Governo adia alterações à lei do aborto no Luxemburgo
Mudanças têm vindo a ser discutidas desde o ano passado e, apesar de uma aparente recetividade da ministra da Saúde até agora nada foi feito.
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Há praticamente um ano que o Planeamento Familiar (PF), juntamente com outras organizações, exigem alterações à atual lei luxemburguesa sobre a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG). Mas até agora, não viram mudanças.
Desde que as reivindicações foram tornadas públicas, o Governo tem-se mostrado recetivo mas, ao mesmo tempo, vago e pouco ativo na questão. "A nossa conversa com a ministra em setembro foi muito positiva. Estamos num estado de expectativa e não compreendemos porque é que ainda nada foi feito. Pensámos que ainda poderia ser implementado antes das eleições", lamenta Ainhoa Achutegui, presidente do Conselho de Administração do PF ao Wort.
Na prática, numa resposta parlamentar em agosto passado, Lenert afirmava que o Governo estava a estudar a possibilidade de alargar o direito ao aborto de 12 para 14 semanas.
Na reunião com o PF em setembro, a ministra continuava sem avançar em decisões definitivas e defendeu a criação de um grupo de trabalho para trabalhar estas questões.
Volvidos sete meses, o ministério diz que o grupo está criado e que o PF e a SLGO tinham sido convidados a participar num encontro a 2 de fevereiro para tomar um decisão de "forma atempada" sobre a questão das 14 semanas, avança o Wort.
Mas as duas entidades confirmam que apenas lhes foi pedido por escrito que nomeassem representantes para o grupo de trabalho. Mas, desde aí... nada.
Tal como em França, onde o próprio Presidente Emmanuel Macron quer avançar com um projeto de lei para consagrar o direito ao aborto na Constituição do país, o PF exige a mesma medida. Desta forma, o direito à IVG não poderia ser revogado no futuro.
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Para Macron, uma revisão constitucional pretende "garantir de forma solene e irreversível, que nada poderá levantar obstáculos ou retirar às mulheres a possibilidade de recurso ao aborto. E as instituições de apoio à IVG no Grão-Ducado querem o mesmo para o país.
Em setembro, o Planeamento Familiar reuniu com a ministra da Saúde, Paulette Lenert, para abordar cinco mudanças concretas ao que está disposto na lei atual:
Interrupção até às 14 semanas
O pedido não é novo e tem vindo a ser discutido de forma recorrente. Atualmente, a lei consagra que a IVG medicamentosa (até às 6-7 semanas de gravidez) pode ser feita em vários locais e a cirúrgica (até às 12 semanas) tem de ser feita no hospital.
O PF tem insistido neste ponto, e pede que se acrescente mais duas semanas a este prazo legal. No ano passado, a diretora, Catherine Chery, dizia à Rádio Latina que 12 semanas não chegavam, sobretudo, porque muitas mulheres não sabem logo que estão grávidas. Entre todos os procedimentos e análises, o período pode ser insuficiente e há que alargá-lo, defendem.
Já a Sociedade de Ginecologistas (SLGO) é contra a medida. Numa reunião com Lenert no outono, justificaram a posição com um aumento dos riscos para o útero, infeções e problemas em futuras gravidezes. E falaram também de um problema ético com o teste NIPT - Non-Invasive Prenatal Testing (Teste Pré-Natal Não-Invasivo), onde se tira sangue à grávida a partir da 11ª semana para analisar problemas genéticos como trissomias 13, 18 e 21.
O teste permite também determinar o sexo do bebé e, segundo a SLGO isso pode abrir porta a abusos: "A experiência mostra que existem grupos populacionais e culturais no Luxemburgo para os quais o género desempenha um papel, que não querem raparigas. Estaríamos a abrir a porta a abusos", disse o presidente da SLGO, Pit Duschinger, citado pelo Wort.
Período de reflexão abolido
O PF concorda com a entrevista obrigatória de aconselhamento antes do aborto, mas quer que o período de reflexão de pelo menos três dias antes do procedimento seja abolido. "A sessão de aconselhamento não se trata de considerações morais, mas do aconselhamento habitual antes de uma intervenção médica. Na nossa experiência, a decisão é tomada e este período já não é necessário. Pelo contrário, é uma provação para muitas mulheres. Além disso, não há outra intervenção médica para a qual isto seja necessário", defende Ainhoa Achutegui em declarações ao Luxemburger Wort.
É importante para Achutegui que seja a mulher a decidir se quer um período de reflexão, se de três, quatro ou vários dias, ou se quer procurar aconselhamento psicológico adicional (desde que seja compatível com o período legal da semana em que o aborto pode ser realizado).
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Adeus artigo 1º
O artigo 1º da lei atual refere: "A lei garante o respeito por cada ser humano desde o início da vida. Este princípio não deve ser infringido, exceto quando necessário e de acordo com as condições estabelecidas na presente lei."
O PF quer este artigo abolido, uma vez que considera esta uma abordagem ética que não pode existir numa lei. "Não existe este artigo em qualquer outro lugar - nem sequer na lei da eutanásia", garante Achutegui.
Educação sexual levada a sério
A atual lei declara que a educação sexual deve fazer parte da formação de professores e ser ensinada nas aulas da escola primária. "A educação sexual ainda não está a ser ensinada de forma transversal, nem todas as crianças a estão a receber. Além disso, só é dada uma vez. Esta deve ser ensinada aos oito, dez e doze anos, para acompanhar as diferentes fases de desenvolvimento", defende o PF. O organismo é chamado a intervir nas escolas para ajudar os docentes e alunos a lidar com temas sensíveis como a pornografia.
"Estamos sem horário há mais de dez meses com a nossa equipa que frequenta as escolas. Porque é que ainda há falta de recursos e de formação para professores?", questiona a responsável do PF.
Obstrução é crime
Há países onde manifestantes contra o aborto ficam em frente a clínicas de aborto com cartazes de bebés, bonecos, e chegam nalguns casos a insultar as mulheres. Nos EUA, esta prática é recorrente e tem aumentado desde a revogação da lei Roe vs Wade.
O PF quer criminalizar situações como estas no Luxemburgo. "Nenhuma mulher deve ser impedida de fazer um aborto, nem mesmo por pressão moral ou assédio nas ruas", reitera o PF.