Querida mãe, vou separar-me do João...
... e não, não tenho outra pessoa. E não, ele também não. E sim, pensámos nos miúdos. E sim, foi uma decisão ponderada e temos a certeza. E não, a mãe não pode dizer que é um grande desgosto para si – eu é que me estou a divorciar.
Querida mãe,
Escrevo-lhe este e-mail porque talvez seja mais fácil explicar-lhe desta forma. De cada vez que falamos sobre este assunto, acabamos a discutir ou a mãe acaba a chorar e eu acabo irritada e a sentir-me incompreendida. Assim vai por escrito, a mãe lê as vezes que for preciso e o que não entender bem ou eu não conseguir explicar da melhor forma, cá estarei para esclarecer. Não envio para o pai porque sinto que consigo conversar melhor com ele. Sempre foi assim, não é, mãe? Eu falo melhor com o pai, o meu irmão fala melhor consigo. Há mais famílias assim, com estas relações entre mães e filhos e entre pais e filhas e está tudo bem.
Gostava que a mãe percebesse que eu estou bem com esta decisão do divórcio e me sinto tranquila. E gostava que entendesse que pensei bastante sobre ela. Não foi, obviamente, tomada de ânimo leve. O João também refletiu muito e estamos ambos certos que isto é o melhor. Ao fim de 15 anos de namoro, 12 de casamento e nove como pais, decidimos pôr um ponto final numa bonita história e isso também faz parte das nossas vidas e vivemos bem com isso. Estamos a adaptar-nos. Temos lindas memórias, gostamos muito e confiamos de olhos fechados um no outro e achamos mesmo que esta é uma boa altura para darmos este passo. Antes de nos tornarmos pessoas amargas e desagradáveis porque estamos infelizes.
Claro que não foi fácil tomar esta resolução. É uma perda que temos de gerir e cada um vai fazê-lo da melhor forma possível. Os psicólogos dizem que há sete fases de luto e suponho que aqui não seja diferente. O luto de um casamento dói que se farta – eu ainda vou no início – e se calhar vamos passar pelas etapas todas. Ou não. Se bem conheço o João ele vai saltar algumas e depois vai voltar atrás para sentir mais tarde o que não sentiu antes.
O que sobra de uma relação quando o amor se vai sumindo aos poucos, mãe? O que fica quando a base em que se construiu tudo já só tem amizade e respeito e filhos mas já não tem amor para unir aquela argamassa? Ainda é argamassa? Ou betão? Ou outro composto qualquer? Não significa que sejam pés de barro, mas onde estão os alicerces que sustentam os abanões se esses pozinhos de perlimpimpim já não existem para fazer magia? Podia continuar aqui com metáforas pirosas de construção civil, mas a mãe entende o que eu quero dizer.
E repare que não falo de paixão, porque essa sabemos que é boa mas que se vai consumindo naturalmente. Nem é possível viver sempre apaixonada, acho. Também não falo de sexo. Nem falo de logística prática no dia a dia. Nem falo da educação das crianças. Eu falo do resto, mãe. Do que se foi consumindo, apagando. Do que fomos deixando apagar. Devagarinho.
Foi sobre isso que eu e o João refletimos. E fizemo-lo durante muito tempo. Não foram dias, semanas ou meses. Foram anos a falar sobre o tema, às vezes em discussões, outras entre copos de vinho. E antes de falarmos os dois, já pensávamos. E já conversávamos. Um com o outro e com amigos também. Ele desabafava, eu desabafava. Ele fazia terapia, eu até mudei de psicólogo. E depois de muitas conversas e muita ponderação, lá encontrámos um caminho comum para lidar com isto.
E não, mãe, não sou eu com uma crise de meia idade. Nem é “apenas” um momento menos bom na relação. Já tivemos outros e sabemos distinguir a diferença. E também não é provocado por outras pessoas nas nossas vidas. Não há namorados, amantes, casos. Eu não tenho ninguém, o João não tem ninguém. Temo-nos um ao outro, mas não como casal. Duas pessoas podem separar-se sem haver outras envolvidas. E está tudo bem assim.
E os filhos, mãe? Acha que não pensámos nisso? Acha mesmo que somos dois egoístas que só olham para o umbigo e que não tiveram em conta as necessidades e os sentimentos dos filhos? Mais tarde podemos falar melhor sobre os miúdos – afinal, foi o que mais nos consumiu nos últimos meses – mas quero que a mãe saiba que é também por eles, pelos seus netos, que nós damos este passo. Porque queremos que eles cresçam com a certeza de que podem sempre ser mais felizes e não têm de estar presos a situações ou pessoas onde sentem que já não pertencem. Desde que eles entendam – e nós mostremos no dia a dia – que serão sempre protegidos e amados e cuidados e mimados, está tudo bem. Mesmo que agora custe, está tudo bem.
E olhe, eu entendo que a mãe esteja triste. Entendo que goste muito do João e olhe para ele como um filho. E entendo que lhe custe muito digerir tudo isto. E que pense nos almoços de domingo e nas noites de Natal. E pense nas férias de verão e nos aniversários. Mas agora preciso que pense também num futuro bom para mim e no que vai fazer para isso. Preciso que esteja do meu lado e que me apoie. Agora preciso de mimo e de sorrisos em vez de lágrimas e pesar. Preciso que me diga que vai ficar tudo bem e que a mãe e o pai estarão sempre aí para mim, nas horas boas e nas horas más. Preciso que respeite a minha dor e não faça dela a sua dor. O seu desgosto. Desabafe com o pai, com as suas amigas, com as tias. E até pode desabafar com o meu irmão. Mas tenha em mente que é do meu divórcio que estamos a falar. Não é do seu.
Ainda haveremos de falar mais sobre isto. Nem que seja por escrito.
Um beijo grande da sua filha.