Eleições EUA. Impugnação anunciada entre uma sex-shop e um crematório
Até ao dia 20 de janeiro, data em que toma posse o novo Presidente dos EUA, quem manda é Donald Trump que não aceita os resultados das eleições presidenciais. Serão 11 semanas imprevisíveis .
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Aquilo que nasce torto raramente se endireita, o advogado de Ronald Trump, ex-mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani , convocou uma conferência de imprensa para denunciar as fraudes nas eleições nos EUA, que teriam roubado a vitória ao atual Presidente. A organização pensou ter marcado para a conferência de imprensa, uma sala de uma conhecida cadeia de hotéis, por nabice e ironia da história, a apresentação dos argumentos alegadamente judiciais dos republicanos foi feita num parque de estacionamento de uma florista com o mesmo nome, entalada entre um crematório e uma sex-shop que exibia na montras uma coleção de avantajados dildos, que distraíram a atenção dos jornalistas das curiosas alegações de fraude dos republicanos.
Donald Trump abandonou a Casa Branca para jogar golfe, no dia 7 de novembro de manhã, altura em que os canais de televisão reconheceram a vitória do candidato democrata, Joe Biden, por ter ganho os mandatos dos grande eleitores no estado da Pensilvânia.
O “pior candidato da história da política”, segundo as palavras do Presidente derrotado, acabava de vencer as eleições.
Apesar do tempo solarengo no seu campo de golf em Virgínia, a situação não é boa para o derrotado que se agarra desesperadamente a acusações não fundamentadas que a sua vitória teria sido roubada por uma gigantesca fraude eleitoral.
Por uma ironia em que a história é pródiga, a conferência de imprensa do advogado de Trump marcada inicialmente para o hotel Four Season de Filadelfia, decorreu de facto em frente de uma loja de produtos de jardinagem, com o nome de Four Season Total Landscping. Aí, entre um crematório e uma loja de produtos marotos, os homens de Trump, capitaneados pelo seu advogado Rudy Giuliani denunciaram a alegada fraude eleitoral e manifestaram a intenção de recorrer dos resultados das eleições presidenciais.
Apesar de algumas vozes nos republicanos secundarem as curiosas acusações do derrotado candidato, algumas vozes no partido republicano notam a bizarria do que é dito.
“Roubar centenas de milhares de votos requeria uma conspiração gigantesca à escala de um filme do James Bond”, comentou o trumpista Karl Rove, ex-assessor de George W. Bush.
Há muito tempo que a estratégia eleitoral de Trump se baseava em tentar impedir que os votos de correspondência, mais de 100 milhões nestas eleições fossem contados. Para isso, apelou para que os seus apoiantes fossem presencialmente às urnas, e sabendo que na maioria dos estados, os votos por correspondência são os últimos a ser contados, conseguir judicialmente impedir que muitos desses fossem considerados válidos.
Mesmo no seu círculo mais próximo há conselheiros que têm tentado, que a exemplo de todos os seus predecessores, Trump possa reconhecer os resultados das urnas. O atual Presidente não está disposto a conceder-lhes a razão. “Ganhei estas eleições e por muitos votos”, escreveu Trump no sábado na sua conta de Twitter.
Não é a primeira vez que o atual ocupante da Casa Branca não aceita os números saídos das urnas. Apesar de ter ganho a eleição, em 2016, dos grandes eleitores no colégio eleitoral que nomeia o Presidente, Trump sempre se negou a reconhecer que tinha tido menos três milhões de votos que Hillary Clinton, insistindo na ideia de uma fraude generalizada na contagem de votos no estado muito populoso da Califórnia. Por sua insistência foi nomeada uma comissão de inquérito que não encontrou, naturalmente, nada a esse respeito.
O candidato derrotado conta com o facto de o Procurador-Geral dos EUA ter sido nomeado por ele e que o Supremo Tribunal ter uma maioria esmagadora de juízes politicamente afetos aos republicanos. Mas mesmo com essa situação, se as acusações continuarem a não passar de invenções, os magistrados pouco poderão fazer para agradar quem lá os colocou.
De qualquer forma, o Procurador-Geral dos Estados Unidos autorizou, na passada segunda-feira, investigações por “alegações substanciais” de irregularidades na contagem dos boletins de voto, apesar da falta de provas de fraude.
A decisão do fiel William Barr surge dois dias depois de o candidato democrata, Joe Biden, ter derrotado o atual Presidente norte-americano e candidato republicano, Donald Trump, e aumenta as previsões de que o chefe de Estado vai utilizar o Departamento da Justiça para tentar impugnar o resultado eleitoral.
Contudo, não há quaisquer evidências de que tenha havido adulteração dos resultados. Apenas as acusações de Trump e a entoação destas imputações pelos apoiantes do Presidente.
No mesmo memorando enviado por Barr aos procuradores, ao qual a Associated Press (AP) teve acesso, diz-se que investigações “poderão ser conduzidas apenas se houver alegações claras e aparentemente credíveis de irregularidades que, a serem verdade, poderão impactar o resultado da eleição” ao nível federal num determinado estado.
