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Relatório

Pobreza afeta cada vez mais habitantes no Luxemburgo

Embora o Luxemburgo não tenha razões para se envergonhar quanto ao seu desempenho económico, há ainda trabalho a fazer nos domínios da igualdade e da luta contra a pobreza, segundo o último estudo "Panorama Social" da Câmara dos Assalariados.

As mercearias sociais foram utilizadas por um número recorde de beneficiários desde a sua criação em 2009.

As mercearias sociais foram utilizadas por um número recorde de beneficiários desde a sua criação em 2009. © Créditos: Guy Jallay

Laura Renée Francine BANNIER

Há mais de dez anos que disseca todos os anos a situação socioeconómica do Grão-Ducado. O estudo "Panorama Social" da Câmara dos Assalariados (CSL) oferece, em cem páginas e quase tantos gráficos, uma visão sobre as desigualdades, a pobreza e o emprego no Luxemburgo. E, embora o país goze de estabilidade económica associada a um mercado de trabalho dinâmico, a edição de 2023 do relatório destaca várias falhas sociais.

"Apesar de termos um desempenho económico muito bom, o desempenho social do Luxemburgo está a ficar para trás", afirmou Nora Back, presidente da Câmara dos Assalariados, no início da apresentação do Panorama Social, na quinta-feira.

Nora Back ilustrou esta constatação com um dos muitos dados compilados pelo estudo: a taxa de trabalhadores pobres. Com 13,5% dos trabalhadores, esta taxa é a mais elevada da zona euro.

Calculado a cada dois anos pelo Instituto Nacional de Estatística e Estudos Económicos (Statec), o orçamento de referência ilustra a dificuldade que algumas famílias podem ter em fazer face às despesas, apesar de terem um emprego remunerado.

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Enquanto o salário mínimo social líquido no final de 2022 era de 2.123 euros, o limiar mensal de risco de pobreza foi fixado em 2.177, enquanto o orçamento de referência do Statec foi fixado em 2.437. "Este orçamento de referência não representa um nível de vida com o qual se pode ir de férias para as Bahamas, mas sim o montante com o qual se pode esperar viver decentemente", sublinha Félix Martins de Brito, consultor de gestão da CSL.

Consequentemente, o salário mínimo social líquido é insuficiente para várias categorias de agregados familiares, nomeadamente para as famílias monoparentais. Juntamente com as famílias numerosas, estas são afetadas por um risco acrescido de pobreza.

A nível nacional, este risco de pobreza afeta 18,1% da população, em comparação com 17% a nível europeu para o ano de 2021. Para as famílias monoparentais, esta taxa sobe para 42,4%, enquanto 40,3% dos agregados familiares com dois adultos e mais de duas crianças dependentes enfrentam este risco de precariedade. O Grão-Ducado encontra-se assim entre os piores desempenhos da zona euro.

Muitos beneficiários de assistência social

"Temos assistido a uma deterioração contínua da taxa de pobreza nos últimos 20 anos", afirma Félix Martins de Brito. E a situação não tende a melhorar. A Câmara dos Assalariados lembra que as previsões do Statec estimam uma taxa de risco de pobreza de cerca de 19% para o ano de 2022.

A gestão das despesas imprevistas também evidencia a pobreza no Luxemburgo. De facto, 21,3% dos agregados familiares não conseguem fazer face a uma despesa inesperada de 1.869 euros. Também aqui, a taxa é particularmente elevada entre as famílias monoparentais (45,1%) e as famílias numerosas (36,2%).

A par da pobreza, surgiu uma segunda tendência nos últimos vinte anos: a do aumento da desigualdade. Em 2021, o rendimento auferido pelos 20% mais ricos era 4,6 vezes superior ao dos 20% mais pobres.

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Embora o Luxemburgo esteja, assim, ligeiramente abaixo da média da zona euro, o seu desempenho é pior do que o da Bélgica e da França, em média. Por detrás da aparente estabilidade do indicador, há um aumento à escala continental, sinónimo de uma deterioração global da situação. No Luxemburgo, esta evolução explica-se por uma progressão salarial menos vantajosa para os trabalhadores mais mal pagos.

Esta situação conduziu a uma maior utilização dos gabinetes sociais. A Câmara dos Assalariados constata que, em 2022, se registou uma recuperação do montante dos apoios não reembolsáveis concedidos pelos serviços, enquanto as mercearias sociais foram utilizadas por um número recorde de beneficiários desde a sua criação em 2009.

"E esta tendência vai manter-se se não encontrarmos uma solução para combater a pobreza e as desigualdades", alerta Félix Martins de Brito.

O CSL não tem falta de soluções. Um aumento do salário mínimo social, salários mais elevados através de uma melhor legislação sobre acordos coletivos ou uma redução do horário de trabalho com manutenção do salário estão entre as exigências da organização para reduzir a pobreza e a desigualdade no país.

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Nora Back insiste que os aumentos salariais não devem ser alcançados apenas através do índice. "O índice é um mecanismo para compensar a perda de poder de compra de todos e não uma medida de justiça social em termos de rendimento. A limitação do índice levaria a mais desigualdade e divisão na sociedade", disse a presidente da Câmara dos Assalariados.

No que diz respeito ao desemprego e ao emprego, segunda parte do Panorama Social, o CSL constata uma boa dinâmica apesar das crises sucessivas. No entanto, embora o Grão-Ducado tenha regressado a uma taxa de desemprego historicamente baixa, nem todas as categorias da população estão no mesmo barco.

Por exemplo, os jovens entre os 15 e os 24 anos estão quatro vezes mais expostos ao risco de desemprego do que o conjunto da população. Esta disparidade reflete-se também na taxa de emprego.

Com 27,4% dos jovens entre os 15 e os 24 anos a trabalhar, o Luxemburgo tem uma das taxas de emprego juvenil mais baixas da zona euro. Esta estatística deve ser relativizada, uma vez que muitos jovens adultos ainda estão a estudar nesta idade.

Cada vez mais contratos a termo e trabalho a tempo parcial

Além da análise do emprego, a Câmara interessa-se também pelas condições e pela qualidade do emprego. A este respeito, salienta o aumento inexorável do trabalho temporário. Também aqui, os jovens são particularmente afetados, com 45,4% dos jovens entre os 15 e os 24 anos em empregos temporários em 2022, um aumento de 2% num ano.

Esta observação diz igualmente respeito ao emprego a tempo parcial. Em 2022, este fenómeno abrangera quase 20% da população, contra 11% em 2010. As razões subjacentes ao trabalho a tempo parcial são diversas e diferem consoante o sexo do trabalhador inquirido.

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Assim, se um número ligeiramente superior de homens (11,6%) do que de mulheres (8,7%) afirma estar nesta situação por não conseguir encontrar um trabalho a tempo inteiro, são muito mais numerosas as mulheres (31,2%) do que os homens (13%) que trabalham a tempo parcial para cuidar de crianças ou de adultos incapazes de trabalhar.

O emprego a tempo parcial é também um fator que duplica o risco de pobreza, com 21,2% dos trabalhadores afetados.

Embora esta visão abrangente da situação socioeconómica do país possa abrir o debate sobre a pobreza e a desigualdade, Nora Back lamentou que estas questões não sejam suficientemente abordadas pela classe política. "Faltam ações e planos concretos para resolver eficazmente estas questões", concluiu.

(Este artigo foi originalmente publicado no Virgule e adaptado para o Contacto por Tiago Rodrigues)