Missão europeia à América Latina para travar o fluxo de droga na fonte
O porto de Antuérpia, na Bélgica, tornou-se um centro de receção de droga para toda a Europa. A Comissão Europeia e o governo belga vão lançar várias medidas para diminuir o tráfico crescente e a criminalidade violenta associada. É a guerra às drogas, versão europeia.
(Imagem de arquivo) © Créditos: AFP
O tráfico de cocaína na UE está a aumentar e é estimado em pelo menos 10 mil milhões de euros anuais. O lucro deste negócio ilícito “vai diretamente para grupos de crime organizado”, disse esta terça-feira a comissária europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson, numa visita ao porto de Antuérpia onde o governo belga e a Comissão apresentaram os planos para o combate ao crime organizado sustentado no multimilionário tráfico de droga.
Os números são assustadores. E os de Antuérpia, disse Ylva Johansson, “são muito preocupantes”. Nos últimos anos, o porto da capital flamenga, na Bélgica, tornou-se o principal destino da carga de droga vinda da América Latina e que depois é distribuída pela Europa. ´
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A ministra belga do Interior, Annelies Verlirden recordou que em 2022 foram apreendidas 110 toneladas de cocaína “sendo provavelmente, apenas uma fração do que passa pelo porto”. Mas o tráfico de droga tem múltiplas consequências. Uma delas é “a violência trágica a que assistimos nos últimos meses”, disse Verlirden, recordando a morte de uma menina de 11 anos, em janeiro, apanhada num tiroteio entre gangues, no distrito de Antuérpia.
A disputa entre criminosos e polícia tem sido um jogo do "gato e do rato", sem fim àa vista. Também em 2022 foram iniciados pela polícia de Antuérpia “222 casos relacionados com droga e foram detidas 310 pessoas. A polícia marítima deteve 145 pessoas, entre as quais 133 cobradores dos gangues de drogas”, disse a ministra belga. Nada disto se passa sem sofrimento colateral.
Ylva Johannsson salientou que “hoje a ameaça à sociedade pelo crime organizado é tão grande como a ameaça terrorista. Temos de lutar contra ele com a mesma determinação. A ameaça terrorista continua alta e a necessidade de cooperação e recursos é clara, mas em termos de impacto nas ruas e nos bairros, o crime organizado e o tráfico têm um impacto constante”. E os grandes grupos de crime organizado, tentaculares e internacionais, “usam a corrupção e infiltram a economia”.
90 ataques à bomba, 388 tiroteios, 61 mortos
No ano passado, houve 90 ataques à bomba, 388 tiroteios e morreram 61 pessoas, por causa da criminalidade ligada à droga. Os criminosos não se detêm nem temem as autoridades, pelo contrário, ameaçam-nas: “Houve Estados-membros onde ministros foram ameaçados, como aqui na Bélgica e na Holanda”.
A ameaça dos grupos de crime organizado é, no entender de Johansson, generalizada: “Porque digo que estes grupos são uma ameaça tão grande para a nossa sociedade? Porque vejo a segurança como a cola para uma sociedade coesa. E quando se tem estas mortes na rua, quando há crianças que são mortas nas ruas, quando os cidadãos sentem que o seu bairro não é seguro, isto é um veneno contra a confiança. Por isso tem de ser prioridade lutar contra estes grupos”.
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É uma resposta a nível da União Europeia que tem de ser dada. A presidência sueca já enumerou a luta contra o crime e tráfico como uma das prioridades durante o seu mandato à frente da presidência da UE (o primeiro semestre de 2023) e quando a Bélgica estiver a liderar o Conselho Europeu, no primeiro semestre de 2024, Verlirden promete que a luta contra os gangues de droga vai também estar no topo da lista.
Onde estão os barões da droga?
Sendo o crime organizado e o tráfico de droga cada vez mais internacionais, é no xadrez global que a luta se tem de fazer também, defende a responsável. “Têm sido feitos grandes esforços para prender criminosos e traficantes e para detetar contentores com droga, mas o que serve [tudo isto] se dezenas de toneladas são carregadas em contentores na América do Sul para que os barões da droga possam continuar as suas vidas luxuosas no Dubai e se jovens europeus são persuadidos a traficar por umas centenas de euros?”, enunciou a ministra Verlirden.
