Contacto
Investigação

'Químicos eternos'. Luxemburgo tem 20 locais provavelmente contaminados

Os 'químicos eternos' não desaparecem no ambiente, são químicos quase impossíveis de eliminar e provocam várias doenças, incluindo cancro. O "Projeto Poluição Eterna" chegou a conclusões alarmantes: mais de 17 mil locais estão contaminados por PFAs e outros 22 mil estarão presumivelmente contaminados.

© Créditos: Chris Karaba/Luxemburger Wort

Jornalista

Mais de 17 mil locais em toda a Europa estão contaminados por 'químicos eternos', ou PFAs, segundo uma investigação levada a cabo por 18 jornais europeusde diversos países, cujos resultados foram esta quinta-feira publicados.

A investigação "Projeto Poluição Eterna" revela uns adicionais 22 mil presumíveis lugares contaminados devido à atividade industrial passada ou atual. Mas este número de sítios onde se encontra o também chamado "veneno do século" pode ser a ponta do icebergue. As substâncias perfluoroalquiladas, ou PFAs, encontram-se em vários produtos industriais que usamos no dia-a-dia, desde os revestimentos de tachos anti-aderentes, como os da marca registada Teflon, a coberturas e tecidos impermeáveis ou anti-fogo, ou espumas contra incêndios e a certos plásticos, como os fluoropolímeros.

Ler mais:"Só em casa estaremos expostos a entre 20 a 70 mil compostos químicos"

São considerados eternos por não se degradarem no meio ambiente. E são também extremamente voláteis e ubíquos: estão em todo o lado, encontram-se no ar, nos líquidos, no que comemos, em zonas supostamente remotas, nos animais selvagens e no nosso corpo.

Em investigações recentes provou-se que, em concentrações elevadas, provocam vários tipos de cancro, infertilidade, e dezenas de outras condições e doenças.

Segundo uma estimativa do Conselho de Ministros Nórdicos (que envolve zonas e países como as Ilhas Faroé, a Noruega, Suécia, Dinamarca e Gronelândia), os PFAs adicionam todos os anos um fardo de entre 52 e 84 mil milhões de euros aos sistemas de saúde europeus.

Luxemburgo com 20 sítios provavelmente contaminados

No Luxemburgo estão identificadas quatro zonas com contaminação já reconhecida, e em todas elas com níveis elevados. Na fronteira com a Alemanha, em Minden, na barragem de Steinheim (2,5 nanogramas por litro); em Ralingen (86 nanogranas por litro); em Mersch, numa instalação de tratamento de águas (21 nanogramas por litro). E em Bettendorf, numa zona aquática (17 nanogramas de PFAs por litro). Em todos estes sítios é ultrapassado o valor considerado elevado de 1.000 nanogramas por litro.

Ler mais:Quase 90 substâncias químicas encontradas no cabelo de crianças

Ao jornal inglês The Guardian (que fez parte do consórcio de jornalistas), Ian Cousins, um cientista do ambiente da Universidade de Estocolmo, explicou que todos os locais com leituras acimas dos 1.000 nanogramas por litro deveriam ser "urgentemente avaliados" para serem tratados.

De acordo com as informações reunidas pelos jornalistas, há também no Grão-Ducado 20 lugares que se presumem estar contaminados. Entre eles encontram-se a área do aeroporto do Findel, os perímetros fabris da ArcelorMittal, em Bissen e em Dudelange, e a zona de tratamento de águas em Hesperange.

Portugal tem dez lugares com contaminação que já era conhecida, dos quais quatro estão abaixo do Tejo. Mas zonas provavelmente contaminadas são mais de 100. São várias as estações de tratamento de águas residuais, os aeroportos e as bases aéreas, fábricas de alumínio, e muitas fábricas de papel, bem como a zona fabril de Sines.

Um mapa para descobrir onde estão os 'químicos eternos'

A investigação agora publicada inclui um mapa dos sítios contaminados, disponível no site do jornal LeMonde, e vários tipos de abordagens feitas pelos jornais e sites de 18 países, desde o The Guardian, no Reino Unido, ao site do Reporters United, na Grécia, ou o Suddeutsche Zeitung, na Alemanha.

