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OpiniãoA fava

A burgomestre do Luxemburgo cometeu um crime contra a Humanidade

A ideia de tirar as pessoas da rua nunca funcionará se não houver uma alternativa à rua.

© Créditos: Gerry Huberty/Luxemburger Wort

Grande Repórter

Lydie Polfer, burgomestre do Luxemburgo, tinha defendido a infâmia no sábado aos microfones da RTL – e eu nem quis acreditar no que ouvia. Que ia proibir a mendicidade no centro da capital entre as sete da manhã e as dez da noite. No fim da tarde desta segunda-feira, a coligação DP-CSV, que lidera o município, deu aval à ideia da autarca.

Enquanto o sol brilhar sobre o Grão-Ducado, os excluídos, os incómodos e os habitualmente invisíveis estão interditados de experimentar a vida que corre nas ruas. Têm de desaparecer de vista e pronto. Podem ocupar as entradas dos prédios quando os cidadãos que não têm dinheiro para pagar as rendas das casas na capital desaparecem e tornam aos subúrbios. Durante as horas de expediente, no entanto, a comuna prefere que estejam longe dos olhares.

Os problemas vão continuar a estar lá, mesmo que a polícia afaste o tipo que nos incomoda quando vamos ao centro comprar um casaco.

Esta ideia parece-me pura e simplesmente criminosa. Ao ler a Constituição do país, percebo que os direitos dos cidadãos são vagos. É garantida a liberdade de manifestação e de igualdade, sim, mas apenas para os que possuem nacionalidade. E há isto: segundo um relatório dos Médicos do Mundo, menos de 10 por cento dos sem-abrigo são luxemburgueses. Por outro lado, o Grão-Ducado foi um dos primeiros países no mundo a ratificar a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Diz o 13° artigo: "Toda a pessoa tem o direito de livremente circular no interior de um Estado." Quando esta iniciativa como a que Madame Polfer tomou é aprovada, pode o Luxemburgo manter o assento que hoje tem no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas - e pelo qual a diplomacia nacional tanto se esforçou durante anos?

Vamos lá ver uma coisa: toda a gente nota o aumento da mendicidade na capital. É hoje difícil atravessar a Grand-Rue ou a Al Avenue sem ser abordado para uns trocos ou um cigarro. É incómodo? É. Devia acontecer? Não. Mas tornar estas pessoas invisíveis resolve alguma coisa? Eu acredito que não. Os problemas vão continuar a estar lá, mesmo que a polícia afaste o tipo que nos incomoda quando vamos ao centro comprar um casaco.

O ano passado fiz uma reportagem sobre o facto do WAK fechar no verão. A maior estrutura de acolhimento da população sem-abrigo, o lugar onde esta população pode dormir e tomar um duche, só abre para os meses de inverno. Quando chega o verão, as autoridades atiram-nos de volta para as ruas. Muitos estavam prestes a integrar-se, mas são conduzidos de volta à Grand-Rue, a um teto de estrelas, à mendicidade. A ideia de tirar as pessoas da rua nunca funcionará se não houver uma alternativa à rua.

Ler mais:Aprovada proposta que proíbe mendigos na capital

O que Madame Polfer está a tentar fazer é tapar o sol com a peneira. Ou varrer o pó para debaixo do tapete, usando outra expressão portuguesa. O aumento do custo de vida, a inflação e a crise da habitação deixaram muita gente aflita. Não podemos julgar os outros pensando que são todos um bando de preguiçosos que querem viver da solidariedade alheia.

A vida às vezes acontece ao contrário, tira-nos o tapete. Uma vez um rapaz que perdeu o emprego e vivia nas ruas explicou-me que tentava sempre encontrar um banco de jardim para dormir. Porque tinha medo de adormecer no chão, porque depois disso talvez nunca mais conseguisse levantar-se. A Humanidade é o que nos torna diferentes das outras espécies. Mais amor, por favor.