Como Elon Musk se tornou um herói nacional na Ucrânia
O bilionário dono da SpaceX e da Tesla enviou o seu inovador sistema de satélites de baixa altitude para garantir as telecomunicações que a Rússia mandou abaixo. Menos de uma semana depois da invasão, o Starlink estava a funcionar, permitindo operações militares e que Zelensky falasse para o mundo. Sem isso, a Ucrânia estaria perdida.
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O homem mais rico do mundo pode ser muito irritante e pretensioso, mas agora na Ucrânia, sobretudo entre os militares, ele é visto literalmente como um enviado das estrelas. Porquê? Por causa do Starlink, o sistema de comunicações por satélite propriedade da SpaceX, a companhia que Elon Musk criou para viagens interplanetárias.
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Quando vemos o presidente Zelensky a dirigir-se aos parlamentos e aos líderes mundiais - e a todas as conferências internacionais onde pode estar - ,quando os militares ucranianos lançam um ataque de drone contra as posições russas, ou quando os soldados da fábrica Azovstal conseguiram contactar e enviar vídeos para fora da cercada Mariupol, e quando os familiares retidos pela guerra contactam os que saíram, é o dedo bilionário de Musk e da sua rede de satélites a baixa alta altitude que está por trás.
O jornal sedeado em Bruxelas Politico contou esta quinta-feira a história de como o dono dos carros Tesla e dos foguetões da Spacex conseguiu, em questão de dias após a invasão, colocar o Starlink nos céus ucranianos. E a história está repleta dos pormenores deliciosos que podem reabilitar a sua reputação de patrão implacável que é contra o teletrabalho, e de orquestrador de uma operação agressiva de compra do Twitter para o tornar um local de livre expressão, incluindo de quem quiser usá-lo para fazer revoltas sangrentas, como Donald Trump. A imagem de Musk no mundo pode ser controversa, na Ucrânia não.
A guerra da informação a fazer parte da guerra
Como observa o Politico, os EUA, a União Europeia e vários países da NATO doaram biliões de dólares e euros em equipamento militar desde o início da guerra. Mas o Starlink tornou-se uma ajuda preciosa e uma vantagem única para a capacidade de resistência ucraniana – tanto nos campos de batalha, como “na guerra da opinião pública”, com muitos civis a enviarem vídeos dos bombardeamentos para as redes sociais. O que fez toda a diferença.
Sem o cluster de satélites do tamanho de uma mesa a voar a apenas 130 milhas (cerca de 200 quilómetros) do solo ucraniano e permitindo ligações de internet de alta velocidade, a Ucrânia estaria perdida no seu destino de ser invadida pela Rússia sem a comoção e a ajuda do Ocidente. Uma prova de que a guerra que se desenrola nas fronteiras da União Europeia é também uma guerra de informação e da narrativa que os ucranianos criaram. E a prova também de que o Espaço e a cibersegurança são agora parte central das estratégias de defesa – e serão uns dos pontos da agenda da cimeira da NATO no final do mês, em Madrid, que se prevê seja um acontecimento histórico. E onde Zelensky também “aparecerá”, e graças aos satélites de Musk.
Um tweet de Kiev para Musk a pedir os satélites foi a autorização oficial
Putin sabe perfeitamente quão importantes são as comunicações e por isso, como conta o Politico, apenas uma hora após ser iniciada a invasão da Ucrânia, no dia 24 de fevereiro, o Kremlin lançou um ciberataque contra o Viasat, o satélite americano que fornecia ligações ao exército ucraniano. O ataque terá acelerado as negociações que começaram semanas antes entre as autoridades em Kiev e a SpaceX, para trazer os satélites de Musk para o país. “O governo de Zelensky deu-se conta de que o acesso à internet – tanto para os militares como para os civis – seria fundamental se houvesse uma guerra”, escreve o jornal. E, de facto, tudo indicava que iria haver, dado a concentração há meses de tropas russas na fronteira, e os avisos dos serviços secretos americanos de que os militares não estavam em exercícios banais.
