O que significa o Dia da Vitória para o regime russo de Putin?
Este ano, as comemorações russas do Dia da Vitória – que assinala a derrota do regime nazi, na Segunda Guerra Mundial – assumem simbolismo particular, com uma parada militar para demonstrar o seu poderio bélico.
Se Putin ainda for Presidente da Rússia em 2036, terá completado 36 anos no Kremlin, mais do que Estaline, que foi Presidente durante 29 anos. © Créditos: Vladimir Astapkovich / AFP
Eis uma lista de perguntas e respostas sobre as comemorações do Dia da Vitória.
O que assinala o Dia da Vitória?
O Dia da Vitória comemora a vitória europeia dos Aliados sobre o regime da Alemanha nazi, no final da Segunda Guerra Mundial, em 8 de maio 1945. Nos países sob influência da antiga União Soviética, a partir de 1967, o Dia da Vitória começou a ser comemorado nos dias 9 de maio, referindo-se ao dia da capitulação das forças nazis perante as tropas soviéticas, e passou a ser considerado um dia feriado. Na maior parte dos países europeus ocidentais, continuou a celebrar-se o Dia da Vitória em 8 de maio.
Que significado tem o Dia da Vitória de 2022 para a Rússia?
Nas últimas semanas, os serviços de informações ocidentais passaram a mensagem de que o Kremlin gostaria de celebrar o dia 9 de maio deste ano com uma importante vitória na guerra na Ucrânia.
Contudo, nos últimos dias, as autoridades russas têm esvaziado as expectativas relativamente a um qualquer sucesso militar até ao Dia da Vitória, embora não abdiquem de celebrar a data com a pompa e circunstância de outros anos, aproveitando para organizar uma parada militar na Praça Vermelha, em Moscovo, para expor o seu poderio de armamento.
Nem durante os difíceis anos da pandemia de covid-19, em 2020 e 2021, a Rússia deixou de celebrar o Dia da Vitória, apenas concedendo o adiamento dos festejos.
Que festejos estão a ser preparados na Rússia para o Dia da Vitória deste ano?
Em plena invasão da Ucrânia – que o Presidente Vladimir Putin apelidou de “operação militar especial” – o Kremlin prometeu uma parada militar para o dia 9 de maio com mais de 10 mil soldados, 62 aviões de combate e 15 helicópteros de guerra.
Durante as cerimónias, está programado que oito aviões de caça Mig-29 escrevam no céu a letra Z, símbolo adotado pelos apoiantes da invasão russa da Ucrânia.
Durante os preparativos para a celebração deste ano na Rússia, no final de abril, as ruas do centro de Moscovo foram encerradas para deixar passar dezenas de veículos militares que ensaiavam a parada de dia 9 de maio.
À cabeça da longa fila de veículos, destacavam-se os que transportavam mísseis de longo alcance, capazes de transportar ogivas de armas nucleares.
Que outras antigas repúblicas soviéticas ainda celebram o Dia da Vitória?
A maioria das repúblicas que pertenceram à União Soviética, bem como vários países que estiveram sob a sua influência, ainda hoje celebram este dia, com diferentes designações e com diferentes modelos (alguns preservam o dia de feriado, outras apenas o recordam com pequenas festividades).
Este ano, por causa da guerra na Ucrânia, vários países estão a planear celebrações mais modestas e discretas.
No caso da autoproclamada república separatista da Transnístria, na Moldova, a parada militar de 9 de maio foi mesmo cancelada, após uma série de ataques terroristas que indiciaram a possibilidade de a intervenção militar russa se poder alargar para este território.
As celebrações russas do Dia da Vitória deste ano vão ter convidados internacionais?
O Kremlin já justificou com o facto de não se tratar de uma “data redonda” a ausência de convites a personalidades de outros países para assistirem à parada militar em Moscovo.
Em 1995, quando da celebração dos 50 anos da vitória europeia da Segunda Guerra Mundial, muitos líderes mundiais convergiram em Moscovo, naquele que era o primeiro grande evento estatal após a queda do Muro de Berlim.
Em 2015, na comemoração dos 70 anos, estiveram presentes os presidentes de países como a Índia e a China, mas a maioria dos líderes ocidentais boicotaram a cerimónia, por causa da anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014.
Em 2020, as celebrações dos 75 anos do Dia da Vitória foram adiadas por causa da pandemia de covid-19.
Que significado atribui o Presidente Putin ao Dia da Vitória?
Vários analistas concordam que Putin vai apostar nas manifestações de 9 de maio como uma demonstração do poderio militar russo, ao mesmo tempo que procurará aproveitar a ocasião para modelar a sua narrativa de líder que foi obrigado a envolver-se numa guerra na Ucrânia para proteger os interesses da população de língua russa.
A quantas celebrações do Dia da Vitória poderá Putin ainda presidir?
