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Guerra

Rússia contra Ucrânia. Afinal, como é que Putin foi preparando a invasão?

Vladimir Putin anunciou na quinta-feira o início de uma operação militar na Ucrânia, num discurso televisivo emitido por volta das 6h de Moscovo (4h no Luxemburgo). Desde então, há registos de confrontos em vários locais do país e baixas dos dois lados.

Militar ucraniano na linha da frente perto da cidade de Novoluhanske, no leste da Ucrânia, a 19 de fevereiro de 2022.

Militar ucraniano na linha da frente perto da cidade de Novoluhanske, no leste da Ucrânia, a 19 de fevereiro de 2022. © Créditos: Aris Messinis/AFP

Maria Monteiro

Esta madrugada, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia. Na segunda-feira ao fim do dia, ainda durante esforços diplomáticos de vários líderes mundiais, o presidente da Federação Russa reconheceu a independência das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, territórios separatistas pró-russos no leste da Ucrânia, e determinou o envio de tropas para a região.

A decisão de Moscovo, uma violação da lei internacional e do Tratado de Minsk, de 2015, foi amplamente condenada pelo ocidente, mas ainda havia espaço para a diplomacia.

Esta quinta-feira, às 5h da madrugada, hora de Kiev, os tanques russos irromperam pelo território ucraniano e houve explosões na capital. Putin justificou com a necessidade de “libertar o povo ucraniano de oito anos de opressão e genocídio”.

A maior guerra na Europa desde há 75 anos começou. Mas só será global se um país da NATO for atacado. Nos países bálticos vizinhos já há tropas da Aliança Atlântica, nesta fase como elemento de dissuasão. Putin revelou os seus desejos de reconstituir o império soviético. O mundo está em alerta vermelho.

Eis algumas perguntas e respostas para perceber como chegámos aqui:

A legitimação da independência de dois territórios do Donbass serviu para quê?

A legitimação da independência dos dois territórios do Donbass ucraniano por parte da Rússia — reforçada pela assinatura de tratados de amizade e assistência mútua com os líderes de Donetsk, Denis Pushilin, e Lugansk, Leonid Pásechnik —, foi a manobra mais agressiva de Moscovo na crise geopolítica das últimas semanas na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.

A decisão acabou por abrir caminho à entrada da Rússia em território ucraniano para um conflito armado em grande escala, anulando os esforços diplomáticos que têm sido encetados pela União Europeia.

O reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk justificou a entrada de tropas russas em território internacionalmente reconhecido como ucraniano, na terça-feira, dia 22. Moscovo fez então saber, aliás, que enviou militares para "manutenção da paz" na região.

A posição assumida pela Rússia representa uma violação dos acordos de Minsk de 2015, que negociaram o cessar-fogo entre o exército ucraniano e as tropas pró-russas nestes territórios e determinaram o seu regresso ao controlo da Ucrânia. Apesar de serem constantemente postos em causa pelas manifestações de violência que eclodiram ao longo dos anos, estes acordos eram o único entrave para impedir uma guerra aberta

Este pode ser um momento decisivo no conflito?

Sim, uma vez que o reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk levou à entrada de tropas russas em território internacionalmente reconhecido como ucraniano. Moscovo enviou militares para "manutenção da paz" na região. A posição assumida pela Rússia representa uma violação dos acordos de Minsk de 2015, que negociaram o cessar-fogo entre o exército ucraniano e as tropas pró-russas nestes territórios e determinaram o seu regresso ao controlo da Ucrânia. Apesar de serem constantemente postos em causa pelas manifestações de violência que eclodiram ao longo dos anos, estes acordos eram o único entrave para impedir uma guerra aberta.

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A Rússia invadiu a Ucrânia?

Sim. Vladimir Putin anunciou esta quinta-feira o início de uma operação militar na Ucrânia. Até hoje, o líder russo tinha negado qualquer pretensão de invasão, mas as movimentações militares que os russos iam realizando na fronteira com o país vizinho alarmaram o ocidente e faziam crer o contrário. Desde janeiro, a Rússia destacou para aquele território mais de 100 mil soldados, ação que diz ser necessária para garantir a segurança do país, mas que é encarada como uma ameaça sem precedentes desde o final da Guerra Fria. Por sua vez, os Estados Unidos e a NATO têm vindo a reforçar a sua presença militar no leste europeu e o seu apoio financeiro e militar à Ucrânia.

