Querida mãe, não me arranje namorados
Já não basta dizer-me que o filho da vizinha Graça também está divorciado e é um bom partido e que a prima Rita também se divorciou e depois arrependeu-se. Agora sugere-me aplicações de encontros? O Tinder, mãe?!
Querida mãe,
Encontrámos aqui um bom método para comunicar sem discussão. Depois do e-mail em que lhe expliquei por que me estava a separar do João (tentei fazê-lo várias vezes pessoalmente e a conversa acabou sempre em pranto) e da sua resposta extraordinária em que a mãe abriu o coração e falou do casamento com o pai, acho que deveríamos usar sempre esta via.
Não vai dar para fazermos o almoço de Páscoa e o jantar de Natal por aqui, mas é muito melhor para evitarmos que a mãe fique triste e que eu fique irritada.
Pode ser que um dia falemos daquilo que a mãe escreveu e de algumas coisas que lhe passaram pela cabeça ao longo desses quase cinquenta anos de casamento, mas ainda estou a processar tudo aquilo. Para já, queria fazer-lhe outro pedido.
Querida, adorada e muito amada mãe, gosto muito de si e sei que se preocupa com a minha felicidade. Mas, pelo amor da santa, por tudo quanto lhe é mais sagrado, não me arranje namorados. É estranho, deixa-me numa posição desconfortável e vai acabar por fazer com que nos chateemos outra vez.
Bem sei que isto é uma coisa comum nas mães. Preocupadas com o bem-estar da cria, em cuidados porque pode faltar quem vá à farmácia aviar medicamentos ou não tenham quem lhes leve uma taça de canja se estiverem mal da barriga, sem dormir só de pensar que ainda podem estar na rua, apoquentadas porque não há quem adiante o jantar, aflitas porque o dinheiro pode faltar e ansiosas ao pensar quem é que leva os netos ao judo, à natação, ao teatro e às explicações, as mães costumam sofrer bastante com o divórcio de um filho.
Sobretudo se não houver outras pessoas pelo meio para ajudar a justificar a separação (e não, não tenho mesmo ninguém e o João também não, pode parar de perguntar isso).
Acontece que eu vou a caminho dos 50 anos. Já não sou uma garota. Cnsigo tomar conta de mim, sustentar-me (a custo, por vezes com a vossa ajuda, mas consigo) e organizar-me com os meus filhos. Se há coisa de que eu não preciso agora é de outra pessoa na minha vida. Muito menos para viver. Deus me livre! Se há coisa que não me apetece – mas um dia podemos falar melhor sobre isso – é voltar a viver com alguém.
Não estou a dizer que ficarei solteira para sempre, que nunca mais quero ninguém, que me vou tornar celibatária e não quero cá saber de companhia para me aquecer os pés no inverno. Nada disso. Eu só não quero é pensar nisso neste momento, acabada de sair de uma relação de 15 anos. Agora quero é noites de vinho com os amigos e manhãs de domingo na cama até tarde – sozinha – nos dias em que os miúdos estiverem com o pai.
Já não basta dizer-me que o filho da vizinha Graça está divorciado, que a prima Rita também se separou e depois arrependeu-se e voltou a juntar-se ao ex-marido e que o Zé Pedro, o meu namorado do liceu, continua solteiro, vive com os pais e deve ser um bom partido. Isso tudo já era mau. Mas ter a mãe a sugerir-me que eu crie uma conta no Tinder ou no Bumble, é demais (e é Tinder, não é Tide, mãe). E pior ainda quando me sugere a fotografia de perfil que eu devo ter e para não revelar que não gosto de gatos, porque isso pode assustar os pretendentes.
Agradeço a sua preocupação e o esforço em tentar ser moderna e pesquisar sobre aplicações de encontros, mas deixe essas coisas para mim. Caso contrário qualquer dia posso ter de partilhar o resultado escaldante de alguns desses encontros e para que servem essas aplicações e a mãe é capaz de não gostar de saber detalhes.
Mas, lá está: ainda haveremos de falar mais sobre isto. Nem que seja por escrito.
Um beijo grande da sua filha.
Paulo Farinha é jornalista há 23 anos. Fez parte da equipa que lançou a edição portuguesa da National Geographic, onde foi coordenador editorial, editor e editor online. Foi editor executivo da Volta ao Mundo e da Notícias Magazine (Diário de Notícias e Jornal de Notícias) e chefe de redação da unidade de revistas do Global Media Group. Autor de Ninguém Disse que Isto ia Ser Fácil, escreve regularmente sobre família, relações e parentalidade e assinou crónicas na Notícias Magazine, DN Life, Pais & Filhos e Observador - jornal onde é atualmente editor de inovação.