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Alemanha. Emigrantes portugueses recuperam estratégias de poupança

A Alemanha estava dependente do gás russo e enfrenta agora a ameaça de uma recessão. Entre a subida de preços e o medo de ficar sem aquecimento, os emigrantes portugueses recuperam as suas estratégias de poupança, mas a confiança no sistema alemão permanece inabalável.

O Nord Stream 2 estava a ponto de se tornar no maior canal de abastecimento de gás russo para a Alemanha. O seu funcionamento foi cancelado após a invasão da Ucrânia pela Rússia.

O Nord Stream 2 estava a ponto de se tornar no maior canal de abastecimento de gás russo para a Alemanha. O seu funcionamento foi cancelado após a invasão da Ucrânia pela Rússia. © Créditos: AFP

Jornalista

(Reportagem especial na Alemanha)

No mês passado, Fátima Santos, 49 anos, proprietária do supermercado Santos em Nuremberga, segunda maior cidade da Baviera, franziu o sobrolho quando o seu cliente espanhol lhe disse o preço da remessa de 500 quilos de queijo: "600 euros", recorda a empresária. "Antes da guerra pagava 280".

Foi então informada de que a duplicação do preço não estava somente relacionada com os custos de produção em si, mas também com o encarecimento dos combustíveis para o transporte e até das paletes de cartão em que os queijos estão depositados. "Não há nada aqui nas prateleiras que não tenha ficado mais dispendioso", afirma.

Desde o fim do verão que começou a aperceber-se de um decréscimo na afluência de clientela, não apenas no supermercado como também nas encomendas dos restaurantes portugueses, brasileiros e espanhóis que abastece na região. A tendência alastra-se a quase todos os ramos de negócio. A Alemanha, maior economia da Europa, estruturou a alimentação energética da sua indústria numa dependência de gás barato importado da Rússia – em 2021, 55% do gás natural usado no país chegava dos gasodutos russos. Os governos de Angela Merkel, geralmente aliados aos socialistas do SPD – agora líderes da coligação no Governo – confiaram cegamente em Vladimir Putin.

Porém, ao invadir a Ucrânia, o presidente russo fez um cheque-mate energético a Berlim e, por arrasto, a toda a União Europeia. "O Estado e as empresas subvalorizaram a vontade russa em usar o gás como arma", diz ao Contacto Franziska Holz, directora do Departamento de Energia, Transporte e Ambiente do Instituto Alemão de Estudos Económicos (IAEE). "Mais de metade do abastecimento de gás vinha da Rússia, ou seja, fomos às cegas até à dependência. O dinheiro das empresas foi dirigido para Moscovo e não se hesitou em vender estruturas nacionais à Gazprom [empresa estatal russa de gás]. Não existia qualquer alínea nos contratos que protegesse o país de uma situação como a que estamos a viver. Quando analisamos o que foi escrito no passado, vimos que os mais pessimistas temiam que isto levasse a uma ruptura de uma semana ou duas, não a ameaça de um Inverno inteiro sem aquecimento. Fomos ingénuos".

As medidas adoptadas não trazem nenhuma segurança de planeamento para as pessoas, só um alívio a curto prazo, além de serem pacotes extremamente caros para o Estado. Também não vejo qualquer alívio para as empresas que enfrentam dificuldades económicas urgentes.
Catarina dos Santos Firnhaber, deputada CDU

As consequências começaram a fazer-se sentir nos últimos meses. A inflação atingiu os 10% em Setembro, com perspectivas de aumento mensal de 1,6% até ao final do ano. Segundo os cálculos do governo germânico, os preços dos combustíveis, electricidade e gás estão 43% mais caros do que em 2021, levando empresas e cidadãos ao limite do orçamento. Nas lojas e supermercados, os bens essenciais estão 18,7% mais caros desde o início da guerra. Até a famigerada cerveja alemã se tornou mais custosa: a caneca de litro no Oktoberfest estava a 13,80 euros, mais 15% do que na edição de 2019.

A Alemanha era tida como um país barato tendo em conta a média salarial. Deixou de sê-lo. "Os ordenados não sobem nem de perto à velocidade dos preços", diz a dona do "Santos", natural de Tondela. "O país já não tem uma economia tão próspera como antes e esta situação veio acentuar problemas que já se notavam".

