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Investigação

Empresa luxemburguesa ajudou a espalhar propaganda russa

A informação foi revelada numa investigação publicada na sexta-feira passada pelo jornal alemão Tageszeitung (TAZ).

© Créditos: AFP

Uma empresa luxemburguesa de tecnologia da informação é acusada de ter fornecido à empresa estatal russa Russia Today (RT) um servidor para distribuir o seu material de propaganda, segundo uma investigação publicada na sexta-feira passada pelo jornal alemão Tageszeitung (TAZ).

Desde a invasão russa da Ucrânia em fevereiro de 2022, a União Europeia (UE) incluiu a RT entre as entidades abrangidas pelas sanções, por transmitir propaganda no estrangeiro, e baniu os seus sites, artigos, vídeos, podcasts e transmissões streaming.

Em janeiro, surgiu um vídeo da RT emitido a partir do leste da Ucrânia oriental que louvava o grupo Wagner, a unidade militar russa conhecida pela sua brutalidade, e demonizava o exército ucraniano. Os mercenários, que lideram os combates na Ucrânia, respondem a Yevgenyte Prigozhin, acólito de Vladimir Putin.

O vídeo parecia estar alojado no domínio russo mf.b37mrtl.ru, mas não foi abrangido pelas sanções porque o endereço IP (número que identifica um dispositivo na Internet ou numa rede local) do dispositivo onde foi carregado estava na Alemanha e pertencia à Gcore, empresa com sede no Luxemburgo, de acordo com a reportagem do TAZ e da plataforma de investigação Correctiv.

Uma pesquisa pelo domínio mf.b37mrtl.ru no site "URL scan" continuava a mostrar o IP alemão há cerca de duas semanas.

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Gscore diz que não tem nenhuma relação com a Rússia

A Gcore labs, que emprega cerca de 500 pessoas em todo o mundo, é um dos principais fornecedores europeus de cloud computing (tecnologia que permite o acesso remoto a diversos recursos, programas e informações através da Internet, na chamada 'nuvem') e de content delivery networks (rede de entrega de conteúdos em que um grupo de servidores geograficamente distribuídos que aceleram a entrega da informação), segundo vários rankings. Está sediada na aldeia luxemburguesa de Contern.

Questionada pelo Luxembourg Times sobre as alegações, a Gcore refere que não carrega nem armazena o seu próprio conteúdo, e que a sua memória cache (elemento que armazena os dados mais utilizados pelo sistema), apenas armazena o conteúdo "por um brevíssimo período de tempo".

"Negamos qualquer 'ajuda' à propaganda russa", disse a empresa por email. "Em concertação com as suas obrigações legais debaixo do direito nacional e europeu, a Gcore não monitoriza nem pode monitorizar os dados que passam pelas redes CDN em tempo real", salienta.

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Caso tenha conhecimento da existência de conteúdo ilegal, a empresa age o mais rapidamente possível, acrescenta, exemplificando que se desvinculou das suas operações russas em março de 2022, logo após a invasão.

Até hoje, não mantém qualquer relação com a Rússia ou com a RT, sublinhando que condena a agressão militar de Moscovo.

Em 2020, a Gscore ainda tinha escritórios em Moscovo, Perm e Minsk, de acordo com vários anúncios de emprego, mas estes já não figuram entre a lista de escritórios na Alemanha, Chipre, Lituânia, Filipinas, Geórgia e Uzbequistão.

Victor Kislyi, um cidadão cipriota nascido em Minsk, Bielorrússia, detém 75% da Gcore e Nick Katsepalov, outro cidadão cipriota nascido em Minsk, detém 25%, de acordo com o registo comercial do Luxemburgo.

A Gcore é conhecida por alojar servidores para jogos como o popular World of Tanks, desenvolvido pela Wargaming, originalmente uma empresa bielorrussa que se mudou para o Chipre em 2011. Kislyi é o CEO e fundador da Wargaming e vive no Chipre, de acordo com o seu perfil no LinkedIn.

"As autoridades competentes estão atualmente a analisar as informações contidas no artigo, bem como os antecedentes técnicos, e certificar-se-ão de tomar as medidas necessárias para lhe dar seguimento", declarou uma porta-voz do Ministério de Estado na segunda-feira, após ser questionado sobre se o Luxemburgo tomaria medidas contra a empresa.

Num comunicado partilhado com o jornal TAZ na semana passada, o ministério referiu que o conteúdo de armazenamento seria também abrangido pelas sanções da UE.

Oligarcas reduzem ações nas empresas para fintar sanções

A notícia chega depois de, em janeiro, os EUA terem colocado a empresa espacial Spacety, uma subsidiária de uma empresa chinesa com sede no Luxemburgo, na sua lista de sanções por alegadamente ter fornecido ao grupo Wagner imagens de satélite para fins de combate. Na altura, a Spacety negou qualquer envolvimento com os mercenários ou com o Estado russo.

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Depois de o jornal alemão ter confrontado a Gcore com as suas descobertas em fevereiro, o endereço IP associado ao vídeo mudou subitamente a sua localização para a Rússia, disse o jornal, apontando agora para a Megafon, um dos maiores fornecedores de telemóveis da Rússia, como o proprietário do novo endereço IP.

A Megafon também está registada no Luxemburgo com uma holding, que lista Alisher Usmanov, um oligarca abrangido pelas sanções como sendo proprietário de 49%.

Um chamado acordo de domiciliação pela LGL Corporate Services - para fornecer à empresa um endereço sem a necessidade de ter um escritório - terminou em março de 2022, apenas alguns dias após o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, mostra o registo comercial luxemburguês.

O Luxemburgo tem tido diversos laços políticos e comerciais com a Rússia ao longo dos anos. Vladimir Yevtushenkov, que continua no seu papel de cônsul honorário do Luxemburgo na Rússia, reduziu as suas ações nas empresas Sistema e no East-West United Bank, com sede no Luxemburgo para menos de 50%, logo após ter sido sancionado pelo Reino Unido.

O Centro Nacional de Crime Económico do Reino Unido descreveu, no ano passado, esse método como uma forma que os empresários sancionados utilizam para evitar consequências económicas.

Em agosto de 2021, o Luxemburgo também disse que não concederia uma licença de emissão ao canal em língua alemã da RT, após a preocupação expressada pela Alemanha.

(Artigo originalmente publicado no Luxembourg Times e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)

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