 21 anos e chegara a Portugal há menos de dois meses para estudar. Natural de Mosteiros, na ilha do Fogo, em Cabo-Verde, tocava piano na Igreja desde criança, juntamente com dois amigos com quem havia formado uma banda de música tradicional cabo-verdiana. “Eles até estavam a ter sucesso por lá, tocavam Mornas, Coladeiras e Mazurka em festivais”, conta o primo com voz calma e um sorriso. Foi juntamente com os dois amigos de infância, Elton e Jailson, que Giovani - nome pelo qual a família o trata- se aventurou na travessia do Atlântico para estudar em Portugal. Frequentava o curso de Design de Jogos Digitais no Instituto Politécnico de Bragança, no campus de Mirandela, e morava há cerca de um mês e meio na cidade bragantina.
“Ele veio para cá e estava num fervor para conhecer, descobrir. No dia 20 de dezembro havia uma festa no bar Lagoa Azul, em Bragança e eles quiseram muito ir”. Os três jovens recém-chegados conseguiram convencer um amigo mais velho, que vivia em Portugal há mais tempo, para se juntar à saída.
Os quatro jovens da ilha do Fogo estavam, segundo Reinaldo, a ter uma noite tranquila até que chegou à hora de ir embora. “Estavam na fila, à saída, para poder pagar. O Giovani estava a conversar com o amigo mais velho, no movimento de dar um passo para a frente, um passo para trás, um deles esbarrou numa menina.” Terá sido nesse momento que o “suposto namorado” rapariga lhes terá dado um empurrão.
No calor da agitação, terá sido o DJ local juntamente com o segurança a acalmarem os intervenientes, tendo avisado os jovens cabo-verdianos que conheciam o tipo de situação e as pessoas em causa e que “era melhor não alimentar aquilo porque podia dar-lhes problemas”, conta. A conversa terá surtido efeito porque, segundo Reinaldo, “na sequência disso, as pessoas sairam e eles os quatro foram aconselhados a esperar dentro do estabelecimento alguns minutos depois de fecharem, para ser evitada mais confusão à porta”.
Os quatro amigos cabo-verdianos terão esperado cerca de 20 minutos dentro do bar Lagoa Azul, já depois do estabelecimento fechar. “Foi esse o tempo que os agressores tiveram para ir reunir o grupo e as armas. Quando eles sairam da discoteca, uns 300 metros à frente estavam cerca de 15 rapazes em três grupos armados com cintos, ferros e paus”.
“Assim que viraram a esquina para ir para casa, eles caíram todos em cima do amigo mais velho, que está com o corpo cheio de hematomas. O Giovani foi lá pedir para pararem e antes de acabar a frase levou com uma paulada na cabeça”.
Apesar de não haver sangue exterior, “o barulho deve tê-los assustado, porque pararam e os quatro que levaram aproveitaram para fugir”. É de chá quente na mão, já na sala de estar, agora mais vazia que se revive esta história. Ainda estão dois familiares na sala. O pai de Giovani saiu, irá a Bragança tratar das burocracias necessárias para poder levar o filho de volta para Cabo Verde. Elton tem o telemóvel desligado, não é possível contacta-lo.
“Enquanto fugiam, dois dos amigos aperceberam-se que não tinham a carteira e o telemóvel e quiseram voltar para trás. Foi nesse instante que o Elton chamou pelo Giovani mas ele simplesmente seguiu em frente.” Segundo a queixa apresentada mais tarde à Polícia, já no hospital, Elton disse não saber para onde Giovani teria fugido, seria só mais tarde quando os amigos recuperaram as coisas, que o encontraram já inconsciente e com a polícia. “Já não devia estar nele. Seguiu mais uns 500 metros e quase a chegar a casa, já na Avenida principal caiu”, descreve o possível cenário.
O auto da queixa apresentada pela família indica que eram 4:19 quando Giovani deu entrada no hospital, transportado por um veículo do INEM. O Jovem terá sido encontrado inconsciente, com um hematoma na cabeça, dando indícios de um possível traumatismo cranioencefálico. “Num período de quatro horas, depois de alguns exames, ele já estava aqui no Porto, no Hospital de Santo António”.
Os incidentes passaram-se na madrugada de sábado, dia 21 de dezembro para 22, dia em que Reinaldo seria comunicado do incidente, quando os amigos tentaram visitar Giovani e não conseguiram, por não serem família. “A minha mãe telefonou-me, eu liguei logo para o hospital e a embaixada já tinha dado o meu nome como o familiar mais próximo dele. Foi aí que me disseram que a partir daquele momento só comunicavam comigo, porque a situação dele era grave”. Foi já no dia de Natal que o pai de Giovani conseguiu viajar de Cabo Verde para Portugal. A mãe, emigrada nos Estados Unidos e impossibilitada de viajar, não teve a mesma possibilidade.
À família terá sido informado que “encontraram dois suspeitos”, porém ao Contacto, a Policia Judiciária afirmou que apesar de “estarem a ser feitas diligências de investigação no âmbito desta situação, não havia mais informações a reportar”.
Eram cerca das três da manhã do dia 31 de dezembro quando o coração de Giovani parou de bater. A família terá sido informada por volta das nove da manhã do mesmo dia.
Ana B. Carvalho