Brasileiros reagem a assalto ao Congresso. "O bolsonarismo é um cancro"
Brasileiros contam ao Contacto o que sentiram ao ver o ataque ao Congresso, em Brasília, no passado domingo. Reina a raiva, perplexidade e condenação dos responsáveis.
Invasão do Congresso em Brasília. © Créditos: AFP
As imagens da invasão às instituições que representam os três poderes de Brasília - o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF) - por parte de apoiantes do ex-presidente, Jair Bolsonaro, apanharam grande parte dos brasileiros de surpresa.
Mesmo após a tomada de posse do atual Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a ida de Bolsonaro para a Florida e o fim aparente da disputa presidencial, milhares de seguidores do antigo Governo tomaram a iniciativa de invadir propriedade estatal e causar danos irreparáveis, no que muitos consideram tratar-se de um "ato terrorista".
Ler mais:Brasil. Manifestantes invadem instituições obrigando a intervenção federal
Para o brasileiro Gustavo Almeida, 32 anos, atualmente a trabalhar como manager numa empresa em Lisboa, as imagens não deixam margens para dúvida. "É surreal ver um país tão grandioso e diverso ser atacado por uma parcela golpista e terrorista. Tanta arte, história e respeito perdido. Espero que os responsáveis sejam punidos de forma severa e definitiva", afirma ainda surpreendido com o que assistiu à distância.
Cerca de 1200 pessoas foram detidas, até ao momento, e o Presidente brasileiro fez questão de dizer que as pessoas que participaram deste ato de vandalismo "vão ser encontradas e punidas".
Sheila Durão, 55, assessora do Instituto de Estudos Avançados em Humanidades, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foca a sua consternação na figura do ex-presidente sem, no entanto, apoiar Lula da Silva. "A esquerda usurpou o Brasil sim, mas a direita, liderada pelo Bolsonaro conseguiu ser ainda pior. O retorno do Lula é culpa exclusiva do Bolsonaro, que não passa de um covarde que não sabe perder e que estimula e potencializa a discórdia e o que há de pior no ser humano. O bolsonarismo é um cancro com agressiva metástase e precisa de ser eliminado", diz a carioca.
Bolsonaro já reagiu às manifestações, mas comparou o momento com atos anteriores da esquerda. "Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra", escreveu no Twitter.
Perdas irreparáveis
Para Helena Alves, 37 anos, portuguesa a viver há uma década no Brasil e gestora cultural do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, importa ressalvar as consequências devastadoras deste ataque. "Cinco facadas numa obra do DiCavalcanti... são o pior da espécie humana. Não se pode subestimar a canalhice e a imbecilidade". Helena refere-se à pintura "As Mulatas", que estava no terceiro andar do Palácio do Planalto.
Outras obras também foram danificadas ou roubadas. O senador Randolfe Rodrigues (Rede Colaborativa em Gestão Pública-AP), denunciou o vandalismo num relógio dado de presente a Dom João VI, do século IX. "Acabei de chegar no Palácio do Planalto para receber o presidente Lula, o cenário é de caos! Obras de arte históricas foram destruídas, entre elas uma pintura de Di Cavalcanti e um relógio do Século XIX que foi dado de presente para D. João VI", escreveu nas redes sociais. Vídeos publicados mostram a dimensão dos estragos.
Tiro no pé
Para Dodo Azevedo, diretor e guionista brasileiro, esta iniciativa violenta dos bolsonaristas teve o efeito contrário ao desejado. "O ataque ao congresso foi uma ação de um tipo de extrem- direita que se diz antipolítica. Gente financiada por empresários do mercado, que é, em si mesmo, antipolítico. Acabou não conseguindo a adesão popular que esperavam ter, nem mesmo entre o povo que votou em Bolsonaro. Sem querer, sabotaram os próprios planos da extrema-direita."
Para além das centenas de pessoas já detidas pelas autoridades brasileiras, 40 autocarros que chegaram à capital brasileira com apoiantes de Bolsonaro também foram apreendidos.
Reações do mundo
O Presidente francês reiterou o apoio "incondicional" a Lula da Silva e ao atual Governo e que a "vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas devem ser respeitadas".
A deputada democrata americana Alexandria Ocasio-Cortez também reagiu aos acontecimentos nas redes sociais exigindo a responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro e a sua extradição dos Estados Unidos. " Quase dois anos depois do Capitólio dos EUA ser atacado por fascistas, vemos movimentos fascistas no exterior tentar fazer o mesmo no Brasil. Devemos ser solidários com @LulaOficial governo democraticamente eleito. Os EUA devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida".
Cortez não é a primeira ou a única a estabelecer a comparação entre o ataque ao Capitólio, em Washington, e o que se passou em Brasília. A invasão do Capitólio aconteceu a seis de janeiro de 2021, levada a cabo por apoiantes do ex-presidente norte-americano Donald Trump.
Um comité de investigação já confirmou a responsabilidade de Trump na incitação ao ódio e ao levantamento popular. Resta saber se o mesmo vai acontecer a Bolsonaro.