Fátima chegou à Francónia, região norte da Baviera, com um ano e meio. O pai trabalhava numa fábrica de betão em Bamberg, onde passou também a vender iguarias portuguesas na garagem de sua casa. Foi o embrião do actual negócio. Fixaram-se depois em Nuremberga há 22 anos, tornando-se num ponto de referência para as comunidades lusófonas de toda a província. Com a reforma do pai, Fátima, técnica de contas, pegou nas rédeas da empresa e, desde então, nunca se deparou com uma ameaça de recessão como a actual.

Fátima Santos, nascida em Tondela, gere um supermercado em Nuremberga, na Baviera. Diz que não há produto nas prateleiras que não tenha encarecidos nos últimos meses.

Fátima Santos, nascida em Tondela, gere um supermercado em Nuremberga, na Baviera. Diz que não há produto nas prateleiras que não tenha encarecidos nos últimos meses. © Créditos: DR

"É a primeira vez que ouço alguns clientes dizer que não podem levar tal garrafa de vinho, mais cara, ou clientes a cancelarem-me encomendas porque a empresa faliu ou porque houve uma ruptura das embalagens". Para Holz, a recessão já não é uma possibilidade, é uma garantia: "Está agora nas nossas mãos limitar a sua dimensão. Se actuarmos já, as coisas não devem ficar piores do que no primeiro trimestre da pandemia da covid-19. Mas temos de ser rápidos a garantir fontes alternativas de abastecimento e a proteger as empresas e os cidadãos mais expostos à crise".

Sede da N-ERGIE, a empresa de fornecimento de energia em Nuremberga, na Alemanha. São várias as empresas do sector a passarem por dificuldades financeiras devido ao corte de abastecimento de gás da Rússia.

Sede da N-ERGIE, a empresa de fornecimento de energia em Nuremberga, na Alemanha. São várias as empresas do sector a passarem por dificuldades financeiras devido ao corte de abastecimento de gás da Rússia. © Créditos: DR

Medidas a todo o gás

O impacto do terramoto energético abala a vida de vários emigrantes portugueses. Helena Sofia, 31 anos, trocou Portugal por Berlim em 2015, em consequência da crise da troika, conseguindo estabilizar a sua vida trabalhando na cosmética de betão, no pujante sector da construção civil alemã. Em 2021, mudou-se para Düsseldorf. "Tenho um contrato de 34 horas por semana e no final do mês recebo 1900 euros, o que me dava para viver tranquila, até porque a minha renda, com custos incluídos, era de 640 euros", conta. "Quando começou a guerra foram-me aumentados os custos de aquecimento em 30 euros por mês e, recentemente, mais 30. No final de Setembro, recebi o mail do senhoria a falar-me da possibilidade de um aumento de 700 a 900 euros por mês".

De acordo com a portuguesa, "as contas do aquecimento da casa estavam feitas a 0,03 cêntimos/kw, subindo primeiro para 0,09, depois para 0,12 e, agora, a 0,49 cêntimos". Diz conhecer outras pessoas que passaram a pagar entre 60 a 200 euros a mais, mas ninguém com um agravamento tão alto: "Sou a única que sofre assim com mais 700 euros mensais". Alguns amigos já a alertaram para a possibilidade de estar a ser vítima de burla.

O governo alemão tem de lidar não apenas com os dramas individuais, como o de Helena, como com o de grandes empresas que asfixiaram abruptamente com a escalada do preço da energia. Uma dela, a Uniper – primeiro importador e armazenador de gás no país – pediu resgate ao Estado após ter esgotado no espaço de um mês uma linha de crédito de nove mil mihões de euros disponibilizada pelas contas públicas.

Confrontada com um corte de 80% no gás russo, a empresa teve de recorrer a outros mercados, onde os preços dispararam, para cumprir os seus contratos. "As perdas registadas representavam em meados de Agosto um total de mais de cinco mil mihões de euros, tendo aumentado desde então", referiu Klaus-Dieter Maubach, líder do grupo, em comunicado.

A Uniper é apenas uma das centenas de mega-empresas a experienciar sérias dificuldades de sobrevivência: muitas tiveram de abrandar ou suspender a produção. De modo a evitar a derrocada económica, o governo de Olaf Scholz anunciou primeiro um pacote de 95 mil milhões de euros, faseado em três tranches, que incluiu o pagamento universal de 300 euros brutos a cada contribuinte. "A taxa fixa de energia de 300 euros é muito pequena para pessoa com baixos e médios rendimentos, devido ao aumento exponencial dos preços", diz Catarina dos Santos Firnhaber, deputada luso-alemã dos social-democratas da CDU, o principal partido da oposição.