É precisamente para atacar o problema na fonte que a ministra Verlirden e a comissária Johansson vão liderar uma equipa que irá no fim deste mês ao Equador e à Colômbia para agilizar com as autoridades destes países maneiras de acabar com o problema.
A ligação entre os cartéis da América Latina e os gangues na Europa, sobretudo em relação ao tráfico de cocaína, é cada vez mais estreita. Na Europa, o lucro é maior do que nos EUA. “Um quilo de cocaína na América Latina custa mil euros, mas aqui na Europa pode ser vendido por 35 mil. Gangs na Bélgica e na Holanda e mafias vindas da Albânia, do Kosovo e da Bulgária têm ligações extensas com a América Latina”, explicou Johansson. A maior parte da droga que chega a Antuérpia sai do porto de Guayaquil, no Equador, que a equipa da UE vai visitar. “Vejo esta missão como um passo na cooperação internacional, e isto é absolutamente necessário”, sublinhou Johannsson.
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Numa recente operação policial com o nome ‘Luz do deserto’, conduzida pela polícia belga e pela Europol, foram detidas quase 50 pessoas “incluindo dois alvos de grande valor baseados no Dubai”, contou a comissária dos Assuntos Internos. “Esta ação contra o super-cartel que estava a controlar um terço da distribuição de cocaína na UE mostrou-nos a escala do desafio”, disse. Mostrou ainda que os grandes barões da droga estão à distância a controlar os seus negócios, a desfrutar dos prazeres da vida nos Estados do deserto e seguros nesses países que não os extraditam.
Annelies Verlirden salientou que embora a Bélgica tivesse assinado em 2022 um memorando de entendimento com os Emirados Árabes Unidos para intensificar a colaboração com a polícia, “no entanto, as extradições ainda não acontecem”. E esta é uma situação que tem de mudar depressa, disse, “se países terceiros querem continuar a ser parceiros privilegiados da nossa União, devem cumprir compromissos neste aspeto”.
“É preciso uma rede para lutar contra uma rede”
Na primeira visita de um comissário europeu ao porto de Antuérpia, Ylva Johansson salientou que no mandato da Comissão a que pertence “já foram apresentadas várias ações. A cooperação europeia está a obter resultados e deve ser reforçada”. Desde 2000 já foi apresentada a estratégia para lutar contra o crime organizado, em abril de 2021; em outubro de 2022 foi apresentado um pacote sobre lavagem de dinheiro e este ano foi proposto o reforço do mandato da agência policial de combate à droga (que deverá ser aprovada até ao verão).
Em junho de 2022, a Europol, a rede de coordenação de polícias, teve um mandato reforçado, que lhe deu capacidade de estender a sua ação ao tráfico. Toda esta coordenação a nível europeu e entre fronteiras é necessária, porque, como disse Johansson “é preciso uma rede para lutar contra uma rede, uma vez que quase todas estas organizações criminosas são internacionais”.
O plano belga: um czar antidroga e reforço de dinheiro e polícia
Com a maior porta de entrada da droga para a Europa, através do porto de Antuérpia, a Bélgica tem um sério problema de combate à criminalidade organizada. Annelies Verlirden disse que o seu governo irá reforçar a presença policial no porto de Antuérpia e a partir da próxima semana serão libertados sete milhões de euros para comprar scanners para a polícia aduaneira. Vai ser também nomeado um comissário especial contra o tráfico de droga. Além disso, a Bélgica vai criar um grupo que inclui ministros holandeses e as grandes empresas privadas de transporte marítimo.
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A Bélgica apresentou ainda uma proposta de confiscar os lucros da droga que está ainda por aprovar pelas instituições europeias, mas que a Comissão vê com bons olhos. Além disso, o país criou uma coligação com a França, os Países Baixos, a Espanha, a Alemanha e Itália para acelerar a colaboração contra o crime organizado. Esta entidade será acompanhada pela Comissão Europeia e pela Eurojust, a agência europeia de justiça criminal.