'Padrinho' da IA despediu-se da Google. Porque o que aí vem é muito perigoso
Geoffrey Hinton despediu-se da Google para poder alertar contra os perigos. A partir daqui ninguém vai distinguir o falso do verdadeiro e o mercado de trabalho pode colapsar se a Inteligência Artificial não for travada. A União Europeia vai aprovar lei para conter os perigos.
© Créditos: AFP
A Inteligência Artificial (IA) já anda aí há muito tempo, mas agora qualquer pessoa pode tê-la literalmente na ponta dos dedos. O ChatGPT, um programa online de escrita de textos da OpenAI, de livre acesso, lançado em novembro de 2022, abriu-nos os olhos para o maravilhoso e terrível mundo de uma inteligência maior que a nossa e que não, não é uma divindade.
Há anos que peritos, filósofos e políticos discutem as fronteiras da IA e os perigos de as máquinas substituírem e controlarem a humanidade. Mas o problema banalizou-se e discute-se agora nos cafés e nas salas de aulas.
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Esta semana, aquele que é considerado o padrinho da IA, Geoffrey Hinton, saiu da Google, onde estava há uma década a desenvolver este tipo de tecnologia para a gigante tecnológica de Silicon Valley, para poder falar livremente dos perigos que o seu desenvolvimento colocará para os humanos que a criaram.
Curiosamente, foi o trabalho de Geoffrey Hinton que abriu caminho para a existência do ChatGPT de que tanto se fala. Em 2012, juntamente com dois estudantes, criou uma rede neural artificial (que funciona como o cérebro humano) na Universidade de Toronto. Agora diz que se arrepende do seu contributo para a área, segundo refere o jornal inglês The Guardian.
O Papa estiloso
Há poucas semanas uma imagem estranha mas muito verosímil do Papa Francisco com uma parka branca estilosa que o envolvia até aos pés foi considerado “o primeiro caso de desinformação massificada de uma inteligência artificial”, pela revista News Scientist. A fotografia de Francisco foi criada pelo programa Midjourney e, embora apelativa, mostrando um sumo pontífice com mais mobilidade e aparentemente apreciador do estilo Balenciaga, era relativamente inofensiva.
Mas o que acontece quando são criadas imagens ou textos em relação aos quais não é possível determinar se são falsos e intereferem na vida pública de forma perniciosa?
Esta imagem do Papa Francisco com uma 'parka' branca é considerada o primeiro caso de "desinformação massificada de uma inteligência artificial” © Créditos: DR
A 29 de março, dias depois de o Papa ter invadido os ecrãs com o seu casaco resplandecente, alguns dos maiores nomes do mundo tecnológico, entre os quais Elon Musk, pediram para que os governos mundiais parassem por seis meses o desenvolvimento da IA, defendendo que o caminho que estava a ser seguido levava a “profundos riscos para a sociedade e para a humanidade”.
A carta aberta foi publicada pela Future of Life Institute (Instituto do Futuro da Vida) e incluía signatários como Steve Wozniak, co-fundador da Apple, e o autor de uma épica história da humanidade, o catedrático israelita Yuval Noah Harari.
O alerta aos governos da Terra surgiu semanas depois da dona do ChatGPT, a OpenAI, ter anunciado uma ferramenta ainda mais poderosa que nos testes iniciais mostrou ser capaz de preparar processos legais e passar exames de Direito. As profissões médicas também poderão ser subsituídas, dada a capacidade das máquinas para recolher milhões de dados para produzir um diagnóstico mais certeiro.
Na UE vai sair a primeira Lei da Inteligência Artificial
Na semana passada, Margrethe Vestager, a comissária europeia que é a guardiã do setor digital na União Europeia – em conflito com as grandes tecnológicas norte-americanas, onde há uma abordagem muito deixada ao mercado - defendeu que a lei de Inteligência Artificial europeia, que está prestes a ser aprovada, terá as barreiras e salvaguardas necessárias para que as ‘máquinas’ não tomem o poder.
No Parlamento Europeu, Vestager considerou que “a Inteligência Artificial já existe há algum tempo. O que é novo é que neste momento está disponível para toda a gente. Está aqui. Está mesmo aqui. O ChatGPT pode ser usado também em situações melindrosas. E por isso é mesmo importante aprovar a Lei da Inteligência Artificial para que as situações de risco tenham a necessária salvaguarda. Não faz sentido travar desenvolvimentos como o ChatGPT”.
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As eleições com IA em 2024. O próximo pesadelo?
Em 2016 e 2020 ocorreram importantes eleições nos Estados Unidos que, de acordo com vastas investigações, foram objeto de manipulação recorrendo ao uso de anúncios direcionados a eleitores após a recolha ilegal de dados pessoais no Facebook e em outras redes sociais. O escândalo da Cambridge Analytica, a empresa que terá ‘oferecido’ a vitória a Trump contra Hillary Clinton em 2016 é um pálido exemplo do que poderá acontecer à política mundial quando ferramentas de AI entrarem em cena. Uma imagem vale mais que mil palavras, é o que se diz. Mas o que acontece quando em todas as imagens não se sabe qual é a falsa ou a verdadeira?
Em 2024 haverá novamente eleições presidenciais nos Estados Unidos e aparentemente os mesmos candidatos, Trump e Biden (se confirmados até lá pelos respetivos partidos) irão defrontar-se. Na Europa, haverá eleições para um novo mandato de eurodeputados e para a Comissão Europeia que presidirá ao destinos dos 450 milhões de cidadãos. E a questão já começa a ser considerada.
Um representante da presidência francesa encontrou-se recentemente com o comissário Thierry Breton e com representantes da Google, do Tik Tok e da Microsoft para avaliar a hipótese de proibir todos os atores políticos de publicarem conteúdos gerados por AI até seis meses antes das eleições.
Na semana passada, concluiu-se o acordo político - entre o Parlamento Europeu (PE) e os governos - sobre a Lei da Inteligência Artificial (que será a primeira a nível mundial). O problema é que mesmo que seja passada a texto de lei (no PE), não será transposta para as leis nacionais antes das eleições do próximo ano. O que faz de 2024 o ano em que será ainda mais difícil discernir a verdade da mentira política.
Poderá a IA salvar a Amazónia?
Ao New York Times, Geoffrey Hinton disse que até ao ano passado acreditava que a Google, onde trabalhava, estava a ser um ‘guardião correto’ da tecnologia.
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Mas percebeu que alguns dos ‘chatbots’ em teste são “muito assustadores”, se forem explorados com más intenções. “Cheguei à conclusão de que o tipo de inteligência que estamos a explorar é muito diferente da inteligência que temos”. Uma das suas maiores preocupações – além da perda de empregos, incluindo os qualificados – é que a curto prazo as pessoas já não consigam discernir o que é verdadeiro.
Quanto à devastação no mundo do trabalho – e o jornalismo não está a salvo – é uma realidade já marcada no calendário. O diretor executivo da IBM, Arvind Krishna, disse que até 30% dos empregos administrativos da sua empresa poderão ser substituídos por máquinas de IA dentro de cinco anos. Do total de 260 mil funcionários da IBM, cerca de 7.800 deixarão de ser ocupados por pessoas. Para começar.
No pior cenário, a IA poderá deixar-nos desempregados e incapazes de saber o que é verdade ou mentira, entregues a quem manipula melhor. Mas, segundo alguns cientistas, poderá salvar a Amazónia.