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A estranha síndrome que afeta crianças um mês após terem tido covid-19

Pediatras espanhóis relataram ao El País dados mais completos sobre esta sequela do SARS-CoV-2 em crianças e jovens.

© Créditos: AFP

Bruno Carlos Amaral De Carvalho

Um mês depois da primeira vaga da pandemia ter eclodido, pediatras de toda a Espanha começaram a detetar casos de uma síndrome tão estranha que nem sequer tinha um nome. Já se estava a tornar claro que o SARS-CoV-2 causa doenças graves, especialmente em pessoas idosas ou com outras doenças. Por isso foi tão difícil para os investigadores encontrar crianças que quatro a seis semanas após terem sido infetadas, quando já estavam completamente saudáveis, adoeceram com febre contínua, inchaços generalizados e outros sintomas que punham a vida em perigo.

"Eram crianças dos 8 aos 14 anos que chegaram com fortes dores abdominais e febre durante vários dias", recordou ao El País Alberto García-Salido, pediatra nos Cuidados Intensivos do Hospital Niño Jesús, em Madrid. "Não tinham sintomas respiratórios como os adultos. A primeira coisa que pensávamos é que era apendicite; depois pensávamos que era uma síndrome inflamatória devido a uma infeção bacteriana", explicou.

Os doentes apresentavam também olhos vermelhos, fraqueza, febre contínua, náuseas, vómitos e tensão arterial baixa. Em poucos dias, a situação pode complicar-se, obrigando estas crianças a serem admitidas nos cuidados intensivos. Embora esta condição pudesse atacar todos os órgãos principais, a maioria deles teve complicações no coração. No início pensava-se que se tratava da doença de Kawasaki, uma condição em crianças sem causa conhecida que inflama os vasos sanguíneos. Mais tarde foi entendido que era uma nova condição relacionada com o SARS-CoV-2, responsável pela infeção por covid-19. Era uma coleção de sinais e sintomas e não uma doença específica, aquilo a que os médicos chamam síndrome.

A Organização Mundial de Saúde deu um nome à nova doença em maio, tendo em conta a crescente lista de casos no Reino Unido, EUA, França e Itália: Síndrome Inflamatória Multissistémica em Crianças (MIS-C, na sigla inglesa). Desde então, muitos médicos lançaram investigações sobre a estranha síndrome, mas as suas causas e os fatores que determinam que uma criança passe uma infeção quase sem sintomas e possa ficar doente um mês mais tarde a ponto de pôr em perigo a sua vida ainda não estão claros.

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"Estamos perante uma condição muito, muito rara", advertiu ao El País Alfredo Tagarro, pediatra do Hospital Infanta Sofia em Madrid e coordenador do registo pediátrico nacional sobre esta nova síndrome em Espanha. Num estudo que acaba de apresentar no Congresso sobre Retrovírus e Infeções Oportunistas, a sua equipa analisou dados de 52 hospitais espanhóis. Desde o início da pandemia, apenas 90 casos de MIS-C foram detetados em Espanha, o que representa 0,02% de todas as infeções registadas em pessoas entre os zero e os 18 anos de idade, explicou Tagarro.

O MIS-C é a complicação pediátrica mais grave relacionada com o coronavírus que foi registada nesta pandemia e a principal causa de admissão de crianças nos cuidados intensivos. Entre os 90 casos, registaram-se duas mortes, ambas com doença anterior.

O período de latência entre a infeção e a chegada da síndrome é muito variável, podendo atingir até quatro meses mais tarde, descreveu Cinta Moraleda, pediatra do Hospital 12 de Octubre em Madrid e co-líder do estudo. "Estamos a tentar descobrir porque é que isto acontece, qual é o mecanismo imunológico. Neste momento, pensamos que a infeção por SARS-CoV-2 funciona como o gatilho de uma arma que desencadeia a resposta imunitária em doentes que têm uma predisposição", salientou.