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OpiniãoMorte do dono da Delta

Rui Nabeiro. Partiu o homem, ficou a obra

Tinha sempre uma mão, e mais qualquer coisa, para acudir a quem precisava da sua generosidade.

A morte de Rui Nabeiro enlutou o país e (quase) toda a gente se dobrou perante uma figura que deixou uma obra magnânima, que pode servir de exemplo a muitas gerações.

O empresário de Campo Maior construiu o império Delta, dedicado ao café e produtos associados. Toda a gente sabe disto, mas muitos ignoram que nasceu pobre, lutou pela sobrevivência, carregou sacos de contrabando para Espanha, quando o seu corpo de adolescente mal permitia tais aventuranças. O salário que lhe vinha deste esforço foi sempre entregue à mãe, para ajudar a luta familiar pela sobrevivência.

Um dia, pensou que aquela malapata não se podia prolongar e deitou mãos à obra, provavelmente, sem saber que as suas ambições se iriam transformar num dos maiores impérios, da indústria portuguesa.

Nabeiro era um homem de grande dimensão que não podia ser desafiado por um qualquer atrevido.

Uma pequena fábrica de torrefacção de café cresceu o suficiente para se transformar num conglomerado empresarial que hoje emprega a maioria das gentes de Campo Maior.

Enquanto a obra medrava, o regime político que vigorou até 25 de Abriu seduziu-o e tornou-o Presidente da Câmara. Mas ele, até nesse aspecto, tinha outros horizontes e depois da Revolução dos Cravos aderiu ao Partido Socialista que o manteve à frente da autarquia.

O emprego continuava a crescer em Campo Maior, graças à marca Delta e a solidariedade também, graças à fortuna que Rui Nabeiro conseguia acumular. Tinha sempre uma mão, e mais qualquer coisa, para acudir a quem precisava da sua generosidade.

Nunca deu nada a ninguém, como ele próprio dizia. "Eu não dou. Distribuo. Por isso sou socialista". Tinha a noção clara do que é uma política redistributiva.

O socialista que lhe sucedeu, na Presidência da Câmara, dedicou-lhe alguma animosidade e pagou bem cara a ousadia. Mário Soares chegou a Campo Maior para um almoço promovido por esse infeliz Presidente da Câmara. Avisado ou desconfiado, Mário Soares cedo reparou na ausência de Rui Nabeiro.

O autarca esforçava-se, em sucessivas tentativas, para fazer conversa com o Presidente da República. E Mário Soares respondia sempre da mesma maneira: "onde está o Nabeiro. Quero aqui o Nabeiro".

Alguém da Presidência da República ou da Câmara - já não recordo com exactidão - foi então buscar Rui Nabeiro. E desde que chegou, concentrou as atenções de Mário Soares. Quando discursou, o autarca de Campo Maior foi olhando para Soares. E o Presidente da República ignorava-o e olhava e falava para o lado oposto, para Rui Nabeiro.

Nabeiro era um homem de grande dimensão que não podia ser desafiado por um qualquer atrevido. Desde o Povo de Campo Maior, até ao Presidente da República, todos sabiam disso. Rui Nabeiro partiu, mas a obra ficou.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

Sérgio Ferreira Borges, professor e jornalista

É professor de jornalismo, no Centro Protocolar de Formação de Jornalistas e em várias universidades. Como jornalista, trabalhou em jornais, rádios e concluiu a sua atividade, na EuroNews, a televisão pan-europeia de notícias. Foi assessor de imprensa e chefe de gabinete, da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.