Breves notas sobre a mentira repetida muitas vezes

- Quer então dizer que o senhor doutor ministro, nesse dia, chegou a Lisboa com um valente jet-lag?

 - Efectivamente, senhor deputado.

 - Diga-me, senhor ministro das Infraestruturas, voou na TAP?

 - Deus me livre, senhor deputado.

 - E qual foi a primeira coisa que o senhor ministro fez?

 - Fui fumar um cigarrito, senhor deputado.

 - E é então que liga o seu smartphone, senhor ministro? 

 - É correcto, senhor deputado. Tirei o telemóvel do modo "avião", liguei os dados móveis para ver se já estava em vigor a lei do tabaco, acendi um segundo cigarro com a beata do primeiro e só depois é que liguei ao senhor doutor Frederico, o das notas, para o exonerar a torto e a direito.

  - Parece que ameaçou o senhor doutor Frederico com um par de sopapos, senhor doutor ministro? Não lhe pareceu um tanto ou quanto exagerado?

  - Ó senhor deputado... senhor deputado... eu estava uma pilha de nervos, quase tanto como a doutora Christine antes da audição na Comissão de Inquérito Parlamentar.

  - E, assim de repente, consegue pronunciar o apelido da doutora ex-CEO da TAP, senhor doutor ministro?

  - Senhor deputado, afirmo categoricamente que nunca ameacei o senhor doutor Frederico, que é "Ichidan" de Jiu-Jitsu e 4º dan em defesa e protecção de personal data.

  - E o senhor doutor ministro tentou falar com o doutor primeiro-ministro?

  - Ele estava na fila para comprar bilhetes para os Coldplay, senhor deputado.

  - E à doutora chefe de gabinete?

  - A doutora Eugénia estava muito aflita, senhor deputado, sitiada de todo na casa de banho, com as outras doutoras. O doutor Frederico já lhe tinha aplicado uma "kimura", escapando-se em sucessivos rolamentos ventrais às tentativas de todo o corpo doutoral do gabinete para manter neste o "ordenator personal" cheio de segredos de Estado. Ele gosta muito das suas notas, senhor deputado. É um louco por informação sensível. Um autêntico "mad-Fred". 

  - Tem de ligar o botão, senhor doutor ministro...

  - Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, parece que o senhor doutor Frederico pega na sua bicla eléctrica a altas horas da noite e vai para o ministério fazer cópias, muitas... muitas cópias, se é que me entende, senhor doutor deputado?

  - No ON, senhor ministro.

  - É verdade que nessa noite estava a pensar encomendar japonês, senhor doutor ministro? Foi antes ou depois de ter ligado ao senhor doutor ministro da Administração Interna? E para a senhora doutora ministra da Justiça? Ligou para a PSP, para a PJ, para o SIRP, para o SIS, senhor ministro? Já agora: o senhor doutor ministro costuma misturar o wasabi no molho de soja?

  - Não lhe vou responder a isso, senhor deputado. Há limites.

  - Já alguma vez tinha notado (não é de notas) no senhor doutor Frederico uma tendência para arremessar a sua bicicleta contra vitrinas e assim? É daquelas ultra-leves, em liga de titânio?

  - Parece que sim, senhor deputado. Não lhe posso assegurar, não vá incorrer numa "inverdade", mas subscrevo por inteiro as afirmações que a doutora chefe de gabinete, que é doutora jurista, fez sobre essa matéria.

  - Foi a doutora chefe de gabinete que ligou para os senhores doutores das secretas, senhor ministro?

  - Como sabe, senhor deputado, essa matéria está em segredo de Justiça.  

  - A propósito, doutor ministro: sabe se as casas de banho das Infraestruturas dispõem de uma sala de pânico? E pechiché?

  - Senhor deputado, sobre isso digo o seguinte: se eu disser que hoje é quarta-feira e alguém disser que hoje é sexta-feira, são duas versões contraditórias, mas não são equivalentes.

  - Mas hoje é quinta-feira, senhor doutor ministro.

  - O quê, senhor doutor deputado? É quinta? Vou lá fora fumar um cigarrinho e ligar ao doutor Chris Martin, que o doutor PM não me atende, para saber como está Coimbra na hora da despedida.

(Autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.)