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Editorial

Opinião. A fratura americana

O resultado da eleição presidencial americana vai moldar o mundo na década vindoura.

© Créditos: AFP

Se há um evento político que marcará o ano de 2020 é a eleição do Presidente americano em 3 de novembro. Há três anos, em janeiro de 2017, Donald Trump fez uma entrada triunfal na Casa Branca, após uma eleição que todo o microcosmo político descreveu como implausível. Até mesmo Donald Trump, ao que parece, não acreditava até a noite das eleições de 8 de novembro de 2016. Dos 120 milhões de votos expressos, bastaram 107.000 votos em três estados em disputa– Michigan, Wisconsin e Pensilvânia – para que o candidato republicano ganhasse, para espanto de todos, à candidata democrata Hillary Clinton, que perdeu uma eleição dada como “imperdível”.

A menos de um ano das eleições de novembro de 2020, embora o contexto geral tenha mudado em muitos aspectos, a divisão política e social nos Estados Unidos só se aprofundou. Donald Trump tornou-se o Presidente imprevisível e perturbador que sentimos no seu desempenho como candidato, desafiando todos os códigos e regras do mundo político que ele descreve como “pantanoso” e elitista. Apesar dos escândalos e erros repetidos, apesar de sua “guerra” declarada com os media, apesar de uma investigação sobre a interferência russa na campanha de 2016, o índice de popularidade de Donald Trump quase não vacilou, atingindo um valor máximo de 47%.

Apesar de nunca ter conseguido ultrapassar a marca dos 50 por cento, os seus eleitores continuam a apoiar o partido, tal como o Partido Republicano, onde os adversários do Trump ou se retiraram ou foram silenciados. Até o impeachment do Presidente, o terceiro da Câmara dos Representantes na história dos EUA, só aprofundou a divisão do país. Um pouco menos da metade do eleitorado quer Donald Trump fora da Casa Branca, e menos ainda opõe-se veementemente a ele. Caberá ao pequeno segmento de eleitores centristas e indecisos decidir para que lado a balança vai pender.

Donald Trump vai ser reeleito ou haverá um novo Presidente à frente dos Estados Unidos? No início deste ano, ninguém pode prever isto com certeza. No entanto, os riscos destas eleições presidenciais serão provavelmente colossais. Tudo nos leva a acreditar que isso moldará a forma como o mundo será govvernado na próxima década e, provavelmente, bem além de um eventual segundo mandato de Donald Trump.

Estas eleições presidenciais vão moldar a forma como o mundo vai caminhar muito para além de um eventual segundo mandato de Trump.

Reconduzir Donald Trump seria, antes de mais nada, concordar com sua concepção binária de política, que só conhece vencedores e perdedores e abomina o compromisso – e para a qual a verdade não é mais que “uma opção como qualquer outra”, nas palavras do escritor francês Marc Dugain.

Seria uma confirmação deste novo estilo presidencial, que desafia todas as proibições, este discurso misturando mentiras e exageros que o “Presidente Twitter” tem mostrado o domínio. Também significaria endossar uma visão da sociedade americana baseada no ultra-conservadorismo e nos interesses especiais da parte “branca” da população, que tem medo porque a sua posição dominante está condenada a desaparecer com o tempo. Seria uma sociedade obscura, virada para si mesma, excluindo estrangeiros e imigrantes e todos os outros estilos de vida.

Extrapolando em relação à política externa de Donald Trump durante o seu primeiro mandato, a América continuaria a ser a mais poderosa das nações democráticas, mas afastar-se-ia cada vez mais dos seus parceiros históricos ocidentais passando a adular déspotas da Rússia até à Coreia do Norte. Um Presidente Trump impulsionado por uma economia próspera pode muito bem sentir-se revigorado para continuar a guerra comercial com a China, tentar minar ainda mais uma União Europeia que não compreende ou persistir na sua recusa em participar no tão necessário esforço global para enfrentar as alterações climáticas.

Numa altura em que a América precisa muito de se unir e de estar unida, as eleições presidenciais podem muito bem resumir-se a um plebiscito sobre um presidente estigmatizado pelo impeachment. Nestas condições, e independentemente de quem for o vencedor, a eleição poderá aprofundar ainda mais a fenda que dividiu a nação americana em dois campos durante décadas.

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