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Guerra na Ucrânia

Um ano depois. "A guerra mudou-nos para sempre, levou-nos os sonhos e o futuro"

A 25 de fevereiro de 2022, Daria falava ao Contacto de um bunker. Um ano depois, revela como viveu este ano de guerra e como viu os sonhos destruídos pela invasão.

© Créditos: Instagram

Precisamente um ano separa as duas conversas de Daria Mitiuk com o Contacto. A primeira, a 25 de fevereiro de 2022, logo após a invasão russa, ainda pouco se sabia do que estava a acontecer e quanto tempo iria durar. A produtora de 29 anos falava de um bunker da era soviética, em Kiev, onde se abrigou uns dias com a família. Apesar dos preparativos para uma eventual invasão, o certo é que tanto Daria como todos ao seu redor estavam perplexos que o conflito tivesse chegado à capital. Muita coisa mudou desde então.

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Esta sexta-feira, no dia que marca um ano do início da guerra na Ucrânia, a Daria que volta a conversar com o Contacto está diferente.

Está na sua casa, em Kiev, e a guerra levou-a ao limite. "Sofri uma grande depressão, transtorno de bipolaridade, tive de começar terapia e medicação". E não é a única, muitos amigos passaram pelo menos. "A guerra mudou-nos para sempre, levou-nos os sonhos e o futuro. Estamos exaustos, não consigo imaginar mais um ano de guerra, dois anos ou mais, nem pensar!", conta.

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Não consegue estar bem. "Sinto-me apática, não me sinto bem, tenho problemas de saúde por causa do stress. Tentei de várias formas melhorar, até mesmo ir um mês para Paris - onde tinha vivido sete anos - mas foi ainda pior estar longe. Tenho de estar aqui", conta ao Contacto.

Separada da família, que se estabeleceu na Bretanha, Daria voltaria a vê-los um ano depois, em janeiro último, algo que lhe custou muito. Todos querem voltar ao seu país, não querem estar longe, ainda que seja perigoso. Mas, por agora, sabem que é melhor não.

Sozinha em casa, Daria passou a ter medo do que lhe poderia acontecer, depois de saber das violações e mortes violentas que aconteceram em Bucha ou Irpim. "Foi um choque, acho que fui ingénua ao pensar nas circunstâncias que envolvem uma guerra. Não queria acreditar quando ouvia as histórias", lembra.

Chegou a ir aos locais levar mantimentos e só encontrou destruição. Cozinhou algum para soldados e hospitais e gostava de se sentir útil. Mas precisava de mais.

O ano passado, Daria criou a organização "Reflecting Light" e conseguiu angariar 100 mil euros apenas em doações do Instagram, onde faz várias performances para chamar atenção para o conflito.

Amor em tempo de guerra

Começou a namorar com Eugene, um pintor, há seis meses. Agora vivem juntos e é um apoio constante que "sabe lidar com os meus problemas de saúde mental. Faz toda a diferença".

O namorado ajuda-a na organização e, no mês passado, fizeram nova angariação de fundos, onde arrecadaram 10 mil euros. Com este dinheiro, compraram três drones de reconhecimento.

Para além da organização, a produtora é a manager de operações do jornal norte-americano The New York Times no terreno. Movimenta-se bem entre os círculos ativistas e tem contactos no exército também, mas não deixa de ser "um trabalho em condições terríveis".

O milagre de todos os dias

Kiev voltou a uma relativa normalidade, ainda que tenha sofrido danos relevantes "sobretudo, no outono, com os ataques de mísseis", descreve Daria.

Kiev voltou a uma relativa normalidade, ainda que tenha sofrido danos relevantes "sobretudo, no outono, com os ataques de mísseis", descreve Daria.

A imagem que não lhe sai da cabeça é a de "uma mulher e uma criança a saírem de um prédio destruído por um míssil. Ela só vestia camisa de noite e a criança chorava. Tinham acabado de perder tudo. Não se esquece o impacto de uma coisa assim".

Os casos de sobreviventes em condições desumanas e dos que continuam a lutar são motivo de orgulho para esta ucraniana. "Tão orgulhosa do meu povo. estamos todos a dar o exemplo. Apoiamo-nos, tomamos decisões em conjunto e queremos acreditar numa vitória", diz, acrescentando que "tenho motivação porque acredito no milagres. Fizemos tantos acontecerem, vejo-os todos os dias", reitera.

O Presidente herói e a loucura de Putin

Em fevereiro de 2022, Daria não sabia o que esperar do Governo ucraniano. 365 dias de guerra depois, Volodymir Zelensky, o Presidente, "revelou-se uma surpresa para todos. Acho que tem um fã em cada um de nós. Assumiu o papel de liderança desde o dia um, algo que não contávamos. Estamos muito orgulhos e sabemos que tem sido determinante para estarmos aqui, de pé, a lutar".

Já do seu opositor, o Presidente russo Vladimir Putin, Daria revela antes uma estupefacção por "existir um líder, uma pessoa como ele no mundo, tão abertamente má pessoa".

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Mas o seu alvo de crítica é, sobretudo, o povo russo, que "está cego e com uma lavagem cerebral" assumida, afirma: "Eles são passivos, não querem saber a verdade, assumem a sua própria degradação de humanidade e isso é muito triste".

Quanto ao aumento do apoio do Ocidente, a produtora está contente "pelo dinheiro e pelas armas, mas é tanta burocracia em tempo de guerra, não entendo. É estranho para mim que a NATO simplesmente não consegue travar Putin". E mais: "Se os Estados Unidos quisessem, desmilitarizam a Rússia em dois dias", garante.

Por isso, "sabemos que vai durar. Vão atacar outros pontos, vão avançar. Ele (Putin) não é assim tão velho - quando comparado com Biden - a guerra pode demorar 10 anos, o que seria o pior cenário possível para nós, que só queremos a paz para o nosso país".