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Ir a Portugal de comboio é péssimo

Para nós emigrantes (...) na próxima década, continuaremos a precisar de seis comboios só para chegar a casa.

© Créditos: Mário Cruz/Lusa

Cronista

"Drama na auto-estrada", "Cansaço provoca tragédia", etc. Aconteceu pelo menos quatro vezes durante este verão – e todos os verões é a mesma sina. Emigrantes portugueses de regresso ao país para umas merecidas férias ficam com a vida desfeita por um acidente na estrada.

Conduzir durante milhares de quilómetros, durante períodos muito intensos – ainda há quem se gabe da irresponsabilidade criminosa de fazer a viagem toda sem parar para dormir – e em estradas cheias de camiões nunca será seguro. Também não é propriamente barato (entre gasolina, portagens e desgaste do carro, facilmente se percebe que 1000 euros não chegam para ir e voltar), e é extremamente cansativo. Então porquê ainda ir de carro?

Portugal não quer saber de comboios.

Resposta simples: más alternativas. Não há suficientes ligações em avião, e aí as bagagens são sempre um problema, além de que se trata de um meio de transporte ainda mais poluente. Por outro lado, há 30 anos (ou serão 50?) que ouvimos falar da "necessidade de reinvestir e voltar a apostar na via férrea".

Os problemas dos combustíveis fósseis tornam evidente que a mobilidade do futuro pertence ao comboio; certamente por esta altura já existem redes europeias integradas, linhas electrificadas por toda a parte e uma panóplia de sítios web onde é possível comprar um só bilhete que vá de Esch-sur-Alzette ao Entroncamento...

Só que não, claro. Alemanha (que recusa apoios estatais para ligações ferroviárias internacionais), França e Espanha retiraram da lei dos direitos dos passageiros a obrigatoriedade do "bilhete único" que facilitaria as viagens além-fronteiras. Entrar no mundo dos comboios europeus ainda é viajar numa máquina do tempo até à década de 70: cada Estado-membro tem uma grande empresa monopolista que gere à revelia dos vizinhos, há mais de 800 regras diferentes de país para país, e a internet ainda não foi inventada. Além de que os comboios convencionais são cada vez mais... lentos.

Em 1975, ir do Luxemburgo a Bruxelas em comboio fazia-se em 2 horas e 26 minutos. Hoje, pelo mesmo capricho, demora-se 3 horas e 13 de estação a estação – quase o dobro de um carro rápido. É certo que isto acontece por razões de política interna do Grão-Ducado: os poderes luxemburgueses sabem que no dia em que exista alta velocidade e seja finalmente possível fazer Bruxelas-Luxemburgo em apenas 1 hora, a bolha do mercado imobiliário rebenta e com ela toda a riqueza especulativa de um país. Mas essa constatação não torna a situação actual menos inaceitável (aliás até o é mais).

De comboio do Luxemburgo ao Porto, por exemplo, implica chegar a Paris, atravessar a cidade em táxi para trocar de estação, apanhar outro comboio até Hendaia e aí – com o fim do Sud Express – apanhar um comboio regional até San Sebastian, onde é possível optar por chegar a Vigo por Madrid ou por Vitória; a partir de Vigo, é possível chegar ao Porto com o comboio Celta (locomotiva a diesel, embora a linha já esteja electrificada). E da estação de Campanhã ainda faltaria chegar a casa... Contei seis comboios e dois carros, ao longo de três (ou quatro) cansativos dias. Depois ainda há o regresso... alternativa séria não parece.

Portugal não quer saber de comboios. Há 20 anos, na cimeira ibérica da Figueira da Foz, estabeleceu-se o plano para a introdução da alta velocidade na península, prevendo que fossem privilegiadas três conexões entre Portugal e Espanha: Porto-Vigo, Aveiro-Salamanca e Lisboa-Madrid. Desde aí, já se propôs muito e se fez nada – nada a não ser estudos contraditórios que custaram 160 milhões aos cofres públicos. Enquanto os lusos veem passar os comboios, a Espanha, com mais de 3000 km de linha instalada, já é o campeão europeu da alta velocidade, superando mesmo a França.

O país periférico (e cada vez mais dependente do turismo) que é Portugal não pode dar-se ao luxo de continuar a estourar dinheiro em aeroportos enquanto a alta velocidade férrea ainda não existe. O dinheiro da “bazuca” europeia oferece a derradeira oportunidade de ligar o país a Espanha e à Europa, começando pelo corredor Lisboa-Porto-Vigo, fundamental para a economia: não só corresponde à faixa de território onde se concentra mais de metade da população, como serve os principais centros produtivos do país.

Para nós emigrantes é que não há luz ao fundo do túnel; na próxima década, continuaremos a precisar de seis comboios só para chegar a casa.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

Hugo Guedes, na floresta da grande cidade

A mudança para o Luxemburgo foi feita aos 21 anos - e logo de comboio, para apimentar a aventura. Ato contínuo começou a escrever na imprensa, sobretudo sobre desporto e viagens, paixões que cultiva com mais fervor que a gestão de empresas que seguiu na universidade do Porto. Agora vive em Bruxelas, onde tenta conciliar a floresta e a grande cidade. Escreve às terças-feiras.