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Joana não quer emigrar

"Não hei-de emigrar, isso não é para mim". O estrangeiro é para passear e visitar, não é para viver. (...) Mas Joana tem 31 anos e vive com os pais. Ainda não tem o T2 sem varandas.

Joana sempre soube que esse era um caminho possível. O irmão está na Holanda, o sobrinho em Inglaterra, dois irmãos da mãe estão em França e o outro já se reformou e regressou do Brasil, onde fez vida durante trinta anos. O pai trabalhou uns anos no Luxemburgo antes de se casar, mas as saudades apertaram.

Joana habituou-se desde cedo a ter a família espalhada pelo mundo mas também percebeu desde cedo que aquele não era o caminho dela. É o que tem mais presente quando se lembra do passado e da infância: "não hei-de emigrar, isso não é para mim". O estrangeiro é para passear e visitar, não é para viver.

Joana preferia viver com menos. Se havia de ter uma casa com quatro assoalhadas e quintal, tinha uma T2 pequeno e sem varandas. Se havia de ganhar mais e jantar fora quatro vezes por mês, ganhava menos e ia à marisqueira na primeira sexta depois de receber.

Se havia de fazer férias em Ibiza, fazia férias nos Açores. Ou no Algarve. Ou na Caparica. Se havia de ter três filhos, tinha só dois. Ou um. Estar à beira dos pais e dos amigos, ir à praia ao fim do dia, conhecer os cantos à casa dos sítios do costume e dizer que o carro já sabia o caminho sozinho para o emprego eram coisas a que dava muito valor. "A minha Joana não é rapariga para isso", dizia a mãe.

Mas Joana tem 31 anos e vive com os pais. Ainda não tem o T2 sem varandas. O carro não sabe o caminho sozinho porque está encostado por falta de dinheiro para o mecânico. As férias não são sequer na Caparica porque os empregos de desenrasque que tem arranjado a ganhar 650 euros sem recibos comem-lhe muitas vezes o verão e o dinheiro ajuda a pagar contas no reforço das reformas fracas dos pais.

Joana não tem filhos e não sabe quando é que terá. Os 800 euros do ordenado do namorado também não dão para sonhar muito.

Joana vai para Bruxelas. Uma prima afastada do pai está velhota e precisa de quem cuide dela. Por enquanto fica em casa dos primos onde terá de cozinhar, ajudar a dar banhos, passar a ferro e limpar. E poupar, poupar muito. Para poder ter um quarto e depois talvez poder alugar uma casa e depois aprender a língua e talvez sonhar com outras coisas.

Acha que ao menos lá vai poder sonhar. Ela que nunca sonhou com isto, que sempre fugiu deste caminho, sente saudades de poder sonhar com alguma coisa. Pode ser que haja emprego nas coisas da Europa.

Joana não olha para isto como uma oportunidade de carreira que descobriu no LinkedIn, não é um passo em nome do crescimento pessoal, não é uma vontade de ganhar asas e voar. É necessidade. É falta de opção. É sentido único numa rua sem bifurcações, depois de esgotadas todas as outras hipóteses de uma vida digna num sítio digno com uma casa digna e um ordenado digno que permita apenas viver.

Joana parte no fim de fevereiro. Já pagou o bilhete de avião, já começou a assinalar no calendário os dias que faltam para a viagem e já começou a marcar cafés de despedida com os amigos. Está triste.

Este ano não vai para a terra dos pais na Sexta-Feira Santa e no Domingo de Páscoa não vai comer o cabrito assado que a mãe prepara sempre no forno de lenha do quintal. Ainda pediu para ir só depois, mas é agora e não depois que precisam dela e por isso é agora e não depois que tem de ir.

Joana já começou a fazer as malas. Leva uma fotografia que tirou com o irmão em Amesterdão há uns anos quando o visitou. Pode ser que consiga lá ir ainda este ano, sempre é mais barato do que ir a Portugal. Se alguém algum dia lhe dissesse que iria emigrar ela não ia acreditar.

Paulo Farinha é jornalista há 23 anos. Fez parte da equipa que lançou a edição portuguesa da National Geographic, onde foi coordenador editorial, editor e editor online. Foi editor executivo da Volta ao Mundo e da Notícias Magazine (Diário de Notícias e Jornal de Notícias) e chefe de redação da unidade de revistas do Global Media Group. Autor de Ninguém Disse que Isto ia Ser Fácil, escreve regularmente sobre família, relações e parentalidade e assinou crónicas na Notícias Magazine, DN Life, Pais & Filhos e Observador - jornal onde é atualmente editor de inovação.