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Casal fica sem teto três meses após encerramento de pensão ilegal em Schifflange

Após a estadia temporária num hotel, Brunete Miranda e Lenine Fortes vão ficar sem alojamento a partir deste sábado.

Brunete Miranda e Lenine Fortes vão ficar sem teto a partir deste sábado.

Brunete Miranda e Lenine Fortes vão ficar sem teto a partir deste sábado. © Créditos: DR

Jornalista

Brunete Miranda e Lenine Fortes foram duas das 13 pessoas que tiveram de abandonar os quartos em que habitavam em Schifflange no passado dia 21 de julho, quando a comuna mandou fechar um café na Avenue de la Libération, que tinha por cima uma pensão ilegal.

Segundo noticiou na altura o Luxemburger Wort, naquele edifício vivem seis agregados familiares em condições ilegais e altamente exploratórias. O senhorio cobrava-lhes rendas elevadíssimas de entre 650 a 1.100 euros mensais por quarto. Só havia casas de banho partilhadas, um chuveiro e passavam semanas sem água quente ou gás.

Ler mais:Comuna de Schifflange manda fechar pensão ilegal

Lenine, natural de Cabo Verde, arrendou um pequeno quarto naquele café em setembro de 2021, dois meses depois de ter chegado ao Luxemburgo, vindo de Portugal.

Primeiro ficou em casa do irmão, mas depois soube daquele quarto em Schifflange através de um amigo. Pagava uma renda de 650 euros. Sem contrato ou registo de morada.

“Tinha acabado de chegar e não tinha dinheiro para pagar a caução. É preciso muito dinheiro para alugar um quarto no Luxemburgo. Fui para aquele quarto para ficar um tempo e poder arranjar um sítio com melhores condições”, conta o homem de 34 anos.

Para poder ficar com o quarto, Lenine teve de fazer um primeiro pagamento de 1300 euros, que correspondiam à soma de um mês de renda e o mesmo valor para supostas taxas de agência. “Mas não existia agência nenhuma, era uma forma de burlar as pessoas. Nunca mais vi aqueles 650 euros”, critica o cabo-verdiano. Além disso, o senhorio, que é português, exigia que o pagamento fosse sempre realizado no café e em dinheiro, nunca por transferência bancária.

Em abril deste ano, Lenine pediu para trocar para outro quarto, porque ia passar a viver com Brunete, 34 anos, com quem tinha casado há dois anos. A mulher viajou de Cabo Verde para o Grão-Ducado no final desse mês. Passaram a pagar 800 euros por um quarto “um pouco maior”, no sótão daquele edifício.

Ali ficaram até julho, quando se descobriu que aquela casa estava a ser arrendada ilegalmente. Nem sequer estava mobilada para fins residenciais, já que nenhum dos requisitos necessários era cumprido e, por isso, nenhum dos moradores podia estar registado na comuna de Schifflange.

Os inquilinos estavam registados noutros municípios, como a Cidade do Luxemburgo ou Differdange. Foi assim, aliás, que se desvendou a burla.

“Havia uma senhora que vivia num dos quartos com duas crianças. Como todos nós, também tinha uma morada fictícia na capital e os filhos tinham de andar na escola primária de lá. Às vezes as crianças chegavam atrasadas às aulas, porque tinham de fazer um percurso longo e acordavam mais cedo”, recorda Brunete. Quando perguntaram às crianças onde é que moravam, descobriram que havia a pensão ilegal.

A assistência social da capital contactou os colegas de Schifflange, que se deslocaram ao edifício. “Foram lá falar connosco e explicaram tudo. Depois começaram a pressionar o proprietário, que um dia fez uma reunião com os inquilinos e disse que se continuássemos a dizer coisas íamos ficar na rua. Os assistentes disseram-nos que não podíamos ter medo porque iam fechar o café, mas tinham uma solução para nós, por um período provisório de três meses”, explica a cabo-verdiana.

