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Menos é mais: o dia em que chego aos 48

Passamos boa parte da vida a correr de um lado para o outro e a lamentar a falta de tempo para o que gostaríamos. Falta-nos sempre alguma coisa para nos sentirmos completos e cheios e concluídos e realizados.

O ano no calendário começa a 1 de janeiro e dá-se a coincidência feliz de, um mês depois, eu já poder fazer um balanço da coisa com o pretexto ideal do aniversário. Por isso, cá vai: até aqui, tudo bem.

Menos é mais e, entre as poucas resoluções de ano novo que tomei, uma delas era muito básica: encaixar menos coisas num único dia. A expressão lisboeta de “enfiar o Rossio na Rua da Betesga” poderia bem ser o nome do meio neste meu mau hábito de tentar esticar o dia para além do que cabe em 24 horas.

Por isso, o plano para a manhã do dia em que faço 48 anos era simples: dormir. À tarde iria procurar uma esplanada ao sol para ler umas páginas de um livro que ainda não comecei, antes de ir buscar as filhas à escola e jantar o que elas escolherem.

Mas a manhã do dia em que faço 48 anos era também a manhã em que o meu pai tinha uma consulta agendada há muito, compromisso ao qual seria acompanhado pela minha irmã face à efeméride em questão. “É o teu dia, aproveita-o”, terá dito a mana.

Certo? Errado! Diz-se em jornalismo que é uma pena quando a realidade estraga uma boa história. E, neste caso, na manhã do dia em que faço 48 a realidade trouxe uma dor de costas à minha irmã que a deixou fora de circulação e tive então que ser eu a levar o progenitor à consulta.

Talvez noutra altura eu tivesse lamentado o azar. Mas dei por mim a pensar que isto é uma sorte bestial. Na manhã dos meus 48 anos acompanhei o meu pai de 92 a uma consulta médica na qual o médico lhe diz que “está impecável apesar das circunstâncias”, que não precisa de alterar a medicação e que só o quer ver novamente dentro de quatro meses. Na manhã dos meus 48, trouxe o meu pai de volta a casa onde vive sozinho com a minha mãe de 91 e onde ela já nos aguardava com um bolo de cenoura no forno que a própria fez bem cedo, “porque hoje é o teu dia, filho”.

Passamos boa parte da vida a correr de um lado para o outro e a lamentar a falta de tempo para o que gostaríamos. Falta sempre responder a mais um e-mail, falta sempre atender mais um cliente, falta sempre fazer algum exercício físico, falta sempre brincar mais um pouco com os filhos, falta sempre ver “só mais aquela série”, falta sempre ler aquele livro, falta sempre isto, falta sempre aquilo. Falta-nos sempre alguma coisa para nos sentirmos completos e cheios e concluídos e realizados.

Não encaixo aqui o dinheiro e a saúde porque esses sim, escasseiam tantas vezes a tenta gente e sobra menos para a gratidão quando falta um tecto, quando falta o que comer, quando falta o tempo para viver.

Mas acho, a sério, que agradecemos muito pouco pelos períodos que podemos ter com os nossos e não os aproveitamos. Bem sei, isto é conversa de dia de aniversário e há que dar o desconto a isso de “ver o copo meio cheio”, mas acredito mesmo que lamentamos muito mais do que jubilamos e rezingamos muito mais do que usufruímos.

No dia em que chego aos 48, almoço com os pais que já passaram dos 90, janto com as filhas de 9 e 10, levo para casa um bolo de cenoura da mãe e, se tudo correr bem, não terei nenhuma enxaqueca ou cólica renal ou pé torcido ou dor lombar até o sol se pôr (maleitas com que me cruzei ao longo dos 47). Se o dia for perfeito, hoje também não vou dizer nada que magoe alguém.

Se o ano for todo assim, não está nada mau... Mas para já vou focar-me no dia. Menos é mais.

Paulo Farinha é jornalista há 23 anos. Fez parte da equipa que lançou a edição portuguesa da National Geographic, onde foi coordenador editorial, editor e editor online. Foi editor executivo da Volta ao Mundo e da Notícias Magazine (Diário de Notícias e Jornal de Notícias) e chefe de redação da unidade de revistas do Global Media Group. Autor de Ninguém Disse que Isto ia Ser Fácil, escreve regularmente sobre família, relações e parentalidade e assinou crónicas na Notícias Magazine, DN Life, Pais & Filhos e Observador - jornal onde é atualmente editor de inovação.