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Caso Marion Barter

Há mais uma vítima do burlão e vai testemunhar a partir de Portugal

Andrée Flamme, belga de 93 anos a viver perto de Lisboa, também se viu envolvida nos esquemas de Ric Blum, o octogenário que passou parte da vida no Grão-Ducado e que extorquiu dinheiro a várias mulheres ao longo dos anos.

Ric Blum (à esquerda, em frente ao tribunal na Austrália) terá roubado uma valiosa colecção de moedas a Andrée Flamme em 2010.

Ric Blum (à esquerda, em frente ao tribunal na Austrália) terá roubado uma valiosa colecção de moedas a Andrée Flamme em 2010. © Créditos: 7News/Pieter Huyberechts

Fonte: Redação

Depois de Ghislaine Danlois e de Charlotte (nome fictício), há mais uma mulher belga que diz ter sido vítima dos esquemas de Ric Blum, o octogenário que viveu no Luxemburgo e que usou dezenas de pseudónimos para extorquir dinheiro a várias mulheres ao longo dos anos, e que está ao centro do desaparecimento da professora australiana Marion Barter.

Andrée Flamme, de 93 anos, vive numa residência para idosos numa aldeia perto de Lisboa e é a partir de lá que irá testemunhar em tribunal, por videochamada, no dia 31 de maio, data em que será retomado o julgamento de Ric Blum. Em entrevista ao Luxemburger Wort, a mulher e a sua família contam uma história que tem muitas semelhanças com os relatos das outras alegadas vítimas.

Ric Blum chegou ao círculo social de Andrée através do seu marido, um ávido numismata que reuniu uma vasta coleção de moedas de prata e ouro, guardada num cofre em Bruxelas, até à sua morte em 2009. Certo dia, em 2010, um indivíduo chamado Frédéric de Hedervary (um dos pseudónimos de Ric) apareceu em Bruxelas, também ele um apaixonado colecionador de moedas.

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Ali, conheceu Pierre Duré, marido de Agnès (filha de Andrée), numa das muitas visitas que fez à Biblioteca Real. Segundo o Wort, os dois terão ficado amigos ou, pelo menos, conhecidos com alguma confiança um com o outro. Após a morte de Jacques Plume, marido de Andrée, Frédéric transmitiu as suas condolências a Pierre e ofereceu-se para avaliar a coleção de moedas que ele conhecia tão bem.

"Não me sentia à vontade com ele"

O neto de Andrée, Hadrien Duré, afirma que Frédéric já conhecia o seu avô e a sua coleção de moedas quando abordou o pai na biblioteca. "Ele sabia o que o meu avô tinha na sua coleção e quanto valia", relata Hadrian no seu apartamento em Bruxelas. Os dois homens teriam participado nos mesmos encontros de colecionadores de moedas no agora encerrado bar T'Kapiteintje, ponto de romaria dos numismatas da capital belga.

Um ano depois da morte de Jacques, Frédéric bateu à porta de Andrée. "Disse-me que estava de passagem pela Bélgica e que procurava um lugar para passar a noite", recapitula a viúva, a quem o burlão disse também que tinha dificuldade a andar devido a ferimentos sofridos ao serviço da polícia francesa.

Mas a estadia de uma noite foi-se prolongando após Frédéric começar a "avaliar" a coleção de moedas, que foi retirada do cofre para a ocasião. Andrée acolheu-o durante mais de uma semana. "Não me sentia à vontade com ele", recorda Hadrian. "Mas o que é que podia fazer? Ele era amigo do meu pai."

No dia em que deu o golpe final, o burlão pediu à anfitriã um almoço especial: tomates recheados com camarão, especialidade belga de que diz sentir falta na Austrália. Andrée demorou-se menos de uma hora nas compras. "Quando voltei, tinha desaparecido tudo. Todas as moedas, todas as joias", conta.

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Família ficou sem 40 mil euros

Também as joias da filha de Andrée, Agnes, que estavam na sua casa para "serem examinadas por peritos" desapareceram, a par da documentação da coleção de Jacques. Todas as notas meticulosamente escritas sobre a coleção foram rasgadas.

Na mesa, Ric havia deixado apenas um bilhete: "Vemo-nos amanhã na feira da ladra, como combinado". Mas o homem nunca apareceu. "Nunca mais voltámos a vê-lo. Fomos demasiado ingénuos e ficámos sem 40 mil euros."

Certo dia, a família recebeu um pacote enviado da Austrália com nove quilos de moedas, mas eram apenas aquelas que não tinham qualquer valor.

A família reportou o caso à polícia de Bruxelas e à Interpol, em vão. Também escreveu uma carta à polícia da província australiana de Queensland, onde o burlão vivia na altura. Mas nunca ninguém contactou Andrée até ao telefonema da imprensa em 2023 a propósito do julgamento.

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Em 2022, a carta foi lida em tribunal, e confrontado com o assunto, Ric Blum disse que as acusações eram inventadas, acusando Andrée Flamme de estar demente e de ser "incapaz de juntar três palavras numa frase".

Nesta altura, a família já não procura reaver o dinheiro perdido. "Não temos ilusões", reconhece a filha, Agnes. "Mas um roubo como este deixa marcas psicológicas graves. Ele tem de pagar pelo que nos fez a nós e às outras pessoas".

O caso Marion Barter: da Austrália para o Luxemburgo?

Marion Barter, uma professora de 51 anos, deixou repentinamente a Austrália em junho de 1997; pediu a demissão, vendeu a casa e voou para Inglaterra. Desapareceu em outubro do mesmo ano, depois de a sua conta bancária ter sido esvaziada - talvez por si própria, uma vez que regressou à Austrália pouco depois do seu voo para Inglaterra.

Barter mudou o seu nome em maio de 1997 para Florabella Remakel. Os seus documentos de entrada na Austrália, em agosto de 1997, indicam que é casada e dona de casa no Luxemburgo - país com o qual não tinha qualquer ligação anterior.

Através de um anúncio publicitário, entrou em contacto com Ric Blum, que viveu no Luxemburgo durante três anos e dava pelo nome Fernand Remakel - uma identidade roubada que provavelmente também usou com ela. A filha de Barter, Sally Leydon, está a tentar divulgar o caso com os jornalistas do podcast "The Lady Vanishes". É graças à sua tenacidade que a polícia ainda não encerrou o caso.

Uma investigação na Austrália está a tentar localizar Marion Barter. Blum foi chamado a testemunhar. O Ministério Público de New South Wales pede que Marion Barter seja declarada morta. A decisão sobre o prosseguimento do inquérito foi adiada de novembro de 2022 para o final de maio.

(Artigo publicado originalmente no Luxemburger Wort. Traduzido e editado para o Contacto por Maria Monteiro.)

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