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Empresa luxemburguesa envolvida no desaparecimento de dois ativistas no México

Uma empresa especializada na produção de aço na América Latina, sediada no Grão-Ducado, pode estar implicada no mistério.

Antonio Díaz Valencia e Ricardo Arturo Lagunes Gasca desapareceram em janeiro.

Antonio Díaz Valencia e Ricardo Arturo Lagunes Gasca desapareceram em janeiro. © Créditos: DR

Simon Laurent MARTIN

O México é certamente um dos países mais perigosos do mundo para os ativistas ambientais. Ali, grupos criminosos e altos funcionários corruptos não hesitam em ameaçar e atacar as comunidades com total impunidade, crimes que podem ir até ao desaparecimento forçado e assassinato. É neste contexto que se insere o sombrio caso do desaparecimento de dois ativistas ambientais mexicanos, ligado a uma empresa siderúrgica com sede no Luxemburgo.

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O caso remonta a 15 de janeiro, dia em que o representante da comunidade indígena Aquila, Antonio Díaz Valencia (71 anos) e o advogado especializado na defesa dos direitos humanos Ricardo Arturo Lagunes Gasca (41 anos) desapareceram ao longo da fronteira entre os estados de Colima e Michoacán. Surpreendentemente, o desaparecimento foi reportado após uma reunião sobre o não cumprimento de acordos relativos à exploração da mina de Las Encinas por parte de uma empresa siderúrgica.

A empresa que explora a mina, chamada Ternium, é um dos atores económicos mais poderosos da região e mesmo de toda a América Latina. No entanto, as suas atividades causam muitos danos ambientais e prejudicam o tecido social da região, o que já levou a muitos conflitos e violência dentro da própria comunidade. Nesse sentido, os dois homens estavam a lutar por uma compensação justa por parte da empresa.

Suspeitas de conluio com os cartéis

Para os familiares dos dois homens, não há dúvida de que a empresa esteve envolvida no seu desaparecimento súbito e brutal. "A empresa mantém relações com todos os atores locais, incluindo com os prováveis autores do desaparecimento", disse a irmã de Ricardo Arturo Lagunes Gasca numa conferência de imprensa. Alguns meios de comunicação também mencionaram suspeitas de ligações entre a empresa siderúrgica e o poderoso Cartel Jalisco Nueva Generación, um dos mais poderosos e influentes cartéis do mundo, ainda mais do que o não menos conhecido Cartel de Sinaloa.

Algumas testemunhas disseram aos jornais locais que os dois ativistas tinham sido ameaçados várias vezes por um membro da Ternium antes do seu desaparecimento. A 15 de janeiro, terão sido seguidos por vários homens num carro e numa mota, depois de saírem da reunião com a empresa. Os dois homens deslocavam-se numa carrinha pick-up branca, que foi encontrada abandonada na berma de uma autoestrada. Embora o veículo estivesse perfurado por balas, não foi encontrado sangue no interior.

Desde então, os dois homens ainda não foram encontrados. As famílias estão a fazer tudo para esclarecer os contornos desta tragédia. Foi lançado um aviso de desaparecimento, prometendo uma recompensa de 500.000 dólares (cerca de 474 mil euros) a quem possa fornecer informações para ajudar na investigação.

Um inquérito que pode envolver o Luxemburgo. Enquanto que os 18 locais de produção do gigante do aço se situam no continente americano e as suas duas minas estão no México, a sede da Ternium fica na capital luxemburguesa, num edifício na Boulevard Royal, na capital.

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Ministros pedem esclarecimentos

Naturalmente, todos os olhos se voltaram para a empresa, que respondeu às acusações com um simples comunicado de imprensa. A Ternium afirmou estar "a colaborar ativamente com as autoridades mexicanas, fazendo tudo ao seu alcance para encontrar as duas pessoas desaparecidas". A empresa disse estar "chocada" com os factos e expressou a sua "solidariedade" com as famílias de Antonio e Ricardo. "Negamos e rejeitamos publicamente qualquer especulação de que a Ternium ou [a mina de] Las Encinas esteja envolvida ou ligada aos desaparecimentos". A Ternium considera estar "profundamente comprometida com as comunidades em que opera".

É provável que ainda corra muita tinta sobre o desaparecimento dos dois ativistas, inclusive no Luxemburgo. Alertados pelos factos, os deputados Stéphanie Empain e Charles Margue (déi gréng) questionaram os ministros da Economia Franz Fayot e dos Negócios Estrangeiros Jean Asselborn (ambos LSAP) sobre o assunto. O relatório afirma também que os dois ministros enviaram uma carta à Ternium no final de janeiro pedindo explicações sobre o assunto. O Estado luxemburguês parece estar a levar este assunto muito a sério.

As Organizações Não Governamentais (ONGs), como a Frontline Defenders, que também se envolveram no caso. Foi também lançada uma petição exigindo justiça para os dois ativistas, que já reuniu mais de dez mil assinaturas.

O México é o país com o maior número de assassinatos de ativistas ambientais. De acordo com a ONG Global Witness, em 2021, 54 pessoas morreram em defesa das suas convicções, mais 30 do que em 2020.

(Artigo originalmente publicado no Virgule e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)