As críticas da parlamentar de Aachen, proferidas ao Contacto em meados de Setembro, estendiam-se a outros pontos do plano do governo. "As decisões têm sido atrasadas: os planos são pouco abrangentes e mal articulados. Estão presos em detalhes ideológicos e no mínimo denominador comum dos três partidos da coligação. As medidas adoptadas não trazem nenhuma segurança de planeamento para as pessoas, só um alívio a curto prazo, além de serem pacotes extremamente caros para o Estado. Também não vejo qualquer alívio para as empresas que enfrentam dificuldades económicas urgentes".

Catarina dos Santos Firnhaber, deputada da CDU, o principal partido da oposição.

Catarina dos Santos Firnhaber, deputada da CDU, o principal partido da oposição. © Créditos: DR

Pressionado pelas críticas da oposição e da opinião pública, Scholz avançou no início de Outubro com o anúncio de mais um fundo de quase 200 mil milhões de euros, desta feita direccionado para financiar um tecto máximo no preço do gás, protegendo assim as firmas e os 83 milhões de cidadãos alemães. O plano prevê ainda a sobretaxação de companhias do ramo da energia pouco afectadas com a subida do preço do gás e que multipliquem os lucros durante a crise. O pacote bilionário causou a indignação de vários Estado-membro da União Europeia, cujos eurodeputados descreveram como "egoísta", por distorcer o ténue equilíbrio do mercado único europeu.

Berlim foi acusada de negligência na coordenação da resposta à crise com os seus parceiros de Bruxelas. "Se a Alemanha enfrentasse uma recessão profunda, arrastaria a Europa inteira com ela", disse Robert Habeck, numa entrevista ao jornal Financial Times. "Não estamos a ser egoístas. Estamos a tentar estabilizar uma economia no coração da Europa".

A economista Franziska Holz diz que a ameaça de ruptura no abastecimento de gás na Alemanha é real: "Fomos ingénuos", afirma.

A economista Franziska Holz diz que a ameaça de ruptura no abastecimento de gás na Alemanha é real: "Fomos ingénuos", afirma. © Créditos: Thomas Lobenwein

Berlim foi acusada de negligência na coordenação da resposta à crise com os seus parceiros de Bruxelas. "Se a Alemanha enfrentasse uma recessão profunda, arrastaria a Europa inteira com ela", disse Robert Habeck, numa entrevista ao jornal Financial Times. "Não estamos a ser egoístas. Estamos a tentar estabilizar uma economia no coração da Europa".

A Alemanha foi capaz de abastecer as reservas de gás mais rápido do que se previa e conta hoje com cerca de 95% da sua capacidade total. Ainda assim, mesmo se completamente cheias, as reservas dificilmente durarão o inverno. Às taxas de consumo actuais, o governo estimou que o gás armazenado poderia cobrir as necessidades de energia do país até três meses. Não há tempo a perder.

Os governantes alemães tentam de todas as formas tapar em poucos meses o fosso cavado ao longo de anos com a compra de gás a Moscovo; uma semana antes de o gasoduto Nord Stream ser alvo de sabotagem e explodir no Mar Báltico, o chanceler Olaf Scholz foi aos Emirados Árabes Unidos (EUA) assinar acordos para a compra de gasóleo e de gás e o Ministério da Economia decretava o controlo estatal das subsidiárias alemãs da petrolífera russa Rosneft. Os anúncios sucedem-se a um ritmo diário.

Uma polémica nuclear

O governo alemão nem pensou duas vezes em retomar a produção eléctrica através de fontes que estavam condenadas à morte: deu luz verde à retoma ou prolongamento da actividade de 27 centrais alimentadas a carvão, pelo menos até 30 de Abril de 2023. Segundo Robert Habeck, a medida inserida no Plano de Emergência do Gás irá poupar entre cinco a 10 terawatts-hora de gás natural na Alemanha e outro tanto no resto da Europa.

O político alemão é membro do partido Os Verdes, que defende o fim do uso do carvão para gerar electricidade, uma tecnologia que é uma grande emissora de CO2 e estava na lista de encerramentos visando o cumprimento das metas contra as alterações climáticas. "É doloroso", anunciou o ministro. "Mas é uma necessidade absoluta para reduzir o consumo de gás".

