Contacto
Alterações climáticas

As novas teorias da conspiração sobre a seca

A vaga de calor que afetou países como Portugal e Espanha, com temperaturas máximas recorde em abril, está a originar algumas teorias nas redes sociais.

Massa de ar quente e seco proveniente do Norte de África provocou temperaturas máximas recorde no mês de abril em Portugal e em Espanha.

Massa de ar quente e seco proveniente do Norte de África provocou temperaturas máximas recorde no mês de abril em Portugal e em Espanha. © Créditos: AFP

Fonte: AFP

Aviões anti-chuva, barragens destruídas propositadamente, racionamento de água para subjugar ou controlar as populações: a vaga de seca que afeta o Mediterrâneo ocidental está a trazer à tona uma enxurrada de informações e de teorias da conspiração.

Uma massa de ar quente e seco proveniente do norte de África provocou temperaturas máximas recorde no mês de abril em Portugal e em Espanha, com 36,9 e 38,8 graus, respetivamente - níveis semelhantes aos de julho.

Em Marrocos, também foram batidos recordes locais, com temperaturas superiores a 41 graus em alguns locais. Na Argélia, as temperaturas ultrapassaram os 40 graus.

Ler mais:Verão na Europa pode ser ainda mais seco em 2023

Esta situação sem precedentes foi amplamente comentada nas redes sociais, em particular nos círculos conspirativos, que a consideram não uma consequência das alterações climáticas, mas sim a mão das autoridades, que, segundo eles, estão a tentar "subjugar" a população.

"Não há seca, há pilhagem", lia-se numa publicação no Facebook sobre a situação em Espanha. "A mudança climática é causada por eles" ao "destruírem" barragens e diques, acusavam outros utilizadores, detetados e desmentidos pelas equipas de verificação da AFP.

Estes relatos apontam para a destruição de barragens durante o governo espanhol de Pedro Sanchez, com um número recorde de infra-estruturas demolidas em 2021, de acordo com o coletivo Dam Removal Europe.

Ler mais:Como a seca está a mudar o Luxemburgo

Na realidade, a maioria destas instalações estava fora de uso e a sua demolição faz parte da estratégia da União Europeia para restaurar o livre fluxo de pelo menos 25.000 quilómetros de rios nos países europeus até 2030.

Quanto à seca, é uma consequência direta do aquecimento global, afirma Simon Mittelberger, climatologista da Météo France.

"Há um princípio físico muito simples: assim que há mais um grau na atmosfera, há mais 7% de água a evaporar-se no ar e, por conseguinte, menos 7% de água no solo ou nos lençóis freáticos", explica.

"Isto é catastrófico"

Bem conhecida dos especialistas em conspirações, a teoria dos "chemtrails", que tinha perdido força nos últimos anos, também ressurgiu.

Segundo os defensores desta teoria, já várias vezes desmentida, os rastos de aviões visíveis no céu são vestígios de produtos químicos espalhados deliberadamente por razões secretas, que mudam em função da atualidade. No contexto atual, diz-se que estes produtos químicos visam parar as chuvas e provocar a seca.

Ler mais:Ano de 2022 foi o segundo mais quente na Europa e o quinto mais quente no mundo

Em França, foi o anúncio do "plano de sobriedade" sobre a água por Emmanuel Macron, há algumas semanas, que voltou a colocar algumas peças na máquina da conspiração. Alguns relatos viram nesta "nova narrativa da seca e da falta de água" a vontade de "reforçar o controlo sobre as populações" através de "ferramentas de vigilância".

"Com a seca, temos um tema de ilusão", diz Laurent Cordonier, diretor de investigação da Fundação Descartes, especializada em questões relacionadas com a informação e a desinformação.

"Por um lado, há quem diga que a seca é orquestrada pelo governo e, por outro lado, há quem diga 'estão a mentir-nos, não há seca, vejam a chuva, vejam os rios cheios'. É fácil e está em linha com toda uma tendência de desinformação sobre o clima", acrescenta o investigador.

Longe de estar confinada às redes sociais, esta desinformação encontra por vezes eco na classe política. É o caso de Espanha, onde um eleito perguntou publicamente ao governo se este "manipulava" o clima através da "pulverização de produtos químicos".

Para Laurent Cordonier, "isto é o pior que pode acontecer".