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"Estive quatro meses no Luxemburgo e voltei para Portugal. Estou arrependido"

Hoje, Gil Rodrigues pensa que devia ter continuado no Luxemburgo, em vez de voltar para Portugal. As razões do regresso e o desejo de emigrar de novo para o Grão-Ducado.

Cinco anos depois, Gil Rodrigues planeia regressar de novo ao Grão-Ducado, agora com a mulher e o filho de ano e meio.

Cinco anos depois, Gil Rodrigues planeia regressar de novo ao Grão-Ducado, agora com a mulher e o filho de ano e meio. © Créditos: D.R.

Em setembro de 2018, Gil Rodrigues estava muito insatisfeito com a vida em Portugal e olhava para o futuro sem ver perspetivas animadoras também. Com 28 anos, decidiu então emigrar para o Luxemburgo, onde vive um grande amigo.

Despediu-se do seu emprego com contrato efetivo na área do calçado, em Santa Maria da Feira, onde vive, e partiu à aventura. “Não tinha trabalho, nem falava as línguas do Luxemburgo, nem sequer o francês, o mais falado. Mas estava cheio de garra, entusiasmado e sem medo de nada, para recomeçar a vida lá”, conta ao Contacto Gil Rodrigues, cinco anos depois, na sua casa, em Santa Maria da Feira.

Só que a aventura no Luxemburgo durou apenas quatro meses para Gil Rodrigues. Apesar de ter “corrido tudo bem” e até ter “juntado muito dinheiro” para o que inicialmente pensara, o novo emigrante teve de regressar a Portugal por “razões de força maior”: os seus pais. "Precisavam de mim", assume.

“Hoje, estou arrependido. Continuo a olhar para o meu país e sinto-me entre a espada e a parede, a vida está cada vez mais difícil, o futuro não trará nada de bom, sobretudo agora que constitui família, tenho mulher e um filho de ano e meio”. Gil Rodrigues acredita que, se tivesse continuado no Luxemburgo, em cinco anos "já estaria integrado e com um trabalho mais bem pago e um rendimento maior”.

Pronto para qualquer trabalho

Olhando para trás, o português diz não ter razões de queixa do país que o acolheu "muito bem". Contudo, admite que para um recém-chegado teve benefícios: “Não tive de procurar quarto ou apartamento porque fui morar para casa do meu amigo. Ele vivia sozinho num T2, em Pétange, e dividíamos todas as despesas, o que foi uma grande ajuda e permitiu-me poupar um bom dinheiro. Na altura, a renda da casa era de cerca de 900 euros, apesar do apartamento não ter as melhores condições. Se fosse hoje, claro que seria mais cara”.

Fui morar para casa do meu amigo, um T2, em Pétange, e dividíamos todas as despesas, o que foi uma grande ajuda e permitiu-me poupar um bom dinheiro
Gil Rodrigues
Gil Rodrigues está arrependido" de ter deixado o Luxemburgo, porque a vida em Portugal "está cada vez mais difícil" e sem futuro.

Gil Rodrigues está arrependido" de ter deixado o Luxemburgo, porque a vida em Portugal "está cada vez mais difícil" e sem futuro. © Créditos: D.R.

Gil Rodrigues estava pronto para aceitar qualquer emprego que a agência de trabalho lhe oferecesse. Três dias depois de ter chegado ao Luxemburgo, o novo imigrante começou a trabalhar numa empresa de construção civil.

Contudo, uma inflamação num olho, por causa do material de lã de vidro com que trabalhava, obrigou-o a parar. “A empresa não nos disponibilizou equipamento de segurança para trabalharmos, o que me pareceu estranho, porque o Luxemburgo é muito rígido nesta matéria”.

Logo encontrou um novo trabalho, noutra empresa de construção, desta vez no setor da reciclagem. Estava tudo a correr bem, até que fui “maltratado por um colega português”. “Não admito ser maltratado, e fui, até me chamaram nomes. Não trabalho com pessoas assim. Fui logo à agência de trabalho procurar outro lugar”, vinca o português que está prestes a celebrar 33 anos.

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"Maltratado" por portugueses

A falta de respeito que viu de certos imigrantes portugueses para com os conterrâneos recém-chegados foi o que mais o “desiludiu”, como confessa. “Nunca imaginei. Somos da mesma nacionalidade, emigrar não é fácil, e certos portugueses fazem tudo para nós voltarmos para Portugal. Têm medo que, como somos mais novos, lhe possamos tirar o posto de trabalho, o que nunca irá acontecer. Fui muito bem recebido por todos naquele país, menos por certos portugueses, o que é muito triste”, admite.

Nunca imaginei. Emigrar não é fácil e certos portugueses fazem tudo para nós voltarmos para Portugal
Gil Rodrigues

Foi no trabalho seguinte, numa serralharia, perto de Remich, onde esteve mais tempo, até regressar a Portugal. “Gostei muito de estar lá”.

Gil Rodrigues teve sempre trabalhos temporários, onde ganhava o salário mínimo não qualificado, “mas trabalhava horas a mais para trazer mais algum dinheiro”. E, nos momentos de descanso, tentava manter as rotinas de Portugal.

“Aos fins de semana, aqui estamos habituados a passear na praia, lá era impossível e tinha saudades disso também, além da família. Contudo, tentava sempre passear para recarregar baterias, visitava a capital ou ia dar uma volta até França. Depois do trabalho, quando não estava muito cansado ia ao ginásio, como fazia aqui”, conta.

Veio a casa no Natal e não voltou

Quando chegou o Natal, Gio Rodrigues foi passar a quadra a Portugal e já não regressou. “Nessa altura, trouxe tudo, porque já pensava em não voltar. Os meus pais pediram-me várias vezes para regressar, eles precisavam de mim, e eu prezo muito os valores familiares, o dinheiro não é tudo. Então, regressei de vez. Se não fosse por eles, teria continuado no Luxemburgo”.

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O português regressou e voltou logo para a antiga empresa de calçado onde se mantém até hoje. Em 2019, conheceu a sua companheira, e têm um filho de ano e meio.

Em 2020, compraram um apartamento antigo, onde vivem. Gil Rodrigues continua inconformado com o rumo de Portugal. “Aqui sobrevivemos, a vida é cara, não dá para muito. Por exemplo, não temos dinheiro para comprar a mobília que precisamos, arranjar o apartamento que é usado, nem para colocar um teto falso. A minha mulher era professora no Brasil, aqui não pode lecionar e trabalha também numa empresa de calçado, abaixo das suas qualificações. Não é justo”, critica.

Começo de novo a pensar emigrar. Somos lutadores e queremos dar um futuro melhor ao nosso filho”
Gil Rodrigues

Regressar ao Luxemburgo

Gil Rodrigues admite que “emigrar não é um mar de rosas, mas os portugueses são aguerridos e determinados e acabam por vingar lá fora”.

Por isso, pondera voltar a sair do país: “Começo de novo a pensar em emigrar. Agora com um filho vai ser mais desafiante, mas somos lutadores e queremos dar um futuro melhor ao nosso filho”.

O Luxemburgo lidera a lista de países onde a família sonha começar uma nova vida, “por ser mais próximo de Portugal”, mas “também podemos ir para o Brasil, o país da minha mulher, ou para os EUA, onde ela também tem família”.

Gil Rodrigues deu mais uma oportunidade ao seu país natal, mas Portugal continua sem horizontes para a sua família. Emigrar poderá ser, novamente, a solução.