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Histórias de vida

Como uma pessoa sem-abrigo de Toronto se apaixonou por Differdange

O canadiano Edward vive em Differdange há quase dois anos, a maior parte do tempo na rua. No entanto, aprendeu a amar a cidade. E até lhe dedicou uma música.

Edward sonha em gravar um álbum inteiro de músicas sobre o Luxemburgo.

Edward sonha em gravar um álbum inteiro de músicas sobre o Luxemburgo. © Créditos: Christophe Olinger

O centro de Differdange não é conhecido por ter a melhor reputação. E dentro da cidade, o Parc Gerlache é considerado um espaço crítico. Em 2018, um debate sobre a situação da segurança na zona verde revelou que muitos residentes se sentem inseguros no local. Os transeuntes dizem ser assediados por pessoas que bebem álcool em excesso, deitam o lixo no chão e traficam drogas. A polícia é várias vezes chamada para acalmar os ânimos.

No entanto, há quem sinta o oposto em relação ao Parc Gerlache. Edward St. Amond, de 71 anos, diz que traz o parque no coração. "Eu adoro este parque, a forma como foi organizado e também as pessoas que aqui passam o tempo - mesmo que por vezes haja problemas", diz, num inglês claramente compreensível. Edward não fala alemão, francês ou luxemburguês: é originário da canadiana Toronto.

Pessoas terríveis e verdadeiros anjos

É uma pessoa em situação de sem-abrigo e, por sua própria vontade, vive na rua há 20 anos. "Deixei o Canadá há alguns anos porque queria ver Praga", explica, sem contar as razões que o levaram à situação atual.

Em abril de 2021, Edward - quer ser chamado pelo seu primeiro nome - veio de Estrasburgo para Differdange. Tanto na República Checa como em França, conta, não conseguia juntar dinheiro suficiente para sobreviver. "E se voltar a acontecer terei de deixar a cidade", afirma.

Edward escreveu uma canção de louvor a Differdange e às suas gentes.

Edward escreveu uma canção de louvor a Differdange e às suas gentes. © Créditos: Christophe Olinger

Desde que se encontra no Luxemburgo, passa os dias na vizinhança do Parc Gerlache. Sente-se bem em Differdange. "Aqui cuidam melhor de pessoas como eu. Ninguém tem de passar fome e tens um teto sobre a tua cabeça", afirma. Diz ter conhecido "pessoas terríveis, mas também verdadeiros anjos" na sua nova casa.

Entre estes últimos encontram-se certamente os trabalhadores de rua da organização "CollecDiff", que organizaram quartos para que as pessoas em situação de sem-abrigo pudessem passar os meses de inverno. Uma verdadeira ajuda que torna a vida muito mais fácil para quem tem o céu como teto, admite o homem de 71 anos: "É o primeiro inverno quente em muitos anos. Normalmente nesta altura do ano estou encharcado e congelado".

Uma guitarra para sobreviver

O apoio mais importante na vida de Edward, no entanto, é a música. Ajuda-o não só a ultrapassar emocionalmente os tempos difíceis, mas também a fazer face às dificuldades financeiras e assim sobreviver. É por isso que guarda a sua guitarra como uma relíquia. Embora o instrumento já tenha alguns anos, ainda tem um aspeto muito bem cuidado. "Eu posso já não parecer tão bem, mas a guitarra sim", brinca Edward.

Juntamente com a Comuna de Differdange e a associação CollecDiff, gravou uma canção e um vídeo no ano passado - "The Differdange Song", uma canção de louvor à cidade. A canção está disponível no YouTube, mas também na plataforma bandcamp.com, onde se pode descarregá-la por 1,50 euros (ou mais, se quiser doar).

A canção de Edward também foi registada na Sacem (Sociedade de Autores, Compositores e Editores Musicais), o que significa que o homem recebe alguns cêntimos em 'royalties' cada vez que a sua música é tocada na rádio.

Podia ver-se o quanto ele se estava a divertir. Os olhos iluminaram-se quando ouviu a sua voz.
Saverio Rella, trabalhador de rua em Differdange

As receitas da "The Differdange Song" vão inteiramente para Edward - mesmo que não sejam uma exorbitância. Saverio Rella, um trabalhador da CollecDiff, explica: "A canção angariou cerca de 250 euros em dois meses. Recolho o dinheiro e dou-lhe uma parte quando ele precisa".

Para Rella, o rendimento é um efeito secundário agradável. O trabalhador considera mais importante que projetos como estes dêem às pessoas que estão na rua um objetivo. "A filmagem do vídeo demorou o dia todo. Edward ficou exausto, mas também feliz. Gostei especialmente da sessão de gravação no estúdio de som. Podia ver-se o quanto ele se estava a divertir. Os olhos iluminaram-se quando ouviu a sua voz", recorda Rella. Também foi importante para o homem ter podido apresentar a sua canção em festivais, como aconteceu no mercado de Natal em Differdange.

Portanto, não é de admirar que Edward, apesar da idade avançada, ainda tenha muitos sonhos em relação à música. "A minha próxima canção já está quase pronta. Ainda tenho de a polir um pouco, mas está praticamente pronta. Não é sobre o Luxemburgo, mas sim sobre o mundo tal como eu o vejo. Mas gostava de lançar um álbum inteiro sobre o Luxemburgo e tocá-lo em alguns concertos", confessa. Para poder realizar o projeto, Edward procura um estúdio de gravação que esteja disposto a ajudá-lo a alcançar o objetivo.

(Este artigo foi originalmente publicado no Luxemburger Wort e adaptado para o Contacto por Tiago Rodrigues.)