EDITORIAL: A Revolução que não foi
Por Belmiro Narino - “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce... Cumpriu-se o Mar, o Império se desfez, /Senhor, falta cumprir-se Portugal” (Fernando Pessoa, 1988-1935). Este lamento do poeta vale também para o 26 de Abril, que ainda não se cumpriu... Foi devolução, do poder ao povo, mas não revolução, no sentido completo de mudança radical, dramática, e de grande amplitude. Por falta de sonho, a obra ainda não nasceu.
A obra é a revolução que falta cumprir. Não basta abrir-lhe os portões, para entrar a liberdade; é preciso descobrir-lhe Portugal inteiro. C. K. Chesterton (1874-1936), o príncipe dos paradoxos, exprimiu a mesma ideia à sua maneira: “You can never have a revolution in order to establish a democracy. You must have a democracy in order to have a revolution”. Revolução não produz democracia; a democracia é que faz a revolução.
Acabou o Portugal amordaçado, como lhe chamou Mário Soares. Mas não basta poder falar, é necessário dizer a palavra certa, justa, com cheiro a liberdade. Isto é democracia, o espaço e o tempo para tudo arrumar, tudo renovar.
Já lá vão quarenta anos desde que, numa manhã de Primavera, um canto (“Grândola, vila morena”) abriu o dia à liberdade. E a liberdade saiu a bailar pelas ruas, no coração do povo. Foi a romaria nacional.
Enquanto o povo cantava e bailava, na embriaguez dos cravos rubros que cheiravam e sabiam a liberdade recém-nascida, nova e fresca e pura, logo apareceram, embuçados, muitos usurpadores que a quiseram raptar, para a tingirem da sua cor. Eram legião. Um deles dava pelo nome de Abel, escrevia, no panfleto partidário, “Luta Popular”, loas e proas fervorosas ao pai Stalin. E o mesmo vem agora, com o nome de Durão Barroso, afirmar que o ensino pré-25 de Abril era um ensino de excelência.
O que é que esta gente quer ou quer dizer? Respeito a mudança de clubes partidários, mesmo o salto mortal da extrema-esquerda para a confortável direita, mas outros admiro, os sem-medo que, na sua clarividência e coerência, não precisaram de mudar de linguagem, não correram ao boticário para engolir, à pressa, a mistela alquímica da democracia instantânea para poderem sair à rua no 26 de Abril. O 26 de Abril que ainda falta cumprir.
Alguns destes aventureiros, com a desculpa de salvar a liberdade, seguraram-na tanto na mão que a sufocaram. O que tinham para dar ao povo era outro carcereiro. Mas vingou o grito da revolução, que deixou voar a liberdade. Mário Soares teve o seu dia de glória e ganhou o carisma de chefe, quando proclamou, na Alameda D. Afonso Henriques, que ninguém roubaria a Portugal o sonho de ser livre.
25 de Abril, devolução; a revolução está por cumprir, quase toda. Sinais: o descontentamento do povo; os órgãos de comunicação, dócil voz dos seus amos; a fuga ininterrupta de multidões para o estrangeiro (400.000 nos últimos quatro ou cinco anos); as auto-estradas sem trânsito; as escolas sem alunos; os idosos, a reserva de sabedoria das famílias, classificados de “praga” por um salafrário (Saramago é quem o diz!); esposas sem filhos, ruas sem meninos, infantários sem infantes; governo que não governa, quem governa é a “troika”, três capangas do capitalismo internacional, que este impôs, como um conselho de tutores, aos ministros e parlamentares de Lisboa. Não andará por ali um Miguel de Vasconcelos, como em 1640? Um novo João Pinto Ribeiro e D. João IV é que ainda não se enxergam!
Falta ainda cumprir a revolução, em muitos domínios, mas sobretudo na maneira de ser daqueles que fazem do poder uma poltrona e não um serviço. A revolução, qualquer revolução, para não degenerar no imobilismo e atraso que pretendeu combater, nunca pode ser um fim, é um princípio.
O princípio de uma nova era de consciência política e cidadania, em que os governantes e deputados sejam, todos, pessoas competentes e honestas, que tenham aprendido nas boas escolas, do povo para o povo, e não nas catequeses dos partidos, como Passos Coelho, o seu predecessor, e muitos outros bem instalados...
Padre Belmiro