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Ban Saint-Jean

O sombrio campo da II Guerra que está a gerar polémica na Moselle

Em Moselle, o campo Ban Saint-Jean é um lugar de memória sombria: foi o último lar de mais de 20 mil prisioneiros soviéticos. O futuro do local está em debate: deve ser preservado na totalidade? Podem ser planeados projetos para algumas zonas?

Casas em ruínas no campo de Ban Saint-Jean, em Boulay-Moselle.

Casas em ruínas no campo de Ban Saint-Jean, em Boulay-Moselle. © Créditos: Marc Wilwert/Luxemburger Wort

Pascal MITTELBERGER

Um campo congelado no tempo

No início do mês seco e frio de março, um vento gelado faz girar as turbinas eólicas que se estendem até se perderem de vista. Existem cerca de 70 unidades, que dominam as terras agrícolas localizadas entre Metz e Saint-Avold. É aqui, num planalto perto da cidade de Boulay, que permanecem os restos mortais de Ban Saint-Jean, antigo campo militar utilizado durante a Segunda Guerra Mundial pelas tropas alemãs para prender prisioneiros de guerra soviéticos.

Por entre as árvores despidas do inverno avistam-se as casas em ruínas, todas sem telhado. Estão perfeitamente alinhadas. "Faltam 26", diz Maurice Schmitt, da Associação Franco-Ucraniana (AFU). Como se pode ver, o lugar é obra do exército. Há pequenas unidades habitacionais destinadas a oficiais e sargentos. Mas estas casas há muito foram substituídas pela vegetação que ocupou o lugar do cimento. As placas lembram que um decreto do município de Denting, dono do local desde 2018, proíbe o acesso do público. Mas os caminhantes e outros "curiosos" na área são numerosos, apesar do risco de serem multados.

Há 26 casas em ruínas no perímetro do antigo campo militar de Ban Saint-Jean.

Há 26 casas em ruínas no perímetro do antigo campo militar de Ban Saint-Jean. © Créditos: Marc Wilwert/Luxemburger Wort

Andando pelos caminhos que atravessam o antigo acampamento, descobre-se também uma velha capela com uma torre de água decrépita, ladeada por postes que protegiam o quartel. O lugar parece parado no tempo, varrido pelo vento.

O futuro do campo, o tema da discórdia

Perto destas casas em ruínas, um caminho leva-nos através das árvores até um grande prado onde está uma estela (pedra com esculturas em relevo). Assinala as vítimas do Ban Saint-Jean: milhares de prisioneiros soviéticos, vítimas do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas nos últimos anos as polémicas vieram perturbar a tranquilidade do lugar. Os planos para construir um parque eólico e uma central fotovoltaica estão a causar agitação. A questão é clara: o local deve ser protegido ou ser considerado com um terreno baldio militar para conversão ambiental?

Uma história trágica

Construído na década de 1930, Ban Saint-Jean foi inicialmente um campo de segurança para as necessidades da vizinha Linha Maginot: foi o quartel do 3º batalhão do 146º regimento de infantaria francês. Após a guerra, voltou a receber soldados franceses e as suas famílias. "Foi ocupado até 1982", enfatiza Maurice Schmitt. "Em 1994, desmontaram-se os telhados das casas e recuperaram-se as telhas para o quartel de Metz", acrescenta o colega Gabriel Becker.

320 mil prisioneiros soviéticos passaram pelo campo

Foi durante a Segunda Guerra Mundial que a história de Ban Saint-Jean viveu um episódio trágico. De 1941 a 1944, soldados soviéticos foram feitos prisioneiros na Frente Oriental e enviados para a Moselle. Chegaram de comboio, em vagões de gado, à estação de Boulay. Uma "viagem" cansativa da qual alguns não recuperaram. Aqueles que podiam tinham de caminhar mais de cinco quilómetros para chegar ao planalto e ao acampamento.

Estima-se que mais de 300 mil prisioneiros tenham passado por Ban Saint-Jean antes de serem enviados para as minas de carvão ou ferro da Moselle. Alguns trabalharam para os agricultores locais e tiveram a sorte de serem alimentados um pouco melhor, ou simplesmente alimentados.

No entanto, as condições de trabalho nas indústrias e as condições de vida no campo tiveram o seu preço. Em Boulay, há 3.600 destas vítimas enterradas em quatro valas comuns. No próprio campo, onde a estela foi erguida, há 204 valas comuns.

No final da guerra, uma comissão conjunta franco-soviética realizou pesquisas no terreno e estimou o número de cadáveres em 20 mil. "É o maior local de morte nazi em França", enfatiza Maurice Schmitt. Esta descoberta fez as manchetes dos jornais regionais em 1945.

