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Mãe imigrante luta para recuperar a filha

Esta é parte da história de luta de uma mulher imigrante e mãe de uma menina com cidadania europeia para permanecer legalmente no Luxemburgo. Quando o caso está a chegar ao fim, surge outro problema, de última hora: o "Tribunal de la Jeunesse et des Tutelles" manda retirar a criança da mãe para ser colocada num centro de acolhimento de menores. Uma investigação da Rádio Latina que o Contacto publica.

© Créditos: Pixabay

Augustine D. (nome fictício) chegou ao Luxemburgo no início de verão de 2019. Veio da Suíça com a filha de quase 9 anos. Natural da Costa do Marfim, tinha na altura uma autorização de residência de Itália, o que lhe permite viajar dentro do espaço Schengen. Foi recebida temporariamente, por duas semanas, na casa de uma amiga e conterrânea da Costa do Marfim, que lhe terá ajudado a obter o registo na comuna da Cidade do Luxemburgo. Este foi o seu primeiro erro e problema, que Augustine reconhece. "Sim, vim a saber que antes de ter morada no Luxemburgo devia ter solicitado uma autorização de residência".

A autorização de residência em Itália só lhe dá o direito de entrar e sair do Luxemburgo. Enquanto cidadã de um país fora do bloco comunitário precisa fazer esse pedido fora do país e aguardar resposta. Mas o certo é que Augustine D. já estava no Luxemburgo e em pouco tempo arranjou um contrato de quatro horas por dia numa empresa de limpezas e foi morar para o norte do país. Filha de pai italiano e com nacionalidade italiana, a menina não teve problemas em ser matriculada na escola.

Entretanto, quando a mãe foi à Direção de Imigração, no final de agosto de 2019, para solicitar autorização de residência no Grão-Ducado, foi-lhe explicada a situação em que se encontrava e terá saído de lá com uma garantia. "Como a minha filha estava matriculada na escola, disseram-me que para ficar aqui tinha de arranjar um contrato de trabalho de oito horas porque o de quatro horas não era suficiente", conta Augustine.

Sem trabalho, sem afiliação e sem casa

Sem autorização de residência e sem trabalho, em novembro de 2019 conseguiu um contrato de promessa de trabalho de oito horas num restaurante e entregou-o logo à Direção de Imigração para legalizar a sua permanência no país. Mas enquanto esperava a resposta, diz que "o patrão estava sempre a hesitar porque não queria vir a ser acusado de estar a empregar alguém a negro, sem estar legal no país".

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Em março de 2020, ainda antes do estado de emergência derivado à pandemia (que começou no dia 17 e que proibia os despejos de inquilinos), o novo dono do edifício onde residia com a filha resolveu cortar a luz para obrigar as pessoas a sair dos apartamentos. Ela e a filha saíram. "Tive de sair porque precisava de assistência médica. Tenho a doença de talassemia (anomalias na produção de hemoglobina) e, sem trabalho e sem afiliação à segurança social, fiquei sem direito às prestações de cuidados de saúde. Como precisava continuar a fazer consultas e a comprar medicamentos fui procurar ajuda numa ONG de serviços médicos", conta a costa-marfinense.

Foi a assistente social que lhe foi atribuída pela ONG, Stéphanie G., que lhe terá garantido, além dos cuidados de saúde, um lugar num centro de acolhimento para mulheres em situação vulnerável, na capital. "A missão do nosso serviço social é ajudar as pessoas excluídas dos cuidados de saúde a fazer valer os seus direitos e a obter acesso aos cuidados. Mas no contexto da pandemia e do apoio prestado, a ajuda foi mais longe, permitindo melhorar a sua situação social em geral", explica a assistente social Stéphanie G.

Ordem de expulsão e adeus à assistente social

Meses depois, para fazer avançar o processo de autorização de residência e para poder trabalhar legalmente, Augustine conseguiu um advogado (através de apoio judiciário). Mas mal começou a trabalhar com o advogado, a imigrante recebeu um documento, em agosto de 2020, para sair do país e voltar a entrar só depois de efetuar o pedido de residência. "Antes de ter esse advogado estava tudo tranquilo. Nem me disseram isso quando fiz o pedido na Direção de Imigração. Passei um ano à espera de resposta e naquele momento exato veio essa carta. Não percebo", desabafa.