Mas como é que tudo isto começou?

A Ucrânia e a Rússia partilham laços económicos, históricos, culturais e religiosos seculares. Ambas fizeram parte da União Soviética, extinta em 1991. Depois de conquistar a independência, a Ucrânia foi-se aproximando do mundo ocidental e, consequentemente, rompendo com o passado soviético russo. A cimeira da NATO que decorreu em Bucareste, em 2008, foi vista como um ponto de viragem nas relações entre Moscovo e o ocidente, pois foi nessa altura que a Ucrânia e a Geórgia manifestaram interesse em integrar a aliança militar transatlântica — posição inaceitável para o regime de Putin, que posteriormente invadiu a Geórgia para uma guerra curta que, aos olhos da Rússia, serviria de aviso à NATO e à UE. Desde aí, a deterioração das relações entre russos e ucranianos foi contínua.

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Por que aconteceram os protestos de Euromaidan?

Em 2013, o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, esteve muito perto de assinar um acordo comercial com a União Europeia, mas terá recuado por pressão económica de Moscovo. Ora, isto levou milhares de ucranianos a sair à rua para reclamar uma maior integração europeia. Esta onda de manifestações, que se prolongou durante vários meses e contou com o apoio da UE e dos Estados Unidos, ficou conhecida como Euromaidane culminou na deposição do governo de Yanukovych. Os líderes que se sucederam adotaram uma postura mais pró-europeia, o que desagradou à Rússia.

Onde entra a anexação da Crimeia?

A península da Crimeia, situada no sul da Ucrânia, sempre foi vista como russa pelos russos. Com a ameaça do avanço da NATO no flanco leste europeu, a Rússia decidiu invadir e anexar a Crimeia em 2014, originando a maior crise nas relações entre ocidente e oriente desde a Guerra Fria. A anexação foi considerada ilegal pela NATO e condenada por vários líderes mundiais. Ainda hoje não é reconhecida por grande parte da comunidade internacional.

O que é que a Rússia reivindica?

Ao longo dos anos, Moscovo tem visto com crescente preocupação o estreitar de relações entre a Ucrânia e o ocidente. Para a Rússia, a expansão da NATO para leste representa um cerco ao país e fragiliza a sua segurança. Por isso, exige que a aliança militar defensiva se comprometa publicamente a não integrar a Ucrânia e a retirar as suas forças do leste europeu, nomeadamente de países que outrora pertenceram à União Soviética ou ao Pacto de Varsóvia — a Polónia, Hungria e Estónia, por exemplo, fizeram parte da aliança militar implementada pelos russos em resposta à NATO, mas mais tarde juntaram-se ao lado do ocidente. Estas reivindicações foram veementemente rejeitadas por Washington.

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Por que é que a Ucrânia é tão importante para a Rússia?

Em julho de 2021, Vladimir Putin escreveu um ensaio intitulado Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos, em que afirmava que ambos os países formam "um todo" e culpava "forças divisoras" por criar uma barreira entre eles. Segundo "a visão dominante do nacionalismo russo", a Ucrânia "é um elemento central da identidade russa". Por isso, ver os ucranianos aliarem-se à oposição causa "muita raiva e frustração na Rússia, que se sente traída por um irmão".

Além disso, há uma minoria da população ucraniana que é de etnia russa e fala russo. Mas há quem diga que a razão principal do interesse pela Ucrânia é estratégica e prende-se com a necessidade de assegurar que todos os países que fazem fronteira com a Rússia são seus aliados, por questões de defesa e segurança. Para Putin, o ideal seria que as nações periféricas seguissem o exemplo da Bielorrússia, com quem tem feito exercícios militares conjuntos.

*com Telma Miguel

(Notícia atualizada com os últimos desenvolvimentos)