"Obrigadas a negar quem eram". Alemanha homenageia vítimas LGBTQ do nazismo
Pela primeira vez, as comemorações do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto focou-se neste grupo.
Klaus Schirdewahn, representante da comunidade "quee", com a presidente do Bundestag, Baerbel Bas, na cerimónia desta sexta-feir. © Créditos: Stefanie LOOS/AFP
A Alemanha prestou esta sexta- feira homenagem à memória das vítimas LGBTQ perseguidas pelo regime nazi que foram forçadas a "esconder-se e a negar [quem eram]" depois da guerra. A homenagem aconteceu durante as comemorações do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
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Para aqueles que estavam presos devido à sua orientação sexual, a libertação do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, há 78 anos, "não acabou com a perseguição do Estado", recordou a Presidente do Bundestag, Bärbel Bas, na abertura de uma cerimónia no parlamento alemão.
"Os últimos sobreviventes deste grupo de vítimas morreram antes de serem ouvidos", lamentou.
Desde 27 de janeiro de 1996 que os deputados alemães realizam uma cerimónia anual na Câmara Baixa do Parlamento para assinalar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, tradicionalmente centrado na memória dos seis milhões de judeus exterminados pelo regime de Adolf Hitler.
Pela primeira vez, a memória das vítimas LGBTQ do nazismo esteve no centro das comemorações.
Viver escondido
Outros eventos estão a ser organizados em todo o país. Em Frankfurt, a Presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, desvelou uma placa em homenagem aos 10.000 judeus enviados para campos de concentração após terem sido reunidos no antigo mercado abastecedor da cidade, no qual se encontra o atual edifício da instituição.
No Bundestag, a sobrevivente judia holandesa do Holocausto, Rozette Kats, de 80 anos, saudou o tributo dos eurodeputados ao destino longamente silenciado da comunidade LGBTQ.
"Tenho 80 anos e não esqueci como é terrível negarmo-nos e escondermo-nos", disse, emocionada.
Em criança, os pais colocaram-na ao cuidado de uma família adotiva que a escondeu. A sua mãe, o irmão mais novo e o pai morreram em Auschwitz. Só soube das mortes depois da guerra e passariam décadas antes de se conformar com um passado sobre o qual "não queria saber nada", relata.
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Se os judeus foram o alvo principal do Holocausto, este foi "um ataque à humanidade: às pessoas LGBTQ, aos ciganos, às pessoas com deficiências mentais", diz Dani Dayan, diretor do memorial Yad Vashem em Jerusalém.
Em algumas cidades alemãs, especialmente Berlim, a comunidade LGBTQ tinha florescido durante a República de Weimar na década de 1920.
A lei penal proibia as relações sexuais entre homens desde 1871, mas era relativamente pouco aplicada. Isto mudou quando Hitler chegou ao poder após as eleições de 1933. Em 1935, o seu regime endureceu a lei, aumentando para dez anos de trabalho forçado a pena por ter sexo com outro homem.
Cerca de 57.000 homens foram presos, e entre 6.000 e 10.000 foram enviados para campos de concentração e forçados a usar uniformes com um crachá triangular rosa indicando a sua orientação sexual.
Uma questão de "dignidade"
Entre 3.000 e 10.000 homossexuais morreram durante o nazismo, e muitos foram castrados ou submetidos a experiências médicas horríveis, segundo as estimativas dos historiadores.
Milhares de lésbicas, pessoas transgénero e prostitutas, consideradas "degeneradas", foram também encarceradas em campos de concentração.
Esta sexta-feira, alguns atores leram as histórias por vezes fragmentadas de vítimas como Mary Pünjer, que foi declarada "antisocial" e morta numa câmara de gás em 1942 em Ravensbrück.
Outro exemplo dado foi o de Karl Gorath, um sobrevivente de Auschwitz que foi novamente condenado por homossexualidade depois de 1945, pelo mesmo juiz que o tinha julgado sob o regime nazi.
"Demorou demasiado tempo" até "a dignidade" dos homossexuais, lésbicas e pessoas transgénero "ser tomada em consideração", lamentou Klaus Schirdewahn, de 75 anos, que foi condenado em 1964 por causa da sua orientação sexual.
Na Alemanha Ocidental, o parágrafo 175 do código penal que criminalizava a homossexualidade foi reinstituído na sua versão pré-Nazi em 1969, antes de ser totalmente abolido em 1994. Na antiga RDA, permaneceu em vigor até 1968.
A reabilitação dos condenados do período nazi foi então votada em 2002, na Alemanha reunificada.
Contudo, só em março de 2017 é que o governo reabilitou também as cerca de 50.000 pessoas condenadas após 1945, e lhes concedeu uma indemnização. A maioria delas já tinha morrido nessa altura.