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Cristina Malheiro, luxemburguesa de origem portuguesa, foi infetada com a covid-19 em três ocasiões.
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A luta de Cristina Malheiro contra a 'covid longa'

Cristina Malheiro, luxemburguesa de origem portuguesa, foi infetada com a covid-19 em três ocasiões. © Créditos: Sibila Lind

Em alguns pacientes, os sintomas da 'covid longa' podem durar muito tempo. Como se trata de uma doença recente, as causas ainda não são claras. Durante um ano, esta foi a luta diária de Cristina Malheiro, uma secretária jurídica de 50 anos, para reconquistar uma vida normal.

A queda

Cristina Malheiro, luxemburguesa de origem portuguesa, foi infetada com a covid-19 em três ocasiões. Mas foi na segunda vez, no início de fevereiro de 2021, que os sintomas foram mais graves. E permaneceram.

"Senti uma enorme pressão no peito e falta de ar. Se falasse por um momento, ficaria sem palavras. Perdi o olfato, o paladar e a visão periférica. Comecei a sentir-me tonta. Não podia conduzir, não podia descer as escadas a pé. Os meus pés e mãos pareciam estar a arder, de tal forma que não conseguia andar ou apanhar coisas", conta Cristina. "Não só perdi o meu gosto pela comida, mas com o tempo também perdi a minha autoconfiança. Não tomava banho, não lavava os dentes... Porque não havia razão".

Era ou respirar ou comer, ou respirar ou ler um livro. Sentia que tinha de fazer uma escolha entre respirar ou viver.
Cristina Malheiro

Cristina começou por ser acompanhada por uma psicoterapeuta e passou por vários testes para encontrar uma explicação para o seu desconforto duradouro. A única resposta foi a descoberta de que tinha hidrocefalia [acumulação anormal e excessiva de líquido dentro do cérebro] numa ressonância magnética, que não se sabe se foi causada pela covid ou se já existia antes. De resto, todos os testes eram normais. Foi-lhe, portanto, diagnosticada a 'covid longa', uma vez que apresentava sintomas que persistem pelo menos durante três meses após a infeção.

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Em maio, Cristina foi ao check-up médico da caixa nacional de saúde (CNS) onde, apesar de ter mostrado que não se sentia bem, a médica declarou que estava apta a voltar ao trabalho. "'A covid não é uma doença para ficar em casa por mais de duas semanas', disse-me ela".

Em dezembro de 2021, a lusodescendente teve a sua primeira consulta presencial no Centro Hospitalar do Luxemburgo (CHL) para se juntar ao projeto 'covid longa'. Foi então que sentiu que podia pôr fim ao seu sofrimento.

Um novo começo

Pela primeira vez, viu-se rodeada de pessoas que sentiam o mesmo que ela. Mas, apesar da motivação, o início não foi fácil.

"A primeira semana foi difícil para mim, o meu corpo esteve imóvel durante quase um ano, por isso estava exausta e só dormia", recorda. "Foi só na terceira semana que me senti menos cansada e o meu corpo começou a reagir".

Foram três semanas intensas, com um plano personalizado que incluía treino de passadeira, aeróbica aquática, reflexologia do pé, fisioterapia, meditação, aconselhamento nutricional, terapia de grupo e workshops para treinar o sentido do olfato e do paladar.

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"O programa multidisciplinar é importante para que cada pessoa compreenda o que lhe convém e o que a ajuda a sentir-se melhor", explica Jessica Liebaert, psicóloga que acompanha os pacientes no Centro Termal de Mondorf. A especialista sublinha que para a recuperação "é necessário continuar a fazer os exercícios em casa" após a cura.

De momento, não há dados que provem os efeitos benéficos do tratamento, mas de acordo com Carlo Diederich, diretor de Saúde e do spa do centro termal, é certo que "o tratamento traz muito para o paciente". No caso de Cristina, foi um verdadeiro ponto de viragem na sua vida.

Uma nova vida

Uma vez concluído o tratamento, os pacientes regressam ao CHL para uma reavaliação. "Temos resultados encorajadores", garante Frédéric Eustache, enfermeiro gestor do serviço Covid Long Consultation. "Mas há pacientes para os quais temos grande dificuldade em melhorar a situação com as terapias que oferecemos atualmente. São uma minoria, mas ainda fazem parte do projeto".

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Apesar disto, o resultado global do programa é positivo: "A maioria das pessoas está melhor", afirma Thérèse Staub, especialista em doenças infecciosas do CHL. No entanto, as causas e efeitos a longo prazo desta nova doença estão ainda a ser estudadas.

Atualmente, a cura para a 'covid longa' consiste no tratamento sintomático e multidisciplinar. "A fisioterapia e a cinesioterapia são particularmente importantes, uma vez que a maioria das pessoas precisa de reabilitação para fazer exercício", explica Staub.

Temos de nos despedir da pessoa que éramos antes. A pessoa antes da covid já não existe.
Cristina Malheiro

Por esta razão, o Centro Termal de Mondorf decidiu aumentar o número de sessões de fisioterapia e de reabilitação. Com a variante Omicron, menos pacientes desenvolvem uma forma grave de covid e há menos casos de gosto e olfato afetados. Mas os pedidos para integrar o tratamento em Mondorf não diminuíram, nota Carlo Diederich. "O que é certo é que, qualquer que seja a variante, a covid longa vai manter-nos ocupados durante algum tempo".

Após o tratamento, Cristina continuou a fazer os exercícios em casa, bem como a meditar, o que já fazia parte da sua rotina. Em maio passado, regressou ao CHL para ser reavaliada. O progresso tem sido notável, mas ainda existem alguns pequenos efeitos secundários, especialmente em termos de concentração. "Embora se trate de uma consulta final, a porta permanecerá aberta", tranquiliza a enfermeiro Frédéric.

Mas, para Cristina, é um capítulo da sua vida que quer encerrar.

Programa 'covid longa'

Em agosto de 2021, o Ministério da Saúde criou um programa de reabilitação dedicado à 'covid longa'. Os pacientes são examinados no CHL, que os remete para uma (ou mais) destas instalações de acordo com as suas necessidades de tratamento multidisciplinar: CHL, Rehazenter, Centro Termal de Mondorf ou CHNP. Desde 1 de novembro de 2022, o tratamento é financiado pela CNS.

183 casos encerrados

Até agora, o programa 'covid longa' acolheu 933 pacientes que seguiram caminhos diferentes: 432 foram para Mondorf (dos quais 69 apenas fizeram reeducação olfativa), 151 para o Rehazenter, 282 para a CHNP e 40 para a clínica de perturbações emocionais do CHL. Os outros estão em lista de espera. Mais de metade dos pacientes (64,2%) são mulheres e a idade média é de 47 anos.

"Encerramos o processo de 183 pessoas que estão globalmente satisfeitas", Thérèse Staub. "Estamos à espera do feedback da célula de qualidade sobre os questionários de satisfação para termos dados objetivos sobre este aspeto".

(Este artigo foi originalmente publicado no Virgule e adaptado para o Contacto por Tiago Rodrigues)