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OpiniãoA Fava

Ir de férias a Portugal para voltar exausto

Se formos à terra e não tivermos tempo para estar com toda a gente é certo e sabido que alguém nos vai fazer sentir em falta.

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Grande Repórter

Desde o natal que não punha os pés em Lisboa e eu estava com umas saudades danadas de regressar às raízes. Há uma semana, teve mesmo de ser. Meti-me num avião onde sobrou desorganização no embarque mas lá me consegui fazer aos ares. Durante dois dias e meio, tinha obrigações de trabalho que me preencheram a agenda inteira. Mas consegui prolongar a estadia mais um par de dias para passar tempo com os meus. O tempo estava quente, a cidade resplandecia e estava capaz de apostar que ia tudo correr suave.

Na minha ilusão, sonhei até ir à praia. É uma das coisas que mais falta me fazem em Portugal e é uma das coisas que raramente tenho tempo de fazer. Lisboa engole-me assim que chego, e depois é difícil conseguir largá-la e fazer-me à estrada. Tenho, como todos temos, muita gente com quem quero estar. E desdobramo-nos à esquerda e à direita para conseguirmos dar um abraço a todos os que nos tocam. Só que depois há uma verdade mais universal do que o Big Bang: nunca, nunca, nunca conseguimos dar todos os abraços que queremos. Ou precisamos. É talvez ingrato escrever isto, mas quem vive fora do país percebe-me. Se formos à terra e não tivermos tempo para estar com toda a gente é certo e sabido que alguém nos vai fazer sentir em falta. Como somos humanos e preferimos sacudir dos ombros os sentimentos de culpa, esforçamo-nos para acumular o máximo de encontros e abraços – mesmo que isso às vezes dê cabo de nós.

Bem sei que as pessoas que nos pressionam para um encontro o fazem por gostarem de nós. Mas às vezes tomam a nossa falta de tempo para vê-los por desprezo, o que é injusto. Não queremos magoar ninguém, queremos ir a casa beber o melhor que as nossas raízes e o nosso chão têm guardado. Tipo ir à praia. Nestes quatro anos que levo de Luxemburgo, fui uma dúzia de vezes a Portugal. Ao mar, no entanto, só consegui ir uma vez. A culpa é minha, bem sei. E ainda assim.

Os dois dias que consegui passar na capital portuguesa livre de obrigações foram magníficos. Jantei com amigos, estive com a família, almocei com amigos, estive com a família outra vez. Na última noite fui dançar ao sítio de sempre com os meus, até chegar a hora de partir para o aeroporto – era um daqueles voos cedo. Não consegui estar com a família toda. Não consegui estar com os amigos todos. Ainda assim, consegui ter dias felizes. Cansativos, mas felizes.

No aeroporto, abri o telefone e li algumas mensagens de gente zangada por ter estado na capital e não ter ido ter com eles. Tentei ser simpático nas respostas porque, mais uma vez, são pessoas que gostam de mim e de quem eu gosto, a pressão deriva da empatia – mesmo que seja uma estranha forma de demonstrá-la. O voo partiu às sete da manhã, depois dos dias intensos. O avião percorreu a pista de norte para sul e deu a volta por cima da cidade. Lá ao fundo vi a Caparica, que começava a encher-se de pontos minúsculos, os primeiros banhistas do domingo e do ano. Antes de fechar os olhos e mergulhar no sono, pensei para os meus botões: Caramba, para a próxima tenho de ir mesmo à praia.