Sem confiança no serviço, trocou de advogado e diz que essa decisão foi como se tivesse declarado "guerra aberta à assistente social". O segundo advogado chegou a apresentar recurso da ordem de expulsão do país, mas também não ficou muito tempo a defender os interesses da imigrante. "Perguntava-me: 'Porque é que não escolheu outro país e veio para aqui' e 'Que ligações tem com o Luxemburgo'. Era como se estivessem a organizar a minha saída do país", conta. Entretanto, descobriu que este advogado e o anterior mantinham contacto com a assistente social. Stéphanie G. confirma o contacto com os advogados, mas refere que era "construtivo e no interesse da mãe e da filha".

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Pela primeira vez, sem filha

Em dezembro passado, dada a quebra de confiança no serviço social que lhe estava a ser prestado, Augustine termina a colaboração com a assistente social. A 6 de janeiro é notificada por Stéphanie G. que, por essa razão, o contrato de alojamento com a estrutura de acolhimento de mulheres terminou no dia 2 de janeiro de 2021. No dia 8, a mãe e a filha são transferidas para um hotel no Findel, sem refeição e sem cozinha. Alimentavam-se das compras feitas com vales oferecidos pela Associação de Apoio a Trabalhadores Imigrantes (ASTI). No dia 13, dois funcionários do Serviço Central de Assistência Social (SCAS) batem à porta do quarto de hotel. Fazem perguntas à mãe e depois à filha. E saem. No dia seguinte, estava previsto um familiar vir buscá-las ao meio-dia, quando deveriam abandonar o hotel, mas diz que alguém adiantou-se.

"Dois polícias à civil bateram à porta com uma ordem do Tribunal para levar a minha filha para um 'foyer'. Era ainda de manhã e como queríamos ficar juntas chamaram reforços. Vieram então mais dois polícias, fardados. Disseram que a minha filha estaria em 'perigo físico e moral' já que não tínhamos para onde ir".

Entretanto, o familiar chegou a tempo de filmar dois agentes a arrastar pelos braços uma menina de agora quase 10 anos, que gritava pela mãe, até um carro descaracterizado (no vídeo acima). Confrontada com o despejo de uma mãe e filha em pleno inverno, a antiga assistente social reconheceu que "é um procedimento desumano", mas que a sua instituição "não tem influência" sobre despejos.

Fora do aniversário da filha

Claramente afetada pela separação forçada, Augustine lembra que foi "horrível e chocante" esta "estratégia montada com recurso ao hotel" para lhe tirarem a filha. "Houve clientes do hotel que filmaram e que me disseram que o que viram foi humilhante". No vídeo filmado pelo familiar, vê-se a mãe a andar descalça sobre a neve, na tentativa de um último contacto com a filha antes de o carro da polícia arrancar.

Dias depois, a mãe foi parar ao hospital e saiu de lá no dia 18 de janeiro para tentar estar com a filha no dia do seu aniversário, naquela mesma semana. Mas não teve autorização. Ao telefone, a filha contou-lhe que estava "muito triste" e que, sem ver a mãe, era o seu "pior aniversário".

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O 'advogado negro' que conseguiu a autorização de residência e quer recuperar a filha

Antes de Augustine ter terminado a colaboração com Stéphanie G., uma outra assistente (de outro organismo) lhe terá dito que não lhe estavam a ajudar. E uma amiga ainda lhe disse: "Arranja um advogado negro!". Fez isso e conta que passou logo a ver diferenças. No dia 11 de janeiro, conseguiu pelas mãos da nova advogada a aguardada autorização de residência e a costa-marfinense passou a residir de forma legal no país.

Depois de ter ficado "pela primeira vez sem a filha", Augustine D. conseguiu revê-la e tê-la ao peito por alguns instantes no dia 27 de janeiro, no Tribunal. Daquela sessão diz que ficou assente que a criança não poderia retornar à mãe enquanto esta não tivesse trabalho e casa. Comparando o Luxemburgo com a Suíça, país onde morava antes de cá chegar, Augustine explica que, numa situação como esta, os tribunais helvéticos ajudam a arranjar habitação social para a família, sem haver separação, mas que no Luxemburgo o Tribunal lhe terá mandado arranjar casa por conta própria, sem ajuda.

Sem fazer referência e este caso, a jurista da Provedoria das Crianças e Jovens (Ombudsman fir Kanner a Jugendlecher – OKaJu), Françoise Giller, disse que antes de retirar uma criança dos pais, "em princípio, devem ser previamente oferecidas à família soluções alternativas e diferentes da separação". E para ajudar a pôr fim à separação forçada, esta mulher e mãe não quer baixar os braços, até porque vai precisar deles abertos para voltar a abraçar a filha. Para isso, continua à procura de um trabalho e de uma casa para arrendar.

(Henrique de Burgo, jornalista da Rádio Latina)