O mapa online do "Projeto Poluição Eterna" foi criado a partir de 100 bases de dados recolhidas pelos jornalistas e dezenas de pedidos de informação a entidades públicas e privadas. O primeiro mapa de 'químicos eternos' na Europa mostra que há muito mais contaminação do que era publicamente conhecido.

Segundo os dados recolhidos, há 20 fábricas e mais de 2.300 lugares com níveis altíssimos de contaminação, que podem causar sérios danos à saúde das populações. Segundo a página da Investigative Journalism EU – responsável pela coordenação e financiamento do projeto –, o problema destes químicos eternos é que apresentam custos tão elevados de limpeza, na ordem das dezenas de milhões de euros, que as autoridades desistem e deixam-nos onde estão.

Teoricamente é impossível limpá-los a partir do momento em que entram no meio ambiente, estando em muitos países europeus em aquíferos subterrâneos.

O lóbi da indústria para que os PFAs não acabem

As emissões de PFAs ainda não estão regulamentadas no espaço da UE, embora alguns Estados-membros o tenham feito. Segundo a página do Investigative Journalism EU, todos os peritos em 'químicos eternos' que foram entrevistados foram perentórios em admitir que os limites que a UE definiu como seguros para serem implementados a partir de 2026 "são demasiado altos para proteger a saúde humana".

Há duas semanas, a Agência Europeia de Químicos (ECHA, na sigla em inglês) publicou uma proposta para banir todos os PFAs. Mas a investigação do "Projeto Poluição Eterna" também descobriu a existência de um poderoso lóbi que está a agir para defender os interesses da indústria e eliminar iniciativas que pretendam limitar a produção e proliferação destes químicos em território europeu.

Segundo os jornalistas, as dezenas de pedidos oficiais de informação dirigidos a entidades oficiais em Bruxelas e aos governos dos vários países permitiram concluir que mais de 100 associações industriais – desde firmas de advogados, consultoras e empresas como a 3M e a Solvay – têm estado a trabalhar junto da Comissão Europeia e nas capitais dos Estados-membros para desacreditar e diluir a proposta da ECHA. O trabalho dos repórteres agora disponível na imprensa europeia durou vários meses e levou à análise de 1.200 documentos confidenciais.

Ler mais:Impacto da poluição na saúde é três vezes maior que SIDA, tuberculose e malária juntas

Bélgica é a campeã dos PFAs

Na reportagem publicada pelos jornalistas do Reino Unido no The Guardian, refere-se que é na Bélgica, na província flamenga, perto de Antuérpia, que se registam os mais altos níveis de concentração de toda a Europa. Junto à fábrica da 3M em Zwijndrecht foram encontrados valores de 73 mil nanogramas por litro de PFAs, em aquíferos subterrâneos.

Os residentes na área foram aconselhados a não comer os ovos das galinhas de criação própria nem os vegetais que cultivam nos seus quintais e hortas. E foram feitos testes de sangue a 70 mil pessoas. Segundo o jornal inglês, a 3M comprometeu-se a investir 571 mil euros na descontaminação e prometeu trabalhar para cancelar o uso de PFAs em toda a sua produção até ao fim de 2025.

Mas também é esta 3M que aparece a fazer lobbying para que a UE não proíba para sempre e totalmente os 'químicos eternos', nos documentos classificados a que os jornalistas tiveram acesso.

"A poluição por PFAs é semelhante à do plástico, uma vez que não são degradáveis, com a diferença de os 'químicos eternos' serem invisíveis", disse Ian Cousins. "Estamos continuamente a libertá-los, e a sua presença no ambiente continua a aumentar e é uma questão de tempo para que os níveis no ambiente e nos nossos corpos atinja um limiar em que terá um efeito na saúde humana", advertiu.

A JournalismFundEU é uma organização não governamental que apoia e financia projetos de investigação transfronteiriços, como a grande investigação sobre o declínio da população de insetos Pequena História de um Desastre Global do Grande Repórter do Contacto Ricardo J. Rodrigues.