Governo Bolsonaro investigado “por crimes de genocídio” contra indígenas
O juiz Luis Barroso disse na sua decisão que diferentes documentos que analisou "sugerem uma situação absoluta de insegurança para os povos indígenas envolvidos, bem como ações e omissões por parte das autoridades federais que a agravaram".
Os casos de subnutrição e malária na reserva dos Yanomami, a maior do Brasil, dispararam nas últimas semanas © Créditos: Michael DANTAS/AFP
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ordenou na segunda-feira a abertura de uma investigação contra o Governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro “por crimes de genocídio” de comunidades indígenas.
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Em comunicado, o STF ordenou “a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima apurem a possível participação de autoridades do governo Jair Bolsonaro na prática, em tese, dos crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas”.
A decisão foi anunciada dez dias após o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter declarado uma "emergência sanitária" na reserva Yanomami, a maior do Brasil, com cerca de 27.000 indígenas em quase 10 milhões de hectares, devido ao "abandono" que sofreram e ao número crescente de mortes e hospitalizações de indígenas devido à fome e a várias doenças.
O magistrado citou um relatório que recebeu da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil sobre a "grave situação humanitária" que os Yanomami estão a viver devido à desnutrição, à propagação da malária, às elevadas taxas de mortalidade e à contaminação dos seus rios pelo mercúrio utilizado pelos mineiros ilegais.
Retirada de mineiros ilegais não foi cumprida
O juiz Luis Barroso disse na sua decisão que diferentes documentos que analisou "sugerem uma situação absoluta de insegurança para os povos indígenas envolvidos, bem como ações e omissões por parte das autoridades federais que a agravaram".
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O magistrado citou possíveis atos de desobediência de decisões do Supremo Tribunal que ordenaram ao Governo a remoção dos quase 20.000 mineiros que operavam ilegalmente na reserva, bem como fugas das datas em que seriam realizadas as operações que permitiam a fuga dos mineiros.
Na mesma decisão, Barroso reiterou a ordem que emitiu em 2020 para que o Governo utilizasse as forças militares e policiais para remover todos os mineiros ilegais que operam nas reservas das etnias Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Arariboia, Mundurucu e Trincheira Bacajá.
Esta decisão foi emitida para impedir a propagação da covid-19 nas reservas indígenas e nunca foi cumprida pelo Governo de Jair Bolsonaro.
A este respeito, Barroso estabeleceu um prazo de 30 dias para o Governo de Lula da Silva apresentar um diagnóstico da situação das comunidades indígenas e um plano, com um calendário, para cumprir a ordem de retirar os mineiros ilegais das reservas.
Antes da decisão do Supremo Tribunal, o Ministério Público Federal (MPF) anunciou na segunda-feira que tinha aberto outro inquérito para determinar se as ações ou omissões do Estado contribuíam para a crise humanitária que os Yanomami estão a atravessar.
Alemanha atribui 200ME à preservação do ambiente no Brasil
Esta terça-feira, a Alemanha comprometeu-se com 200 milhões de euros para a projeto de preservação do ambiente no Brasil, incluindo a Amazónia, durante uma reunião em Brasília onde Lula da Silva garantiu que “não vai ter mais garimpo” ilegal.
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O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu o Chanceler alemão Olaf Scholz com honras de Estado, o primeiro líder estrangeiro a fazer uma visita oficial ao país desde que o antigo sindicalista regressou ao poder.
"É uma soma importante" e "vamos continuar neste sentido", disse Scholz numa conferência de imprensa, no Palácio do Planalto após o seu encontro com o Presidente brasileiro.
"Temos um grande objetivo em comum, que é avançar na proteção do clima, proteger a floresta tropical amazónica, e isto só é possível através da cooperação", acrescentou o chanceler alemão.
"O Brasil é o pulmão do mundo. Se tiver problemas, todos nós temos de o ajudar", disse.
Falando sobre a comunidade Yanomani, na Amazónia brasileira, que está a atravessar uma grave crise humanitária, de desnutrição aguda e surtos de outras doenças, muito por culpa da mineração ilegal, Lula da Silva disse que o Governo anterior “poderia ser tratado como um governo genocida”.
“Porque ele [ex-presidente Jair Bolsonaro] é um dos culpados para que aquilo acontecesse. Ele que fazia propaganda que as pessoas tinham que invadir o garimpo, que podia jogar mercúrio”, denunciou.
Está cheio de discurso dele falando isso. Então decidimos tomar uma decisão: parar com a brincadeira. Não terá mais garimpo. Se vai demorar um dia ou dois eu não sei, pode demorar um pouco, mas que nós vamos tirar vamos”, garantiu.
Fundo Amazónia estava suspenso desde 2019
Horas antes, também em Brasília, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e a ministra da Cooperação da Alemanha, Svenja Schulze, anunciaram o apoio da Alemanha, em 200 milhões de euros, para ações ambientais no Brasil.
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80 milhões de euros em empréstimos a juros reduzidos, 35 milhões de euros para o Fundo Amazónia, 31 milhões de euros em apoio aos estados da Amazónia para maior proteção florestal, 29,5 milhões de euros para um Fundo Garantidor de Eficiência Energética para pequenas e médias empresas, 13,1 milhões de euros para reflorestamento de áreas degradadas, 9 milhões de euros para apoio a cadeias de abastecimento sustentável e 5,37 milhões de euros para consultoria para o fomento de energias renováveis na indústria e no setor de transportes.
O Fundo Amazónia tinha sido criado em 2008 com doações da Alemanha e da Noruega, no segundo mandato de Lula da Silva à frente do Brasil, mas em 2019 o agora ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro ordenou a sua suspensão.
A Alemanha contribuirá com cerca de 30 milhões de euros, que serão destinados a dois projetos na Amazónia.
Um irá concentrar-se na promoção da economia ecológica e o outro irá apoiar ações destinadas a controlar a desflorestação.
O fundo tem atualmente cerca de 560 milhões de euros, que o novo Governo brasileiro irá resgatar e utilizar em programas a serem definidos pelo Ministério do Ambiente.
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Scholz foi o primeiro líder estrangeiro a fazer uma visita oficial ao Brasil desde a tomada de posse de Lula da Silva, chegou esta terça-feira a Brasília a partir do Chile, a segunda paragem da viagem que começou no sábado na Argentina.