A estela de Ban Saint-Jean foi inaugurada em 2012.

A estela de Ban Saint-Jean foi inaugurada em 2012. © Créditos: Marc Wilwert / Luxemburger Wort

No entanto, a história sombria de Ban Saint-Jean foi um pouco esquecida, apesar da mobilização recente da comunidade ucraniana em França, que organiza comemorações. "Eles são os primeiros a querer salvar o acampamento", admite Maurice Schmitt. Muitas das vítimas eram de facto provenientes da Ucrânia, que durante décadas pertenceu à União Soviética.

Reclamação contra as turbinas eólicas

Todos os anos, as famílias das vítimas ainda vêm prestar homenagem junto à estela. E todos os anos se realiza uma grande cerimónia em honra das mesmas. A próxima está agendada para 2 de julho. A trágica história da Ban Saint-Jean já é conhecida e tem sido documentada nomeadamente através de livros. Agora volta a ser notícia, mas por outro motivo.

Uma das turbinas seria construída nas imediações desta pequena floresta.

Uma das turbinas seria construída nas imediações desta pequena floresta. © Créditos: Marc Wilwert/Luxemburger Wort

Um vento de contestação tem-se levantado contra o projeto de instalação de mais seis turbinas eólicas na paisagem: três no perímetro do antigo campo, outras três em terrenos agrícolas vizinhos. Uma seria erguida perto da velha torre de água, outra em frente à casa do comandante na entrada do campo. Ainda são visíveis as marcações a delimitar a sua localização.

Mas o plano inicial da empresa RWE, na origem do projeto, acabou por ser anulado por este protesto. A consulta pública, que terminou recentemente, prevê três turbinas eólicas, todas fora do campo, em terrenos privados. As outras três, que ficariam num local agora propriedade do município, caíram por terra.

Três turbinas eólicas removidas do projeto

A primeira "foi removida para evitar a aproximação de áreas de interesse para a avifauna, em particular para o milhafre-real observado pelo gabinete de estudos ecológicos durante os estudos prévios", indica a RWE em comunicado de imprensa em janeiro passado.

A segunda, "a norte de Ban Saint-Jean, estava localizada perto da estela comemorativa e da torre de água. A sua remoção foi proposta à comissão consultiva sobre o futuro do local, que foi bem recebida pelos participantes", continua a empresa. A terceira, "que ficaria isolada o interior de Ban Saint-Jean, teria representado um desequilíbrio paisagístico. Por isso, considerou-se mais coerente manter o projeto das três turbinas eólicas".

"A RWE queria mesmo parar tudo", diz François Bir, presidente da comuna de Denting desde 2020. O autarca lamenta esta redução final do projeto porque as turbinas eólicas são uma fonte de receitas fiscais para a sua pequena aldeia de 266 habitantes. "É uma perda de rendimentos para uma pequena comunidade como a nossa. Com três turbinas eólicas, Denting irá receber 18.100 euros por ano. Com seis, receberia o dobro. Significativo para um orçamento anual de cerca de 300 mil euros.

Concluído o inquérito público, aguarda-se agora o parecer do commissaire-enquêteur (comissário de instrução, nomeado para realizar um inquérito público). Caberá então ao burgomestre da Moselle decidir. A RWE planeia construir e colocar em funcionamento as três turbinas eólicas entre 2023 e 2024.

Central de energia solar em vez dos vestígios do campo?

Enquanto a controvérsia sobre este primeiro projeto parece estar a diminuir, uma outra questão pode trazer de volta a discussão nos próximos meses. A mesma empresa, RWE, planeia construir uma central solar fotovoltaica em Ban Saint-Jean. "É algo que nos deixa em alerta. Já questionámos o que farão exatamente e onde. Mas não nos dizem nada", diz Maurice Schmitt, olhando para os marcadores coloridos desenhados no campo.

De acordo com as necessidades do projeto, os antigos edifícios de Ban Saint-Jean podem vir a ser demolidos, total ou parcialmente.

De acordo com as necessidades do projeto, os antigos edifícios de Ban Saint-Jean podem vir a ser demolidos, total ou parcialmente. © Créditos: Marc Wilwert/Luxemburger Wort

O autarca de Denting levanta o véu sobre o projeto. "O parque fotovoltaico está projetado para 25 hectares, onde se encontram os edifícios, porque se trata de um terreno baldio militar. Está previsto demolir as casas dos oficiais e dos sargentos, mas manter as caves porque existem colónias de morcegos. As estruturas dos painéis não serão afundadas no solo, vão estar apoiadas em estruturas colocadas no solo. E obviamente a área do memorial da estela será preservada, uma vez que a terra e o acesso à mesma ainda pertencem ao exército".

