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OpiniãoEutanásia

Eu? Tanásia, claro!

A ciência não deve ser usada para prolongar uma vida de calvário, até que Deus se lembre de acabar com ela.

Só falta a promulgação do Presidente da República para que Portugal tenha uma lei da morte medicamente assistida, depois de 10 anos de debates nem sempre muito produtivos.

A lei que o parlamento agora aprovou e que, por esta hora, já estará na posse de Marcelo Rebelo de Sousa, é equilibrada, como constata a maioria dos especialistas. Os direitos fundamentais estão ali defendidos, como seja a possibilidade de os médicos invocarem a objecção de consciência, para se recusarem a eutanasiar um doente.

A ciência não deve ser usada para prolongar uma vida de calvário, até que Deus se lembre de acabar com ela. O papel da Medicina é prolongar a vida, mas com qualidade.

Comecemos por uma questão de princípio que muitas vezes tem sido perversamente explorada. A eutanásia passa a ser um direito, mas não é, - nunca poderia ser - uma obrigação. Nos meios rurais, muitos caciques têm tentado amedrontar os mais idosos, agitando-lhes o papão de uma morte provocada, apesar de não ser esse o desejo do paciente.

Os sectores mais ligados à hierarquia da Igreja Católica movimentaram-se, nos últimos 10 anos, para impedirem a aprovação de uma lei que já vigora em grande parte do mundo civilizado. Dizem os católicos mais conservadores que a vida só pode ser tirada por quem a deu: Deus.

A ciência não deve ser usada para prolongar uma vida de calvário, até que Deus se lembre de acabar com ela. O papel da Medicina é prolongar a vida, mas com qualidade.

Há doenças incuráveis que provocam enorme sofrimento e que se podem prolongar por muitos anos. Quase sempre, eliminam todas as possibilidades de vida dos pacientes, que ficam vegetativamente amarrados a uma cama, inteiramente dependentes de quem deles possa tratar.

Nestes casos, alguns pedem para morrer, única forma de terminar com um suplício, muitas vezes impossível de descrever.

Com esta lei, quem quer que a morte lhe termine com o sofrimento pode optar pela eutanásia. Quem não quiser uma morte antecipada não é obrigado a optar pela eutanásia. Ficam assim salvaguardados os direitos de quem quer e de quem não quer uma morte antecipada.

O Estado, através dos seus normativos, não pode obrigar ninguém a prolongar a vida à custa do seu próprio sofrimento. A vida é um direito, mas não é uma obrigação. Por essa razão, a eutanásia é um avanço civilizacional que já vigora em muitos estados.

Apesar de a lei poder ser promulgada nos próximos dias, ainda teremos mais alguma discussão. Isto, porque o PSD pretende que o assunto seja referendado. Uma proposta de teor semelhante, apresentada pelo Chega, já foi chumbada nesta sessão legislativa e, portanto, este expediente parlamentar não pode ser repetido. Mas Luís Montenegro insiste e quer mesmo fazer disto um caso e até chicana política. Mas pode causar fracturas dentro do PSD. Repare-se que, na votação final do projecto, sete deputadas laranja não respeitaram a disciplina de voto e associaram-se aos partidos que aprovaram a lei.

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

Sérgio Ferreira Borges, professor e jornalista

É professor de jornalismo, no Centro Protocolar de Formação de Jornalistas e em várias universidades. Como jornalista, trabalhou em jornais, rádios e concluiu a sua atividade, na EuroNews, a televisão pan-europeia de notícias. Foi assessor de imprensa e chefe de gabinete, da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.