A central nuclear de Isar-2, na Baviera, estava sentenciada a fechar as portas até ao final do ano, mas vai ficar operacional até à primavera do próximo ano.

A central nuclear de Isar-2, na Baviera, estava sentenciada a fechar as portas até ao final do ano, mas vai ficar operacional até à primavera do próximo ano. © Créditos: DR

Os ecologistas não pouparam críticas a Habeck, mas a sociedade alemã compreendeu a medida como uma inevitabilidade. Porém, a tempestade estava apenas a começar para o ministro. Mais do que o carvão, o fim da energia nuclear é o grande "cavalo de batalha" dos ambientalistas, que se preparavam para assinalar em 2022 o encerramento de todas as centrais nucleares existentes no país – uma medida decretada pelo executivo de Angela Merkel, em 2011, no rescaldo da catástrofe de Fukushima, no Japão. Sobravam apenas três, responsáveis por 6% da capacidade de produção eléctrica do país.

Para Os Verdes não havia voltar a dar: as centrais tinham mesmo de encerrar este ano.

"É verdade que as centrais nucleares não produzem gás e que, por isso, não podem resolver directamente essa lacuna", diz um quadro da maior empresa de desmantelamento de centrais nucleares, português, residente na Alemanha, que por motivos profissionais pediu para não revelar o nome. "No entanto, neste momento todos os quilowatts contam, e aqueles 6% produzidos nas centrais nucleares vão fazer com que haja menos necessidade de recorrer ao gás para produzir electricidade".

Habeck ficou entre a espada e a parede: de um lado, os seus colegas de partido não permitiam um adiamento do adeus ao nuclear, do outro, milhões de alemães disponíveis para abdicar da ideologia em troca da certeza de não tiritar de frio no inverno. "Ele surgiu com uma solução intermédia de deixar as centrais em stand-by até à Primavera de 2023, tentando assim agradar a gregos e a troianos", diz o técnico português, zangado por o político colocar princípios ideológicos à frente dos imperativos económicos da nação. "No entanto, a administração de uma das fábricas respondeu que tecnicamente isso não era possível, deixando o ministro muito mal visto".

O impasse causou ainda sérios problemas colaterais: segundo a mesma fonte abordada pelo Contacto, os planos de encerramento das centrais nucleares são morosos e complexos, sendo qualquer alteração acompanhada por uma pesada factura.

"Os funcionários estavam prontos para a desmobilização, muitos deles já tinham encontrado emprego na Suíça. Não querem ficar de reserva por causa de uma decisão política", afirma o especialista português. "As ondas de choque chegaram até à Bélgica, que também estava em processo de encerramento de centrais. Os trabalhadores viram que era possível prolongar a vida das fábricas e estão a pressionar os sindicatos para não pararem as operações".

Após um período de silêncio, a decisão final foi tomada há três semanas: duas das estações, ISAR-2, na Baviera, e Neckarwestheim, em Baden-Württemberg, vão permanecer ligadas à rede até Abril de 2023, prevenindo cortes no abastecimento. As autoridades alemãs sublinharam que a extensão das suas vidas para além dessas datas está fora de equação.

O empresário Karl Moosdorf considera que a Alemanha foi lenta na passagem para fontes de energia renováveis: "Os governos de Merkel fizeram tudo para complicar a vida das empresas do sector".

O empresário Karl Moosdorf considera que a Alemanha foi lenta na passagem para fontes de energia renováveis: "Os governos de Merkel fizeram tudo para complicar a vida das empresas do sector". © Créditos: DR

Simultaneamente, o país tenta acelerar a produção de energia através de fontes renováveis, tentando assim permanecer encarrilado em direcção às metas ambientais propostas. "Os governos de Angela Merkel fizeram tudo para complicar a vida das empresas do sector das renováveis. A implementação foi lenta, demasiado lenta. Há uma série de leis e impostos que travam o desenvolvimento das renováveis. Felizmente, o actual governo está a alterar as condições para acelerar o crescimento", diz Karl Moosdorf, conselheiro internacional da Associação Alemã de Energia Solar (BSW) e empresário do ramo fotovoltaico em Portugal desde 1997.

