Bielorrússia e Irão. Os aliados ativos de uma Rússia que não controla a guerra
Disponibilizam território para tropas russas, fornecem drones e assumem uma aliança. O que ganham os dois aliados do Kremlin nesta guerra que a Rússia ainda não venceu?
Soldados russos © Créditos: AFP
Uma Rússia com dificuldade em manter-se forte na linha da frente da guerra com a Ucrânia conta com dois aliados ativos, a Bielorrússia e o Irão. A primeira afirma estar alinhada com a Rússia mas tem dúvidas sobre a sua capacidade para ganhar o conflito, enquanto o segundo nega qualquer envolvimento mas fornece drones e mísseis a Moscovo.
Vladimir Putin conta com estes dois países, com visões quase opostas, para ganhar o tão desejado controlo dos acontecimentos em solo ucraniano.
A norte, a Bielorrússia
Até nove mil tropas russas e cerca de 170 tanques serão destacados para a Bielorrússia, num agrupamento militar conjunto. Minsk nunca enviou soldados para a Ucrânia, no entanto, disponibilizou a Moscovo o seu território, de onde partiu uma das colunas russas durante a invasão da Ucrânia em fevereiro. De acordo com Kiev, Moscovo utiliza-o para bombardear a Ucrânia.
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O exército ucraniano falou na quinta-feira da "crescente ameaça" de uma ofensiva russa no norte. Mas a hipótese de uma intervenção direta por parte da Bielorrússia parece improvável.
As suas forças armadas estão "num estado lamentável", disse à AFP Giovanni Chiacchio, analista italiano, e são essencialmente constituídas por "recrutas sem formação ou motivação adequadas" e com equipamento de "fiabilidade altamente questionável".
Tadeusz Giczan, jornalista ucraniano e perito do Centro de Análise de Políticas Europeias (CEPA), comenta que os soldados russos envolvidos são "reservistas recentemente mobilizados" enviados para a Bielorrússia para satisfazer as enormes necessidades de treino do exército do Kremlin desde que Putin anunciou a mobilização no final de setembro.
Drones iranianos
No terreno, os drones fornecidos pelo Irão à Rússia têm sido alvo de fortes críticas (e até sanções) nos últimos dias.
Os russos utilizaram-nos para atacar as infraestruturas energéticas ucranianas. Moscovo fala de "conclusões infundadas" e começou por negar estes ataques.
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No entanto, um funcionário do Ministério da Defesa disse numa entrevista à televisão, quando pensava que estava já fora de ar, que "todos sabemos que são iranianos, mas as autoridades não o admitem".
Os drones "não fazem diferença na linha da frente, mas na campanha de terror russa", disse à AFP Ivan Klyszcz, investigador do Instituto de Política Externa em Tallinn, Estónia. Os Estados Unidos afirmaram na quinta-feira que "o pessoal militar iraniano esteve no terreno na Crimeia e ajudou a Rússia". Klyszcz acredita que a utilização de drones requer formação, quer na Rússia quer no Irão. "Dada a escala do destacamento, a resposta é provavelmente uma combinação de ambos", acredita.
Mísseis também?
O jornal norte-americano Washington Post mencionou o fornecimento de mísseis terra-terra iranianos à Rússia, mas o Irão negou a acusação.
"A entrega de Fateh 110 e de outras SRBMs de velha geração não altera realmente a situação. Os russos ainda têm Kalibr e Iskander", de muito melhor qualidade, afirmou também à AFP Pierre Razoux, diretor académico da Fundação Mediterrânica de Estudos Estratégicos (FMES). "Mas aumenta o limiar da letalidade".
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O Secretário-Geral da NATO reforçou esta ideia e, apesar de não divulgar "informações específicas", Jens Stoltenberg lembrou ao Irão que "qualquer fornecimento de mísseis constituirá também uma clara violação das resoluções do Conselho de Segurança da ONU".
Alexandre Grinberg, do Instituto de Segurança e Estratégia de Jerusalém (JISS), vê uma lógica muito clara para Teerão. "É um acordo vantajoso para todos", disse à AFP. "Para os russos, estes mísseis são muito mais baratos do que os seus próprios Kalibr, que estão a começar a esgotar-se. E os iranianos têm vindo a trabalhar há muito tempo na melhoria da sua performance. A guerra oferece-lhes um teste em tamanho real".
Ganhos diplomáticos
Como aliados de facto de Moscovo, Minsk e Teerão não têm os mesmos interesses nem a mesma relação com o Kremlin.
Isolado do Ocidente, desestabilizado por manifestações internas violentas, o Irão está a jogar várias cartas ao mesmo tempo. Não "é mais aliado com a Rússia hoje do que ontem, mas o seu governo é pragmático", sintetiza Razoux. "Precisa do Kremlin para combater os turcos e os azerbaijaneses no Cáucaso, para ter a última geração de caças e os mísseis de cruzeiro que os acompanham, para exercer pressão sobre Israel na Síria e para equilibrar a presença chinesa, que está a tornar-se muito forte.
Minsk, por outro lado, está a caminhar em terrenos movediços. O Presidente Alexander Lukashenko, no poder desde 1994, precisa do apoio de Moscovo mas tem pouco a oferecer. Chiacchio acredita que "90% dos bielorussos não apoiam a guerra na Ucrânia e que o chefe de Estado sobreviveu ao movimento de protesto de 2020 "graças à lealdade das suas forças armadas".
Para ter alguma influência na Ucrânia, Lukashenko "deveria mobilizar a sua população e chamar os 300 mil reservistas do seu exército", confirma Ivan Klyszcz. "Esta é uma linha que ele não irá atravessar, em nome da sua própria sobrevivência política", garante.