Quem tem medo do Lobo Mau?
Somos, desde a infância, treinados para perseguir estes bichos. Em histórias como ‘O Capuchinho Vermelho’ ou ‘Os Três Porquinhos’ perpetua-se para as gerações seguintes este mito do Lobo Mau.
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Agora já não há volta a dar-lhe. Após mais de um século extintos, os lobos parecem estar mesmo de regresso ao Luxemburgo. A semana passada, saiu a notícia da mais que provável formação de uma nova alcateira junto à fronteira com o Grão-Ducado, do lado belga. Um lobo solitário instalou-se efetivamente aqui e agora há evidências da colonização da mesma região por uma fêmea jovem. As probabilidades de que criem uma ninhada na próxima primavera são bastante elevadas.
Os lobos são dos mais fantásticos animais que existem à face do planeta, mas também são dos mais odiados. Somos, desde a infância, treinados para perseguir estes bichos. Em histórias como ‘O Capuchinho Vermelho’ ou ‘Os Três Porquinhos’ perpetua-se para as gerações seguintes este mito do Lobo Mau. Em lugares como Trás os Montes, sobrevive ainda um folclore sobre lobisomens e fadas dos lobos nas vozes dos mais antigos. Há, nas montanhas do Gerês, armadilhas medievais que ocupam quilómetros de serra e que durante séculos juntaram aldeias inteiras na perseguição aos demónios de quatro patas. E, ainda hoje, são comuns os relatos dos caçadores que encontram um lobo no monte e decidem atirar-lhe chumbo – mesmo que a espécie seja protegida e a multa por um ataque seja elevada.
A presença do lobo é sinal de um ecossistema equilibrado e saudável. E é por isso que o seu regresso não pode ser encarado senão como uma boa notícia.
É uma injustiça histórica, aquela que o lobo sofre. A sua perseguição levou o animal quase à extinção e obrigou as autoridades de gestão da natureza a introduzirem programas de conservação um pouco por toda a Europa. O desaparecimento desta espécie criou aliás desequilíbrios que quem vive no campo compreende bem. A praga de vários animais nos terrenos agrícolas – nomeadamente de javali – deve-se em grande parte à escassez do seu predador natural. A reintrodução de alcateias no parque norte-americano de Yellowstone revelou-se de tal forma importante que os próprios rios mudaram de curso. A presença do lobo é então sinal de um ecossistema equilibrado e saudável. E é por isso que o seu regresso não pode ser encarado senão como uma boa notícia.
Mas é preciso preparar terreno (e mentalidades) para a sua chegada. Também na semana passada, a edição europeia do Politico dava conta de que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tinha pedido uma reavaliação do estatuto de proteção dos lobos em todo o continente, justificando que os ataques dos animais ao gado se estavam a tornar mais frequentes em algumas regiões. Estes pedidos aconteceram em novembro, um par de meses depois de um lobo ter matado um pónei que a família de von der Leyen possuía na Baixa Saxónia.
O predador que matou aquele pónei recebeu entretanto sentença de morte, decretada pelas autoridades da região. Foi ordenada a morte de um lobo por ser lobo, em suma. Em vez de construir vedações eletrificadas para proteger as manadas e os rebanhos, ou de fomentar a criação de cães de guarda possantes capazes de defender o gado dos ataques, repetem-se as medidas de ódio a um dos mais importantes animais do nosso ecossistema. Perseguir os lobos diz mais sobre nós, e sobre a nossa humanidade, do que sobre a maldade que lhe imputamos há milénios.