"Não temos ninguém para nos ajudar"

Depois de a comuna de Schifflange ter ordenado o encerramento da pensão ilegal, a assistência social arranjou uma solução provisória para os inquilinos, enquanto estes tinham três meses – até esta sexta-feira, 21 de outubro – para encontrar alojamento. Disseram aos moradores que não se tinham de preocupar com caução nem taxas de agência, só teriam de pagar a renda da nova habitação.

O casal perguntou o que aconteceria se não encontrasse casa durante esse período. “Disseram-nos que podíamos prorrogar o prazo no mesmo sítio ou então arranjavam outra solução para nós. Colocaram-nos num hotel em Foetz, mas os três meses passaram e não conseguimos arranjar casa”, explica Brunete.

“Agora não temos para onde ir. Temos de sair do hotel até às 10 horas deste sábado. Arranjaram casa para a mulher que tinha as crianças, mas nós vamos ficar na rua, com este frio. Não temos ninguém para nos ajudar”, afirma, em desespero, o marido.

Além de ficarem sem um local para dormir, também não sabem o que vão fazer com todas as malas e bens pessoais que tiveram de ficar noutro quarto do hotel. “Mesmo que alguém nos dê um sítio para dormir uma ou duas noites, não vão ter espaço para pôr todas as nossas coisas. O meu irmão vive na Bélgica e não temos carro para levar tudo connosco. Onde deixamos as nossas coisas? Já nos disseram que temos de tirar tudo de lá, senão deitam para fora. Estão insensíveis à nossa situação”, lamenta Lenine.

A mulher ligou para a assistente social esta semana para pedir ajuda. Receberam uma resposta na quinta-feira, dois dias antes do fim do período provisório, afirmando que não tinham uma solução para o casal.

“Disse durante estes três meses tínhamos tempo para poupar dinheiro e que podíamos pagar a diária no hotel. Nós não conseguimos juntar, porque tínhamos direito ao pequeno-almoço, mas todos os dias tínhamos de pagar almoço e jantar”, nota a cabo-verdiana, salientando que no outro quarto pagavam 800 euros, mas podiam cozinhar a própria comida. “Agora temos de comer fora. Com o dinheiro que temos, podíamos ficar no hotel uma ou duas semanas, mas depois vamos para a rua na mesma”.

Para que é que existe assistência social? Se quando existe uma situação de vulnerabilidade eles deixam as pessoas à deriva?
Lenine Fortes

Quando chegou ao Luxemburgo, Lenine começou por receber o salário mínimo. Este mês, deixou o trabalho para procurar melhores condições numa empresa de construção civil e poder passar mais tempo com a mulher.

“Saía de casa às 9 horas e só chegava à meia-noite. Nós nem nos víamos. Então disse que ia arranjar um trabalho melhor para levarmos uma vida normal de casal. Não estou a trabalhar, mas sei que é uma questão de tempo”, garante. Neste momento, o único rendimento do casal é o trabalho a part-time da mulher, que faz três horas e meia nas limpezas de uma escola em Mersch.

Antes de Lenine ter deixado o trabalho, o casal estava à procura de um estúdio ou T1 para arrendar. O máximo que podiam dar pela renda era 1100 euros, mas não conseguiram encontrar um apartamento no Grão-Ducado.

“Disseram-nos para arranjar casa nas fronteiras, porque é mais barato. Fomos procurar, mas também lá já está muito caro. Para que é que existe assistência social? Se quando existe uma situação de vulnerabilidade deixam as pessoas à deriva?”, questiona o homem, assegurando que não ponderam sair do país.

“Viemos para cá para procurar uma vida melhor. Estamos a cumprir com a lei a trabalhar. Não é fácil, porque a vida é cara e encontrar uma casa é preciso ter um contrato de trabalho e no mínimo cinco ou seis mil euros”.

O casal critica também a comuna de Schifflange por falta de apoio. “Disse que o senhorio ia pagar o nosso alojamento durante os três meses, mas não fez nada por nós. Antes tínhamos um sítio para dormir. Agora vamos para a rua, como sem-abrigo. Disseram que iam melhorar a nossa situação, mas pioraram. Pelo menos antes tínhamos um teto”, afirmou Lenine, desamparado.

“Não estava naquela situação porque queria. O que eu queria era estar numa casa com tudo legal”.