Moosdorf acredita que são as renováveis – "e não o nuclear ou o carvão" – que têm de sair fortalecidas da revolução energética em curso. Não só por causa do ambiente: "São também mais rápidas de implementar que as centrais nucleares e não sofrem os problemas de transporte de combustível associados nos últimos anos ao carvão", afirma. "O único entrave à aceleração do desenvolvimento das renováveis é a escassez de mão-de-obra. Para atingir os objectivos do governo até 2030, a capacidade instalada anualmente no fotovoltaico tinha de ser cinco vezes maior que a existente. Mas já temos problemas com a velocidade actual por causa da falta de pessoal".

Os mimados e os poupados

Mário Barros sabe o que é uma crise. Em 2013, a da dívida portuguesa arruinou o bar que tinha em Arcos de Valdevez e fê-lo regressar a Nuremberga, para trabalhar na construção. Ali, onde tinha tido a sua primeira experiência de emigração, em 1989, sabia que muito dificilmente a economia colapsaria. E é essa a ideia que mantém, aos 56 anos, mesmo perante a ameaça de uma recessão no país: "Se a Alemanha estiver mal, então os outros todos vão estar no charco", comenta.

Mário, a sua esposa, Sílvia, assistente numa clínica dentária, e os seus três filhos têm uma vida desafogada: para além do apartamento na cidade, têm ainda uma casa num schrebergarten [casa de jardim, comum na Alemanha, onde as famílias vão apanhar ar fresco e semear árvores e plantas], onde Mário faz criação de pombos, periquitos, galinhas de raça e toda a espécie de bichos com penas, distinguidos em competições do género. "Não temos luxos, claro, mas também não escolhemos o que compramos no supermercado", diz Mário, diante das bandeiras de Portugal e do Benfica que se agitam diante do lar.

O minhoto vive descansado, essencialmente, porque confia no governo alemão: "Até agora, resolveram todos os problemas que foram aparecendo", diz. Sílvia sublinha que, não obstante, a família está preparada para poupar: "Nós já nunca ligamos o aquecimento em casa porque os vizinhos metem aquilo tão alto que até as paredes da nossa casa ficam quentes".

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Os emigrantes portugueses que residem na Alemanha há mais anos vêm de contextos pobres e foram educados a poupar: "Eu não mando quase nada fora", diz Fátima Santos. "Falam agora da necessidade de reutilizar, mas eu fui ensinada assim e nunca deixei de o fazer".

O mesmo não acontece com a maioria dos alemães, pois a geração que conheceu mais privações – a do pós-guerra – está hoje bastante envelhecida. "Os alemães que vejo a protestar com o governo não são os pobres, são aqueles que têm medo de perder os recursos que lhes permitem ir de férias para o estrangeiro duas vezes por ano", diz Dara Hassanzadeh, jornalista da estação televisiva ZDF. "Estão tão mimados por uma vida financeiramente relaxada, que não concebem períodos de privação".

Instados a aguentar condições mais ásperas em prol da manutenção das sanções à Rússia e consequente apoio à Ucrânia na guerra, alguns alemães já demonstraram insatisfação. É o caso de Sílvia, que acredita que a solidariedade tem limites: "Se colocar em causa o bem-estar dos alemães, acho que o governo tem de deixar de apoiar a Ucrânia", afirma. Uma sondagem recente da ZDF revela que nas regiões ocidentais da Alemanha 70% dos inquiridos diz estar disposto a fazer sacrifícios para manter o apoio a Kiev. No entanto, nas províncias da antiga Alemanha de Leste, os números invertem-se: apenas 30% está disponível para privações, ao passo que 70% prefere levantar as sanções para poder usar t-shirt em casa.

Por todo o país, as medidas de contenção continuam em marcha: limitação de aquecimento nos edifícios públicos e interdição da iluminação pública que não seja considerada fundamental. As piscinas e os balneários careciam de água quente até ao início de Outubro.

A deputada Catarina dos Santos dirige-se à comunidade portuguesa para pedir resiliência: "Enfrentamos tempos difíceis. Mas juntos vamos conseguir enfrentá-los, sempre com a certeza de que a democracia e a liberdade são mais fortes do que a guerra e o terror", afirma. Os portugueses continuam optimistas e crédulos na administração de Berlim. Mesmo depois de ir à padaria do seu bairro e constatar que os pães que custavam 39 cêntimos passaram a valer 1,03 euros, Helena Sofia mantém a confiança no futuro: "Acho que a Alemanha vai aguentar", diz. "Confio que depois da tempestade vem a bonança, mas este Inverno vai ser duro para todos".

(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)

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