Quem não parece acreditar em alegações feitas ao lado de crematórios e sex-shops, é o último Presidente republicano antes de Trump. George W. Bush já felicitou, no domingo, Joe Biden pela sua eleição. “Apesar de termos diferenças políticas, sei que Joe Biden é um bom homem, que ganhou a oportunidade de unir e liderar o nosso país”, afirmou este antigo Presidente num comunicado. Uma declaração tanto mais significativa quando é feita numa altura que os líderes republicanos no Senado e na Câmara dos Representantes insistem em endossar as acusações de Trump, que lhe “roubaram a eleição”.
“Acabo de falar com o Presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden”, começa desta forma o comunicado de George W. Bush, enviado domingo às 11.30 de Dallas e 18.30 no Luxemburgo. “Dei-lhe os meus votos de felicidades e agradeci-lhe a mensagem patriótica que deu no seu discurso de sábado à noite. Também tive a ocasião de saudar Kamala Harris pela sua eleição histórica como vice-presidente”. Bush recordou as palavras de Biden: “o Presidente eleito garantiu e reiterou que apesar de se ter apresentado como democrata, vai governar para todos os cidadãos dos Estados Unidos.”
Um calendário apertado
Até o dia 8 de dezembro todos os votos devem ser contados e recontados, e caso haja procedimentos judiciais eles devem ser resolvidos até essa data. Cada estado tem de apresentar um certificado da validade dos resultados eleitorais a que chegou. Este documento regista os votos que cada candidato teve, como o registo de todos os votantes, sendo enviado para o arquivo central dos Estados Unidos.
Esta etapa poderá ser este ano uma verdadeira corrida contra o tempo, devido ao número de queixas que é previsível que os republicanos enviem.
No dia 14 de dezembro, os grande eleitores eleitos por cada estado são apurados e reunido o colégio eleitoral composto pelos 538 eleitos. A sua decisão tem de ser transmitida ao senado dos EUA até ao dia 23 de dezembro.
Esta etapa deve decorrer sem surpresas, dado que contam-se pelos dedos da mão os casos de grandes eleitores que tenham votado diferentemente da indicação de voto da lista pela qual foram eleitos.
A 5 de janeiro, sabe-se quem tem maioria no senado. Juntamente com as presidenciais, os eleitores dos EUA elegem parcialmente o senado votando em 35 senadores, neste momento dá-se um empate de 48 eleitos para cada partido. No dia 5 de janeiro, dá-se a segunda volta dessas eleições na Geórgia e vai saber-se quem obterá a maioria na câmara alta do Congresso.
Este resultado será da maior importância, porque nenhuma lei pode passar sem a aprovação do senado. Se os democratas ficarem em minoria as possibilidades de ação do novo Presidente Joe Biden serão bastantes limitadas.
A 6 de janeiro, as duas câmaras do Congresso verificam os votos dos grandes eleitores, assegurando a validade do escrutínio que nomeia o novo Presidente. Para isso, o candidato nomeado tem que ter mais de 270 votos. Nessa altura, o atual vice-Presidente, Mike Pence, que preside à sessão, anuncia oficialmente o nome do novo Presidente dos EUA.
A 20 de janeiro dá-se a investidura oficial do Presidente dos EUA. O novo Presidente acompanhado pelo seu vice-Presidente jura sob a Bíblia a cumprir a Constituição. E é de seguida reconhecido oficialmente como o 46° Presidente dos EUA.
Enquanto espera por esse verdadeiro Dia D em janeiro, o Presidente recém-eleito pode preparar o terreno para as suas primeiras decisões políticas sem governar. Joe Biden já se comprometeu a criar uma célula de crise para o combate à covid-19 já na segunda-feira, 9 de novembro, composta por cientistas e peritos para trabalhar “num plano que entrará em vigor a partir de 20 de janeiro de 2021”. Biden tem também a oportunidade de receber briefings sobre segurança nacional daqui até à sua tomada de posse. Assim como um escritório e um orçamento.
As 11 semanas mais perigosas da história das transições
A derrota de Trump também coloca a questão de saber como usará Trump as últimas 11 semanas do seu mandato. Alguns analistas, citados pelo Guardian, acreditam que poder ser o período mais perigoso da história dos EUA, este período de tempo antes da tomada de posse de Joe Biden a 20 de janeiro, durante o qual um Presidente vingativo pode causar estragos se optar por fazê-lo.
“Se Trump perder o poder, passará os seus últimos 90 dias a destruir os Estados Unidos como uma criança maliciosa com uma marreta numa loja de porcelana”, afirma Malcolm Nance, um analista e veterano nos serviços de inteligência, numa declaração feita antes do resultado das eleições ser conhecido.
“É provável que vejamos a maior birra política da história. Ele pode decidir que quer sair com um estrondo, pode decidir não aceitar o resultado das eleições. Quem sabe o que um autocrata encurralado fará?”.