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Irão não é o mesmo desde "revolução das mulheres"

Retratos do Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei foram queimados, as mulheres saíram às ruas sem véu, manifestantes desafiaram as forças de segurança e a polícia da moralidade acabou. A revolução não vai parar.

Uma das imagens mais marcantes do protesto, uma jovem mostra o cabelo numa fila de manifestantes que se deslocam para o cemitério Aichi, onde Mahsa Amini foi enterrada.

Uma das imagens mais marcantes do protesto, uma jovem mostra o cabelo numa fila de manifestantes que se deslocam para o cemitério Aichi, onde Mahsa Amini foi enterrada. © Créditos: AFP

O regime do Irão termina este ano 2022 mais enfraquecido devido à onda de protestos iniciada pela mulheres iranianas. "Nos 43 anos da sua existência, o regime nunca apareceu tão vulnerável", disse Karim Sadjadpour, especialista iraniano do Carnegie Endowment for International Peace, à revista americana Foreign Affairs. "Este é um movimento de direitos difícil de extinguir", garante Karim, citado pela AFP.

A mobilização, que começou há quase três meses, tem um rosto: Mahsa Amini, mulher curda iraniana de 22 anos que morreu a 16 de setembro, depois de ter sido detida em Teerão, pela polícia da moralidade por violar o código de vestuário que impõe o uso do véu islâmico em público.

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Numa crise sem precedentes pela sua duração, dispersão pelas províncias, participação de diferentes grupos étnicos e classes sociais e apelos diretos ao fim do regime, muitos dos 85 milhões de iranianos estão a exigir mudanças profundas.

Retratos do Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei foram queimados, as mulheres saíram às ruas sem véu e os manifestantes desafiaram as forças de segurança. "O ambiente no Irão é revolucionário", disse Kasra Aarabi, perita nacional do Instituto Tony Blair para a Mudança Global, à AFP.

Como tudo começou

A morte de Mahsa Amini enviou 'ondas de choque' por todo o país e as mulheres mobilizaram-se contra o uso obrigatório do véu e, para além disso, contra todas as restrições que as penalizam. Cortaram os próprios cabelos e foram para a rua todos os dias, num ato de extrema coragem tendo em conta o controlo que sofrem nas mãos do regime.

Os homens juntaram-se ao descontentamento e o movimento passou a visar cada vez mais os líderes iranianos. Em resposta, o governo confiou no seu "aparelho repressivo bem treinado", relata a Amnistia Internacional, que já denunciou o uso de munições contra os manifestantes. O número de mortos durante as primeiras 10 semanas estabelecidas pelas autoridades ascende a cerca de 300, incluindo manifestantes e forças de segurança.

A ONG iraniana Iran Human Rights (IHR), com sede na Noruega, comunicou a morte de pelo menos 448 pessoas, incluindo 60 menores, "mortos pelas forças de segurança". De acordo com o IHR, mais de metade das mortes ocorreram em áreas povoadas por curdos e baluchis, duas minorias que são contra o governo.

Pelo menos 14.000 pessoas foram presas, de acordo com a ONU, incluindo figuras da cultura e do desporto, advogados, ativistas e jornalistas. Seis foram condenados à morte, um número que poderá aumentar, receiam as ONG. "Ficou claro desde o início que os protestos não eram apenas (a favor) da reforma ou (contra) a polícia da moralidade, mas visavam todo o regime", disse à AFP Shadi Sadr, cofundadora do grupo "Justiça para o Irão", com sede em Londres. "O que está a acontecer é um desafio fundamental para o regime".

Longo caminho

Para o governo, estas manifestações são "tumultos" encorajados por estrangeiros e já acusou os seus inimigos - os Estados Unidos, Israel e os seus aliados - mas também os grupos curdos da oposição iraniana exilados no Iraque.

O Irão é também acusado de violações dos direitos humanos - mais de 500 execuções em 2022 -, de tentar espalhar a sua influência no Médio Oriente, de participar ativamente nas guerras na Síria e no Iémen e de fornecer às forças russas os drones utilizados na sua guerra na Ucrânia. Para Shadi Sadr, "desmantelar um regime como a República Islâmica é uma tarefa muito difícil".

No sábado, o Irão aboliu a polícia da moralidade, uma força que detinha especialmente mulheres que não usavam o véu islâmico de acordo com os códigos ditados pelo país, informou o procurador-geral do país, Mohamad Jafar Montazeri. Os analistas consideram o fim da polícia da moralidade como uma cedência ao movimento popular.

No entanto, o controlo vai continuar. O Centro de Promoção da Virtude e Proibição do Vício do Irão afirmou na segunda-feira "que a missão da polícia da moralidade terminou", mas sublinhou que estão a ser estudadas novas tecnologias para controlar o vestuário das mulheres.

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Ali Janmohamadi, porta-voz deste centro, indicou que "estão a ser tomadas decisões sobre a castidade e o véu, para que, se Alá quiser, se apliquem num âmbito mais moderno, com o uso de novas tecnologias". As autoridades iranianas utilizam tecnologias, incluindo câmaras nas estradas, para multar as mulheres que conduzem sem o véu obrigatório, e que podem implicar até dois meses de prisão.

Os rostos da revolução

Para Kasra Aarabi, os manifestantes, e especialmente os jovens, encontram inspiração em personalidades com perfis diversos e popularizadas pelas redes sociais.

É o caso do defensor da liberdade de expressão Hossein Ronaghi, libertado em novembro, ou o dissidente preso Majid Tavakoli e o ativista pelos direitos humanos Narges Mohammadi. "Estou atrás das grades mas não tenho arrependimentos nem dúvidas", disse Mohammadi numa mensagem para o Parlamento Europeu.

Aarabi acredita que todos os que saem à rua pensam o mesmo: "a revolução está em curso, sem volta atrás".

(Com agências)

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