Do lado da RWE, Simon Vandenbunder, consultor, é menos assertivo e mais cauteloso, tendo em conta o precedente da força do vento. "O resultado final e, por conseguinte, as variantes não são fixadas nesta fase. As variantes alternam entre 5 MWp - cerca de 5,6 GWh, equivalente ao consumo de 1.150 casas ou 2.600 habitantes - e 19 MWp - cerca de 21 GWh, equivalente ao consumo de 4.400 casas ou 10.000 habitantes", explica.

Irá a RWE contribuir financeiramente para o "desmantelamento" das casas, como se afirma num antigo documento da empresa guardado por Maurice Schmitt e Gabriel Becker? "No que diz respeito aos edifícios abandonados em Ban Saint-Jean, está prevista uma reunião com as autoridades nas próximas semanas. A medida será então dimensionada em relação ao impacto do projecto", continua Simon Vandenbunder.

Os encontros entre as várias partes envolvidas no projeto - RWE, o município, o Estado e as associações - deverão acontecer em breve para se avançar nesta matéria. Mas os dois membros da AFU são inflexíveis quanto à necessidade de manter todos os edifícios. "Destruir tudo isto é como enterrar a memória", defendeu Gabriel Becker.

Deserto militar ou santuário?

É evidente que existem duas visões radicalmente diferentes para o futuro de Ban Saint-Jean. Maurice Schmitt e Gabriel Becker, que admitem facilmente ser os mais intransigentes defensores da Associação Franco-Ucraniana, não querem ouvir falar de demolição ou requalificação do local. Pelo contrário. "Gostaríamos de salvar todos os edifícios", diz o primeiro. "Este campo é um vestígio da Linha Maginot e da história da Segunda Guerra Mundial, é um património local", acrescenta o segundo.

Gabriel Becker defende que devia ser solicitado aos promotores imobiliários a renovação das casas de outrora, agora invadidas pela vegetação. Maurice Schmitt é mais razoável. "Poderíamos proteger as casas e renovar duas ou três delas, ou até fazer um museu. Queremos continuar a desenvolver o trabalho de memória e pedagógico sobre Ban Saint-Jean. Claro que não somos ingénuos: isto tem um custo e a comuna de Denting não pode pagar por tudo. Existem fundos nacionais ou europeus para tal, mas é preciso fazer a candidatura...".

Gabriel Becker e Maurice Schmitt, membros da Associação Franco-Ucraniana.

Gabriel Becker e Maurice Schmitt, membros da Associação Franco-Ucraniana. © Créditos: Marc Wilwert/Luxemburger Wort

Os dois amigos acreditam que todo o campo deve ser classificado e protegido. E até escreveram uma carta nesse sentido à Direção Regional dos Assuntos Culturais em 2022. Mas a resposta de Josiane Chevalier, burgomestre da região d Grande-Este, frustrou as suas esperanças: "Esta memória (de Ban Saint-Jean), consagrada hoje pela história, assume uma natureza intangível que não está prevista no processo de proteção de monumentos históricos", escreveu. As palavras "natureza intangível" utilizadas deixam os dois membros da AFU furiosos.

Burgomestre de Denting teme acidente

O autarca François Bir também não aceita tal classificação. "Se este fosse o caso, nada poderia ser feito à sua volta, tudo seria limitado". Por outro lado, o projeto fotovoltaico não se opõe ao facto de preservar algumas casas. "Vamos tentar preservar algumas delas, para a memória do local. Mas não é possível preservar todas."

François Bir sublinha ainda que a demolição das casas em ruínas "retiraria um fardo à comuna. Algumas casas foram ocupadas no passado, pessoas e mesmo crianças ainda andam por lá, apesar de ser proibido e, sobretudo, perigoso. Tenho sempre medo de um acidente. E com o bom tempo a chegar, as pessoas vão voltar".

François Bir não questiona o passado trágico da Ban Saint-Jean. "Estou bem ciente das mortes que ocorreram aqui durante a guerra. Mas também houve famílias que viveram aqui durante anos após a guerra". Bir faz assim uma distinção entre o espaço memorial onde se encontram as valas comuns e o campo, que define hoje como um deserto militar, na esperança de o converter numa central solar. "Os dois podem coexistir perfeitamente", reitera.

Para Gabriel Becker e Maurice Schmitt tal divisão não faz sentido. Na opinião de ambos, Ban Saint-Jean deveria ser apenas um espaço histórico: "O município não percebe que tem nas mãos um lugar extraordinário de memória".

(Reportagem publicada originalmente no Virgule e editado para o Contacto por Filipa Matias Pereira.)