EDITORIAL - O Homem-Deus ressuscitado: razão e fé
Por Belmiro Narino - Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus... Por nós, homens, e para nossa salvação... encarnou pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e Se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai” (Credo).
A divindade de Jesus é o centro da fé cristã. Não está demonstrada historicamente nem é demonstrável por qualquer abordagem de ordem lógica. A História é uma ciência positiva não exacta, devido à influência exercida em seu objecto pelo comportamento livre dos homens, a qual, como todas as ciências positivas, não sai do universo da investigação sensível. Portanto, que existiu um Homem-Deus na Palestina, vai para um pouco mais de dois mil anos, não é, em si, assunto de análise histórica.
Já quanto à ressurreição de Jesus, embora se trate de ressurreição para uma vida transcendente, divina, devemos perguntar em que sentido pode e não pode ser tratada como facto histórico. João Paulo II, na audiência geral de 25 de Janeiro de 1989, deu-nos uma resposta bastante: “É uma verdade da fé cristã que se insere num facto historicamente ocorrido e comprovado. Procuremos investigar, com a ’mente de joelhos’, humildemente, o mistério enunciado pelo dogma e contido no facto”.
A ressurreição, em si, não é um facto histórico, mas conhecemos vários factos históricos que só da realidade de Cristo ressuscitado recebem plena justificação. Esses factos são tudo o que aconteceu em torno da morte e do desaparecimento do corpo de Cristo, incluindo as reacções dos discípulos. Se afirmamos que a ressurreição de Jesus é um facto histórico, isso não significa senão que se relaciona com um conjunto de circunstâncias de tempo, pessoas e lugares, perfeitamente comprovadas, e que são, para nós, o que chamamos razões de crer ou fundamentos racionais da fé.
Como a essência da ressurreição definitiva dos mortos é uma realidade da vida eterna, sobrenatural, os discípulos que viram Jesus ressuscitado não o viram experimentalmente nesse estado, que lhes ficava oculto sob forma terrena. Por isso eles foram sempre, como nós, ainda que situados mais perto das razões de crer, homens de fé.
Na área do saber científico, todas as outras certezas do Cristianismo atingem apenas realidades capazes de ser objectivamente verificadas, tais como: Jesus foi crucificado, morto e sepultado; o seu corpo desapareceu e os discípulos acreditaram vê-lo ressuscitado e selaram esta convicção com o martírio, o Evangelho de sangue, como o Calvário; o mesmo Jesus fundou uma Igreja em bases sólidas que veio até aos nossos dias.
A incapacidade das ciências perante a divindade e ressurreição de Jesus resulta de a observação científica se deter numa escala muito baixa do conhecimento, que é a dos fenómenos materiais. Para nos colocarmos num ponto mais elevado, o da totalidade do conhecimento racional, devemos sair do campo científico e entrar no campo da filosofia. Daí, a visão alarga-se até quase ao infinito e abre caminho para outras explicações. Porém, se a pesquisa filosófica toma o rumo do Homem-Deus, ficaremos novamente prisioneirosos da ignorância, porque a resposta que se procura não está no horizonte da razão humana, nem deriva de nenhuma espécie de evidência, que, em última instância, é o critério de toda a verdade racional.
Seja qual for o processo de investigação, no fim do percurso há uma única porta, a porta da fé.
É também o que disse, à sua maneira, Max Planck, o pai da física quântica: “Ambas, a religião e a ciência da natureza, envolvem, em seu exercício, a afirmação de Deus. Apenas acontece que, na religião, Deus está no começo. E, para as ciências da natureza, Deus está no termo do raciocínio. Para a religião, Deus é o fundamento. Para as ciências, ele é a coroa que remata o edifício das concepções científicas”.
Padre Belmiro