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OpiniãoCOP26

Olá outra vez, comboio

É boa ideia reflectir sobre o que cada um de nós pode fazer: comprar menos roupa? Viajar de comboio em vez de avião?

© Créditos: Lex Kleren/Luxemburger Wort

Cronista

Começou a COP26, a cimeira mundial do clima. A retórica está ao rubro e são muitas as vozes que usam as palavras "última oportunidade". Certo, muitas dessas vozes são de políticos que apenas querem ficar bem na fotografia, enchendo a boca com vazias promessas "verdes", agitando freneticamente o indicador esquerdo ao mesmo tempo que, com a outra mão, assinam um contrato multimilionário para escavar uma nova mina de carvão (é o caso de Boris Johnson).

Mas vamos concentrar-nos nos seres humanos que valem a pena, naqueles que melhor entendem a situação em que estamos e o que está em jogo; também aqueles que, por serem jovens, mais têm a perder com um planeta tornado inabitável. A esmagadora maioria da comunidade científica explica que o objectivo de limitar o aumento de temperatura a 1,5 ºC não é arbitrário, mas sim crucial para evitar a catástrofe. Greta Thunberg, Leah Stokes, Dominika Lasota ou Vanessa Nakate são alguns dos nomes de activistas que colocam pressão sobre os nossos líderes políticos, e elas acabam de lançar uma petição – assinada por um milhão e meio de pessoas – exigindo dos mesmos políticos o transformar das palavras bonitas em acções visionárias, não só concretas como decisivas.

Acabou-se o tempo da conversa; a persistente demagogia mete nojo.

Acabou-se o tempo da conversa; a persistente demagogia mete nojo. Os indicadores estão todos no vermelho e não há margem de erro para este planeta. Continuando por este caminho, a temperatura média vai aumentar 2,7 ºC até ao final do século – e isso significa o fim da vida tal como a conhecemos. O caderno de encargos para os políticos reunidos em Glasgow inclui pelo menos os seguintes passos: acabar com todos os investimentos e subsídios a combustíveis fósseis (petróleo, gás…); acabar com as mentiras na medição de emissões de carbono, contabilizando correctamente aviação, transporte marítimo, energia nuclear; disponibilizar os 100 mil milhões de dólares prometidos para os países mais vulneráveis; aplicar ideias sustentáveis do ponto de vista ambiental, mesmo que radicais.

Tudo isto implica o nosso esforço. O meu e o seu, o da minha e o de todas as famílias. Vai ser chato, mas é inevitável – a opção “não fazer nada” implica, a médio prazo, a luta pela sobrevivência. É boa ideia reflectir sobre o que cada um de nós pode fazer, desde hoje, para ajudar a combater a emergência climática. Comer menos carne? Comprar menos roupa? Isolar melhor a casa? Comprar um carro eléctrico? Viajar de comboio em vez de avião ou de carro?

A resposta correcta é óbvia: todas os anteriores. Mas a última é (talvez) o melhor lugar para começar. Metade dos voos que acontecem na Europa são considerados de “curta duração”, definidos assim por percorrerem menos de 1500 km – e neste tipo de distância, o comboio é um meio de transporte concorrencial em termos de tempo, sobretudo se considerarmos todos os muitos inconvenientes de escolher o avião: trânsito de e para o aeroporto, tempos de espera, filas humilhantes, apertos, ar reciclado na cabine… e sobretudo as emissões de CO2, cinco a dez vezes superiores às do comboio.

Vivemos no centro da Europa. Talvez para ir a Portugal o comboio ainda não seja uma alternativa viável – entre mudança de bitola e hesitações na alta velocidade, falamos em mais de 30 horas de viagem. No entanto, a maior parte da Europa ocidental é atingível num máximo de 8 horas, com conforto, charme e a possibilidade de ir trabalhando, vendo Netflix ou apreciando a paisagem enquanto se viaja. 2021 é o Ano Internacional do Caminho-de-Ferro – que seja também o ano da redescoberta do comboio.

(Este autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico).

Hugo Guedes, na floresta da grande cidade

A mudança para o Luxemburgo foi feita aos 21 anos - e logo de comboio, para apimentar a aventura. Ato contínuo começou a escrever na imprensa, sobretudo sobre desporto e viagens, paixões que cultiva com mais fervor que a gestão de empresas que seguiu na universidade do Porto. Agora vive em Bruxelas, onde tenta conciliar a floresta e a grande cidade. Escreve às terças-feiras.

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