Menores podem abortar sem autorização dos pais
A lei do Luxemburgo permite às menores de 18 anos interromper uma gravidez indesejada sem os pais saberem. O direito à "vida privada" é uma das razões.
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Quando uma jovem com menos de 18 anos descobre que está grávida e não deseja ser mãe naquele momento, a lei luxemburguesa permite-lhe interromper voluntariamente a gravidez, até às 12 semanas de gestação, sem a autorização dos pais.
Em Portugal, tal não é possível, e as menores de 16 anos têm de ter o consentimento parental obrigatório para realizarem o procedimento médico da interrupção voluntária de gravidez (IVG). No Luxemburgo, a decisão legislativa de excluir a autorização parental no caso de uma menor "não emancipada" baseia-se em questões jurídicas e constitucionais dos direitos humanos e de liberdades.
O que diz a Lei da Interrupção de Gravidez do Grão-Ducado? "Se a menor grávida não emancipada desejar manter o procedimento secreto em relação ao(s) titular(es) do poder paternal ou ao seu representante legal, a interrupção voluntária da gravidez e os respetivos procedimentos e cuidados médicos podem ser efetuados a seu pedido, desde que a menor seja acompanhada durante todo o procedimento por um adulto de confiança por si designado. Neste caso, o serviço de apoio psicossocial aconselhará a menor sobre a escolha do adulto".
30 menores em 2022
O Planning Familial (PF) é um dos centros onde as mulheres podem recorrer para realizar a IVG. Em 2022, foram ali realizados 547 procedimentos médicos de interrupção voluntária de gravidez, cerca de 30 a pacientes com menos de 18 anos.
No total, "menos de 6% das mulheres que acolhemos para realizarem a IVG são menores de idade", declarou ao Contacto Emilie Kaiser, diretora adjunta do Planning Familial. A maioria destas menores tem mais de 16 anos e com esta idade “os números não são significativos”, realça a responsável, acrescentando que o Planning Familial acolhe adolescentes "a partir dos 13 anos".
Mesmo podendo guardar segredo dos pais da sua gravidez indesejada e da interrupção da gestação, as menores que recorrem a esta associação de planeamento familiar para a IVG “vêm principalmente acompanhadas por um dos pais”, conta a diretora adjunta do PF. Noutros casos, trata-se de pessoas “muito próximas da família”, acrescenta. “Somos sempre muito atentos aos acompanhantes das menores, mas respeitamos, sobretudo, a escolha da mulher”, vinca esta responsável.
Proteger as menores
Emilie Kaiser concorda com a lei luxemburguesa que protege a autonomia das jovens menores do consentimento parental da sua IVG perante uma gravidez não planeada.
A paciente tem o direito à privacidade, à confidencialidade, à dignidade e ao respeito pelas convicções religiosas e filosóficas.
"O direito do paciente determina que, de acordo com a capacidade de discernimento, e não de acordo com a idade, uma pessoa tem a capacidade de escolher os seus cuidados médicos, incluindo a interrupção da gravidez", defende a diretora adjunta do Planning Familial. Neste contexto, acrescenta, o paciente tem o "direito à privacidade (segundo o Regulamento Geral de Proteção de Dados em vigor), à confidencialidade, à dignidade e ao respeito pelas suas convicções religiosas e filosóficas".
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Entre as razões que levam as menores a não contar aos pais a sua gravidez e a decisão de interromper a mesma, Emilie Kaiser destaca a falha na "comunicação entre as gerações, sobretudo com o sexo, que ainda é um tema tabu". Há também situações muito graves "de violência e nestes casos apresentamos queixa ao Ministério Público".
Pela integridade corporal
O Luxemburgo legislou o direito à interrupção da gravidez em 1978, tendo reformulado a lei em 2012, a que se seguiu nova reforma em 2014, ainda em vigor. Nesta última modificação, a jovem menor deixou de ser obrigada a ter o consentimento dos pais ou do representante legal.
A continuação da gravidez com base numa decisão parental contra a vontade da mulher menor (...) é uma violação da integridade física da mulher.
Desta forma, a lei suprimiu "a continuação da gravidez com base numa decisão parental contra a vontade da mulher menor", tal como menciona o projeto de lei do Ministério da Saúde que deu origem à atual lei, enviado ao Contacto por este ministério.
Terem os pais o poder de obrigar a filha menor a continuar a sua gravidez indesejada constituía, “na opinião da Comissão Jurídica, uma violação da integridade física da mulher, que é garantida pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, realçava o referido projeto de lei. Esta foi a razão por que o Governo avançou para a abolição da autorização parental, explicou ao Contacto a assessoria do Ministério da Saúde.