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Seca prolongada

O primeiro verão (mais seco) do resto das nossas vidas

Passámos ao novo anormal. Um relatório do Observatório Europeu da Seca refere que 44% da Europa está em seca prolongada, uma situação única em décadas.

O rio Loire, em França, está no nível mais baixo, após as ondas de calor que têm assolado a Europa desde o início do verão.

O rio Loire, em França, está no nível mais baixo, após as ondas de calor que têm assolado a Europa desde o início do verão. © Créditos: AFP

Jornalista

Passámos ao novo anormal. Um relatório do Observatório Europeu da Seca refere que 44% da Europa está em seca prolongada, uma situação única em décadas. Com o ciclo da água do planeta a mudar e as várias ondas de calor é preciso olhar para a água como matéria preciosa. Em vários países as medidas intensificam-se. E já se prevê corte de água às populações.

Há um novo uso para a expressão “o novo normal” que já não tem nada a ver com as restrições e o caos da pandemia. O novo normal deste verão de 2022, é o facto de os europeus terem percebido que se vão ter que habituar a temperaturas extremamente altas e baixa pluviosidade, mesmo a norte, e à sua terrível consequência, que é a seca.

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A falta de água afeta sobretudo a agricultura, diminui o recurso escasso que é a água potável e pode eventualmente tornar impossível o trânsito nos grandes rios europeus onde a navegabilidade está já agora a ser posta em causa. Esta é a seca mais severa na Europa em décadas, e com as temperaturas médias a baterem recordes todos os anos, os meteorologistas temem que esta década assista a outros verões extremamente secos, que se seguem a invernos pouco chuvosos, resultando em albufeiras e bacias hidrográficas com níveis preocupantes de reserva. E as temperaturas das várias ondas de calor que fustigam a Europa têm causado incêndios incontroláveis, em quase em todos os países da UE.

Nos últimos anos, cientistas têm dito que as alterações climáticas podem levar a secas intensas na Europa, com todo o seu arsenal de horrores: incêndios, fome, perda de biodiversidade e deslocação de populações, a não ser que se pare o mais depressa possível a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera e se reveja a forma como olhamos para a água.

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Menores colheitas e pedido de menos metas ecológicas

Com a guerra na Ucrânia – e embora comecem a sair cargueiros com cereais dos portos do Mar Negro – a crise alimentar mundial está nos pesadelos de muita gente. A Comissão Europeia prevê que a colheita de cereais seja este ano 2.5% mais baixa que o ano passado devido a uma outra infelicidade que coincide com a guerra às portas da Europa: a falta de chuva e o calor extremo.

Um segundo efeito secundário da seca e da guerra na Ucrânia: os ministros da Agricultura dos 27 estão a pedir que se esqueçam as medidas ecológicas já aprovadas na recente reforma da Política Agrícola Comum (PAC): incluindo a redução de pesticidas para 50% em 2030, a reserva de terrenos para zonas baldias e a rotação de culturas. Os ecologistas dizem que isto seria um verdadeiro tiro no pé no Green Deal europeu.

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Meu terrível mês de julho

O mês de julho terminou com um histórico desencorajador. O Observatório Europeu de Seca calculou que 45% do território do bloco estava em alerta de seca já a meio de julho, e 15% dos quais em alerta vermelho. Segundo o relatório, o final da primavera e o início do verão de 2022 caracterizaram-se por “situações anticiclónicas anormais” sobre quase toda a Europa Central e Ocidental.

A “anormalidade” não atingiu apenas a Europa, mas parece “fazer parte de um padrão global que simultaneamente afetou outras regiões na Ásia e América do Norte”. A seca que se vive em vários países do continente, foi motivada por vários fatores de larga escala, como fraca precipitação, ondas de calor, e alterações na circulação atmosférica.

As regiões mais afetadas por falta de chuva no segundo trimestre de 2022 foram a zona central de Itália, grande parte da Polónia, Ucrânia, Eslováquia, Hungria, Roménia e Moldávia e a bacia do Mediterrâneo. Na primeiro trimestre do ano, a falta de precipitação sentiu-se grandemente no sul de Itália, França, Europa Ocidental e grande parte dos balcãs.

A análise publicada no final de julho pelo centro europeu que reúne os serviços do satélite Copérnico e do Observatório da Seca (o Joint Research Center) concluiu que “uma assombrosa porção da Europa (UE e Reino Unido) , 44%, está atualmente exposta a aviso de seca, e em alerta, 9% (também a UE e o Reino Unido). Os perigos são associados a degradação dos solos e stress para a vegetação.

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Depois de uma primavera atípica – a tal falta de precipitação – seguiram-se as vagas de calor. A quebra de precipitação foi entre 19% e 22% a menos do que a média dos últimos 20 anos.

Portugal, Espanha e Itália terão que lidar com estas colheitas menores

O caudal dos rios em muitos países foi severamente afetado e o armazenamento de água encontra-se esgotado, o que no texto emitido pela Comissão se refere que , “vão ser necessárias medidas de emergência extraordinárias nos países afetados”. A vegetação está em stress acrescido nos países onde menos choveu, como é o caso das planícies italianas, em toda a França, na Alemanha Central e na Hungria ocidental, e em Portugal e Norte de Espanha. “Múltiplos países estão expostos a níveis de seca muito elevados”, conclui o relatório.

A falta de água e o calor excessivo estão a causar danos nas colheitas. Portugal, Espanha, Roménia e Itália terão que lidar com estas colheitas menores. Mas a situação também vai ter impacto na Alemanha, na Polónia, na Hungria, na Eslovénia e na Croácia. Mas não só as colheitas sofrem. O dano também é sentido entre os vários animais selvagens que vivem condições extremas, para lá da sua capacidade de adaptação.

As previsões desfavoráveis para os próximos meses podem comprometer o fornecimento de água “e irão certamente manter alta a competição por este recurso”. Além da agricultura, a produção de energia hidroelétrica está a ser afetada em quase todos os países da UE.

Na publicação sobre a situação na Europa do Observatório Europeu da Seca, a Comissão Europeia recomendou que agora “embora as estratégias de mitigação passem a ser da maior importância, também é importante combater a causa que está na base do problema: as alterações climáticas e a disrupção do ciclo da água do planeta.

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Mais esforços são necessários também para preventivamente adaptar para os padrões climáticos alterados”, sustenta o texto da Comissão e exemplifica que é preciso criar sistemas energéticos à prova das variações climatéricas, ou seja, não dependendo tanto de fontes hidroelétricas, que com a baixa de precipitação poderão ser cada vez menos confiáveis e aplicar soluções “mais sustentáveis para a agricultura”.

Ao jornal Politico, Fred Hattermann, hidrologista do mais considerado centro de investigação o Clima na Europa, o Potsdam Institute for Climate Impact Research, salientou que “para a agricultura, as coisas já estão más. As florestas estão enfraquecidas. Muito teria que acontecer para as coisas melhorarem”. Mas aprevisão é que continuem grandes calores.

No Reino Unido, em julho, pela primeira vez foi emitido um “alerta vermelho” por as temperaturas atingirem os 40ºC, com, por exemplo, uma pista do aeroporto de Gatwick fechada, por o alcatrão estar a soltar-se. Entretanto, a Thames Water, que abastece 15 milhões de pessoas no Reino Unido, incluindo a população de Londres, vai considerar restrições ao uso de água.