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A 26 de Fevereiro – dois dias depois de tanques com a letra Z atacarem – Mykhailo Fedorov, o vice-primeiro ministro ucraniano, enviou um tweet a Elon Musk a pedir-lhe para urgentemente mandar o equipamento do Starlink. Dois dias depois, o equipamento chegou. Fedorov descarregou no seu Twitter uma foto de um camião cheio de caixas cinzentas com os recetores do sinal de satélite lá dentro e escreveu “obrigada @Elon Musk”. Também na mesma rede, Musk respondeu publicamente congratulando-se por poder ajudar.
E segundo o jornal sedeado em Bruxelas, a Spacex - que tem o objetivo de lançar mais de 40 mil satélites em órbita baixa sobre a Terra nos próximos anos, rapidamente direcionou 50 satélites para a termosfera da Ucrânia. Era a primeira vez que na Europa, a SpaceX recebia uma autorização governamental para operar os seus satélites. “Eles mandaram um tweet a Elon e por isso ligámos os satélites. A nossa autorização não foi a carta de um ministro, foi um tweet”, disse Gwynne Shotwell, a vice-presidente da SpaceX. Tão simples quanto isto, sem burocracia, e à velocidade da luz, como Musk gosta.
Numa semana o sistema estava no ar
Segundo o Politico, a rapidez com que Musk enviou milhares de estações recetoras do tamanho de mochilas para os militares no teatro de guerra, impressionou a comunidade militar. E também a forma como a SpaceX tem conseguido manter o sistema à prova de bala dos constantes ciberataques russos. Até agora Putin ainda não conseguiu calar Zelensky, e isso deve deixá-lo furioso.
“Temos mais de 11 mil estações Starlink, e elas ajudaram-nas na nossa luta diária em todas as frentes”, disse Fedorov ao Politico. “E conseguimos, mesmo sem luz e sem internet fixa, através de geradores [para fornecer eletricidade ao sistema], restabelecer qualquer conexão na Ucrânia”.
Um representante de uma agência militar norte-americana descreveu a operação Starlink na Ucrânia, assim: A invasão deu-se numa quinta-feira. Na sexta-feira o bilionário telefonou e teve uma reunião com a agência militar de inovação americana a pedir ajuda para pôr o Starlink sobre a Ucrânia. No domingo, as ligações vindas do espaço estavam ativas e na segunda – com a ajuda da Polónia, para o transfer na fronteira – 500 terminais foram entregues na Ucrânia”. Na quarta-feira, portanto menos de uma semana desde que o ataque começara, 475 desses terminais estavam operacionais e a permitir comunicações em tempo real. “Isto é velocidade. É espantoso”, elogiou o responsável militar americano.
O que a Starlink traz de novo
Elon Musk tem dito repetidamente que este sistema será um back up para quando grandes desastres acontecerem, por exemplo devido às alterações climáticas, ou conflitos, que irão destruir as redes de comunicação terrestres. E a presença da Starlink no leste da Europa tem sido um teste de fogo e um cartão de visita da nova geração de satélites.
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Ao contrário dos satélites colocados na camada superior da atmosfera, e que funcionam em isolamento, a Starlink opera em constelação, o que torna mais difícil provocar a disrupção do sistema. Um satélite é atacado, os outros subsituem-no e a “rede” cá na Terra não vai abaixo. Além disso, segundo descreve o jornal, cada código pode ser rapidamente mudado para prevenir ataques maliciosos. Musk disse que a SpaceX está constantemente a reescrever os códigos de encriptação para estar um passo à frente dos hackers do Kremlin.
Quanto a quem paga a fatura, a SpaceX tem dito que foram privados que reuniram os cerca de 950 milhões de euros que custou o sistema de recetores de sinal enviados para a Ucrânia. Do seu próprio bolso, a empresa paga o acesso de internet, que custaria cerca de 100 euros por mês, para cada utilizador.
Quando a guerra acabar, disse Musk a Zelensky, ele estará entre os primeiros a visitar o país.