Incêndios: Habitantes do Caramulo entre o desânimo e a vontade de recomeçar
O manto negro deixado no Caramulo em duas semanas de incêndios provoca um misto de sentimentos nos moradores das aldeias afectadas - Tondela, Vouzela, Oliveira de Frades e Águeda -, que estão a viver entre o desânimo e a vontade de retomar as suas vidas.
Rosalina Antunes chora os animais mortos pelo fogo, em Bezerreira, durante os incêndios que fustigaram, no mês de agosto, a Serra do Caramulo e afetaram várias aldeias dos concelhos de Tondela, Vouzela, Oliveira de Frades e Águeda, que agora tentam regressar à normalidade © Créditos: Lusa / Paulo Novais
Nas últimas duas semanas de Agosto, os incêndios que fustigaram a Serra do Caramulo foram muitos e violentos. Os momentos de aflição já passaram, mas os populares ainda choram ao recordá-los.
Dormem no meio da cebolas e das batatas há duas semanas
António Salgueiro, de 69 anos, ficou com a parte superior da casa destruída na madrugada do dia 29 de Agosto, na Bezerreira, concelho de Oliveira de Frades, naquilo que considera ter sido um grande azar.
As chamas não chegaram a aproximar-se da habitação e António Salgueiro decidiu deitar-se, mas foi surpreendido pelo filho a gritar “fogo”.
“Foi uma fona que veio de longe e entrou no telhado. Começou a arder entre o telhado, no forro”, contou, acrescentando que a cobertura caiu na placa de cima da casa, destruindo-a.
Desde então, António Salgueiro e a mulher têm dormido num barracão, no meio de cebolas e batatas, e sonham com o dia em que poderão regressar à casa onde vivem há 30 anos.
O telhado já foi retirado e o idoso anda, com um construtor, em contactos com a Câmara de Oliveira de Frades, que prometeu ajuda para as obras de recuperação.
“Enquanto for Salgueiro no mundo, vou lembrar-me disto toda a vida”, garantiu, emocionado.
Bombeiros salvaram o cão, mas as ovelhas morreram no fogo
Poucos metros abaixo, Rosalina Antunes, de 76 anos, não esconde o desalento que sente depois de ter perdido “nove ovelhas e uma ‘cordeira’”, que eram a sua distração.
“O cãozinho salvou-se, porque o bombeiro foi tirá-lo, mas as ovelhas, não conseguiu. Eu também não. O meu filho agarrou-me e não deixou. As chamas eram muito altas e eu ficava lá”, recordou.
A venda de cordeiros servia de complemento à sua magra reforma, mas a idosa disse já não se sentir com forças para voltar a criar estes animais.
“Esta (situação) botou-me mesmo abaixo”, admitiu.
"Vamos lá ver se Deus nos acode e começa a chover"
"Natália Oliveira, de Valeiroso, no concelho de Tondela, conseguiu salvar vacas, vitelos e ovelhas, mas perdeu “dois palheiros de pasto”, um canastro e viu os lameiros onde os seus animais se alimentavam ficarem negros.
“Botei-os fora (do curral) no maior aperto. Nem via já os animais, nem nada debaixo do fumo e de fonas. Foi difícil”, contou.
Até agora, ainda não recuperou nada do que o fogo consumiu, estando a sua preocupação centrada em arranjar o que dar de comer aos animais.
“Vamos lá ver se isto rebenta, se Deus nos acode, ao menos”, desabafou, fazendo votos para que comece a chover e a vegetação regenere.
Almiro perdeu 10 mil eucaliptos
No mesmo concelho, na povoação de Caselho, Almiro Ferreira também chora ao falar do que perdeu: “Sete terrenos plantados de eucaliptos (cerca de dez mil eucaliptos), mais um monte deles que pertenciam à minha mulher, um barracão e cinco caixas de abelhas”.
Aos 48 anos, sente, no entanto, que não pode desanimar.
“Não sei se vai haver alguma ajuda para isto ou não, mas se não houver o pessoal vai ter que cortar (as árvores) e tentar ir em frente e plantar outra vez. É a única hipótese, não vai deixar isto aqui tudo de luto”, frisou.
Som de motoserras e nuvem de cinzas no Caramulo
Na aldeia de Braçal, onde na madrugada de dia 29 de Agosto chegaram a ser retiradas pessoas das suas casas, ouve-se agora o som das motosserras e das árvores queimadas a caírem no chão, deixando no ar uma nuvem de cinza.
Jorge Oliveira decidiu recentemente seguir as pisadas do pai, que é madeireiro, e rápido teve de aprender a lidar com as consequências dos incêndios.
“Ardeu a madeira comprada e a madeira que era nossa. Foram dois prejuízos. A madeira que estava comprada, temos que a cortar e pagar, porque a gente não pode andar com a palavra para trás e para a frente”, afirmou.
Numa corrida contra o tempo, o objetivo é cortar o maior número possível de pinheiros antes que sequem e percam peso.
“Temos que andar aqui e cortar tudo num ano ou dois. E depois, o que é que a gente faz?”, questionou, prevendo que “só daqui por dez/quinze anos” é que volta a haver árvores para cortar nesta zona.
Os incêndios que fustigaram a Serra do Caramulo afectaram várias aldeias dos concelhos de Tondela, Vouzela, Oliveira de Frades e Águeda.