Apesar da guerra, Zelensky quer começar a negociar este ano a entrada na UE
Na primeira cimeira de representantes da UE num país em plena guerra, a decisão foi a de avançar com o processo de integração.
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Destes dois dias - em que 16 comissários europeus se encontraram com o governo de Kiev e mais uma representação do Conselho Europeu esteve na cidade para a cimeira desta sexta-feira - saiu uma mensagem: o processo de integração na UE deste país em guerra está a decorrer à velocidade da luz.
Quando, em junho de 2022, o Conselho Europeu confirmou à Ucrânia o estatuto de país candidato, vários políticos europeus disseram ser impensável aceitar um país em guerra no seio da UE. Mas esse dogma parece estar a cair. Um alto funcionário da Comissão disse na passada sexta-feira que “a Ucrânia será membro da UE quando todos os requisitos estiverem preenchidos”. Deixando, assim, subentender que o fator guerra deixou de ser importante.
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Neste simbólico dia 3 de fevereiro de 2023 em que ‘Bruxelas’ foi a uma capital em guerra, na conferência de imprensa que fechou a cimeira, Zelensky salientou que “o objetivo é começar as negociações este ano. Isto não é apenas um propósito, é um objetivo muito ambicioso”. Para Zelensky, uma das conquistas desta cimeira – rodeada de grandes medidas de segurança – foi “o progresso em integrar a Ucrânia na UE”.
Para Zelensky, o resultado da cimeira prova que “a UE e a Ucrânia não podem ser conquistadas pela Rússia. Tanto a Ucrânia como a Europa ficaram mais fortes e isto porque estamos a trabalhar juntos”.
Mesmo com mísseis a cair, a Ucrânia conseguiu concretizar 72% dos compromissos que assumiu em junho, tendo cumprido sete recomendações da Comissão. Neste momento, está aprovado também um plano de adesão do país ao Mercado Único e a avaliação da Comissão e do Conselho é que a Ucrânia está a fazer bem os seus trabalhos de casa.
O simbolismo da ida a Kiev e a troca de lâmpadas LED
Ursula von der Leyen salientou ser “incrível” a determinação dos ucranianos. “Vocês deram passos importantes com todas as reformas que fizeram para cumprirem as recomendações e devemos nunca esquecer que o fazem enquanto estão em guerra”. E, por isso, garantiu, a Comissão Europeia vai continuar a “apoiar-vos a todo o momento. Discutiremos os pormenores e para além das reformas é preciso ter um bom avanço na implementação”.
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Von der Leye reconheceu que pelo que lhe foi apresentado nestes dois dias em Kiev, o governo ucraniano está “a trabalhar duramente” e esse esforço será refletido no relatório que a Comissão apresentará no outono aos 27 Estados-membros sobre o processo de integração.
A luta contra a corrupção, as reformas no sistema judicial e a implementação de regras democráticas fazem parte da lista de medidas que a Ucrânia está a cumprir.
Tal como várias vezes disse, Von der Leyen salientou esta sexta-feira que a Ucrânia é para os europeus "uma inspiração". Desta vez falou aos jornalistas depois de ter ido visitar um posto de correios onde os ucranianos estão a trocar lâmpadas velhas por lâmpadas LED, muito mais eficazes em termos de poupança. A UE já entregou 35 milhões destas lâmpadas e tem mais 15 milhões a caminho.
No posto de correios, a alemã que preside à Comissão viu milhares de ucranianos entusiasmados com a troca. Parece um pequeno feito, mas quando todas em uso, estes 50 milhões de lâmpadas LED equivalem a poupar a energia de um reator nuclear. É muito para um país que está, por causa da guerra, a viver uma crise energética. Na visita, soaram as sirenes de defesa anti-aérea e Von der Leyen correu para um abrigo: “Mas isto é a realidade de todos os dias para quem aqui vive”, considerou.
Von der Leyen disse aos jornalistas que a prova concreta que “a Rússia está a sofrer uma derrota estratégica massiva e que a Ucrânia está a construir o seu caminho para a União Europeia é que nós estamos aqui para a 24 ª cimeira, durante a guerra, e estamos a discutir e a construir o futuro da Ucrânia na UE. Isso diz mais que mil palavras”. Realçou que "construir o futuro começa hoje".
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Neste momento, a Ucrânia está a receber 2 gigawatts de eletricidade, quando antes da guerra exportava para a UE - as lâmpadas são um símbolo do esforço gigante de reparação de toda a infraestrutura elétrica que foi bombardeada. E também o trabalho de reconstrução de casas, edifícios, estradas e infraestruturas tem de começar já, entende Von der Leyen, enquanto a guerra ainda continua. Para isso, o primeiro milhão de euros, dos 18 mil milhões que a Ucrânia vai receber em apoio macro-financeiro em 2023, já foi entregue. Até hoje, a UE já entregou à Ucrânia 50 mil milhões de euros.
Outro dos aspetos que foram salientados em Kiev diz respeito aos corredores solidários que a UE tem permitido e que faz com que tenha sido possível exportar cerais, através de zonas securizadas, que dão ao país o equivalente a 25% do seu PIB, ou seja, 20 mil milhões de euros em receitas.
Além disso, o apoio vai continuar através da suspensão de tarifas sobre os bens exportados para a UE. Ou seja, a produção ucraniana chega à UE como se já pertencesse ao Mercado Único, sem pagar taxas aduaneiras.
Fazer a Rússia pagar: aplicar os bens congelados e o 10º pacote de sanções
Na declaração conjunta assinada pelos três líderes – o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, e o presidente ucraniano, Volodymir Zelesnky – foi recomendada a criação de um centro internacional para a acusação do crime de agressão na Ucrânia (ICPA), que seria estabelecido em Haia, junto do Tribunal Penal Internacional, com o objetivo de preservar e guardar as provas dos crimes russos contra a Ucrânia.
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Além disso, na cimeira e a nível internacional, os líderes da União Europeia estão a desenvolver esforços para que os bens congelados à Rússia, não só na UE mas também nos Estados Unidos, sejam usados para a reconstrução ucraniana. “Faz sentido que a Rússia pague para reconstruir a Ucrânia e estamos empenhados em usar os bens congelados para isso”, garantiu Charles Michel.
Com o objetivo de acabar com a guerra, os líderes europeus também manifestaram esta sexta-feira o apoio ao Plano de Paz de Dez Pontos de Zelensky, e igualmente a criação de um evento internacional, a Cimeira da Fórmula da Paz, para terminar a agressão russa.
Outra novidade confirmada por Ursula von der Leyen foi o novo pacote de sanções, o décimo, que deverá estar aprovado a 24 de fevereiro, data em que se comemora o primeiro aviversário da invasão russa à Ucrânia. Este pacote terá um impacto económico de 10 mil milhões de euros na economia russa e está focado na proibição de exportação de tecnologia que permite construir equipamento de guerra, como drones, por exemplo. E ainda medidas extra para que não possa haver evasão às sanções.
Além da integração da Ucrânia no Mercado Único, através de vários acordos de comércio livre que vão ser assinados, foi decidido que a Ucrânia fará parte o mais cedo possível da zona europeia isenta de roaming nas telecomunicações.