Em 2021, Putin assinou uma lei que lhe permitirá continuar no cargo de Presidente da Rússia durante mais 14 anos, até 2036.
Se conseguir esse feito, nesse ano de 2036 Putin terá completado 36 no Kremlin, mais do que Estaline, que foi Presidente durante 29 anos.
A Rússia conseguirá reivindicar sucesso militar na Ucrânia até ao Dia da Vitória?
O Kremlin já reconheceu que não tem condições para reivindicar um sucesso militar na Ucrânia até às celebrações do Dia da Vitória, pelo que começou a desvalorizar a data, segundo analistas ouvidos pela Lusa.
Em final de abril, a página oficial na rede social Facebook das Forças Armadas ucranianas citava o “trabalho de propaganda que está a ser distribuído entre as tropas da Federação Russa, que impõe a ideia de que a guerra deve terminar até ao dia 9 de maio”.
A data apontada coincidia com a celebração do Dia da Vitória – que assinala a capitulação do regime da Alemanha nazi perante as forças soviéticas, em 9 de maio de 1945, no final da Segunda Guerra Mundial – que há várias décadas o Kremlin festeja com uma parada militar destinada a manifestar o seu poderio bélico.
Nas últimas semanas, contudo, o Kremlin começou a desvalorizar a relevância desta data para o curso da “operação militar especial” na Ucrânia, expressando a mensagem de que a invasão não está dependente de “marcos no calendário”.
“Nem que o quisesse, o Kremlin não tem possibilidades no terreno para reivindicar qualquer vitória assinalável na Ucrânia, até 9 de maio. A realidade militar é tudo menos favorável, nesta altura”, disse à Lusa Julian Waller, investigador do Centre for Naval Analysis, um centro de estudos militares no estado da Virgínia, EUA, e profundo conhecedor das estratégias militares russas.
“No entanto, não estou a defender que a Rússia não tente chegar a 9 de maio com uma ambição de visível progresso nos seus avanços militares na Ucrânia. O que digo é que, mesmo que reclame vitórias pontuais na zona de Donbass – onde está a instalar um poderoso dispositivo de guerra – o Presidente russo (Vladimir Putin) não vai querer fazer do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial um novo Dia da Vitória na Ucrânia”, explicou Waller.
No início deste mês, o ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, durante uma palestra na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), avisou que a crise militar e política provocada pela Rússia poderá estender-se “por dois ou três anos”, bem para além do 9 de maio.
Esta perspetiva é partilhada por Cristina Rivera, investigadora de Conflitos Internacionais na Universidade de Salamanca, para quem a guerra na Ucrânia ainda está na sua fase preliminar, com a Rússia a colocar as suas pedras no tabuleiro de xadrez mundial.
“Tratando-se de um regime autoritário, centrado numa personalidade forte como a de Vladimir Putin, as datas simbólicas têm importância. Mas, para o Presidente russo, o mais importante é garantir que daqui a um ano ele ainda estará no palco presidencial para assistir a mais uma parada militar. E, para isso, ele não pode perder esta guerra”, disse à Lusa a investigadora espanhola.
“É uma questão de sobrevivência, para Putin. Ele precisa de, num destes dias, declarar um sucesso militar. Esse será o seu Dia de Vitória, mas ainda não será agora”, explicou Rivera.
Para Julian Waller, este mês de maio será crucial para a posição militar russa na Ucrânia, em termos de recomposição e de refrescamento das tropas, pelo que os estrategos de Putin o devem estar a aconselhar a não apressar nenhuma operação.
“Este será o mês crucial para as forças russas reagruparem, reorganizarem-se e prepararem uma nova etapa do conflito, agora mais centrado na zona de Donbass, onde devem tentar consolidar as suas posições”, explicou o analista militar.
Num artigo escrito em 2015 - quando das celebrações dos 70 anos do Dia da Vitória e poucos meses depois da anexação da Crimeia pela Rússia - Wladislaw Inosemzew, investigador do Conselho Alemão para as Relações Internacionais, defendia que o Kremlin deveria aproveitar a data de 09 de maio não para promover o seu poderio militar, mas para recordar os seus soldados que morreram na Segunda Guerra mundial.
“Enquanto a Rússia mantiver uma reivindicação exclusiva sobre a história soviética, esse legado não pode servir como fonte de verdadeiro patriotismo. Para tal, deve tornar-se uma história de povos, e não de governos”, defendia Inozemtsev, para argumentar que o Dia da Vitória nunca poderá servir para o Kremlin se impor sobre outros países.
“Mas Putin gosta de se reinventar e de reinventar a história da Rússia. Por isso, não será de estranhar que queira recriar o Dia da Vitória à luz do seu papel na tentativa de reunificação da antiga União Soviética, mesmo que isso implique a ameaça à soberania de países como a Geórgia ou a Ucrânia”, defendeu Cristina Rivera.